PREÂMBULO - PORTO ALEGRE: LABORATÓRIO DA TERCEIRIZAÇÃO
- Alexandre Costa

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Atualizado: há 5 dias

por Alexandre Costa | jornalista*
A cidade que já foi referência em participação popular e orçamento democrático tornou-se, hoje, símbolo de um Estado municipal capturado — onde o discurso da eficiência encobre o avanço da privatização, da precarização do trabalho e da transferência de responsabilidades públicas ao mercado [¹]. A lógica é simples e devastadora: menos Estado, menos direitos, mais contratos. No fim, quem paga a conta é o povo — não apenas com o bolso, mas com a própria vida.
A Prefeitura da capital gaúcha é uma entre tantas cidades brasileiras que, ao longo das últimas décadas, foram dilapidadas sob o pretexto de “enxugar gastos”. De quatro em quatro anos, gestores repetem o mesmo repertório: eficiência, modernização, austeridade. Na prática, consolida-se um projeto de desmonte sistemático da administração pública [²].
Na área da saúde, esse processo é visível e quase total. Segundo levantamento do Brasil de Fato RS (07/02/2025), 95% da atenção básica de Porto Alegre está sob gestão de organizações sociais ou entidades privadas, que operam por meio de contratos e convênios [³]. Em 2022, o Diário Gaúcho já apontava que 99 das 132 unidades básicas de saúde — cerca de 86,3% — estavam sob administração indireta [⁴].
O Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2025, aprovado em outubro de 2024, reduziu em 47,1% o valor originalmente solicitado pela Secretaria Municipal de Saúde, segundo relatório da Comissão de Financiamento e Orçamento do Conselho Municipal de Saúde (CMS) citado pela Matinal Jornalismo [⁵]. O mesmo levantamento mostra que a participação do Município no financiamento do SUS local caiu de 45,04% em 2013 para 32,87% em 2023 — retração de mais de doze pontos percentuais em uma década (verificar) [⁶].
As consequências são imediatas: superlotação nas unidades básicas, falta de profissionais, demora no atendimento e redução estrutural da capacidade de resposta do SUS municipal.
O Simpa denuncia que a prefeitura “deixou de realizar concursos e vem substituindo servidores de carreira por vínculos precários e empresas privadas”, desmontando a estrutura pública e fragilizando o controle social dos recursos [⁷]. Em 2023, o sindicato passou a exigir a reestatização das unidades terceirizadas e a realização de concursos para agentes comunitários e de combate a endemias.
A terceirização, porém, não se limita à saúde. No Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE), o número de servidores de carreira caiu de 1.441 em 2021 para 1.300 em 2024, enquanto os cargos comissionados aumentaram 71%, segundo reportagem da Matinal Jornalismo [⁸].
A redução do quadro técnico coincidiu com falhas no abastecimento, perda de autonomia administrativa e contratação de empresas privadas para serviços antes internos — fragilidades expostas dramaticamente na enchente de maio de 2024.
Na educação, o roteiro se repete: em 2023, a prefeitura anunciou a contratação de 421 profissionais terceirizados (psicólogos, fonoaudiólogos e assistentes sociais) para a rede municipal de inclusão, substituindo cargos técnicos de carreira. O Simpa classificou a medida como “um ataque ao serviço público e à continuidade pedagógica”, alertando para a rotatividade elevada e o rebaixamento salarial dos terceirizados [⁹].
Os efeitos se acumulam. Dados oficiais da Prefeitura indicam que o número de servidores efetivos de carreira (CPE) caiu de 16.704 em 2010 para 12.202 em 2024, segundo os relatórios Quadro Síntese – Servidores Municipais (verificar) [¹⁰]. A participação dos concursados no total de ativos despencou de 95% para menos de 90% no período.
Ao mesmo tempo, multiplicam-se vínculos temporários, celetistas e cargos comissionados. O serviço público municipal passa a depender de contratos com organizações privadas para funcionar — transformando-se, gradualmente, em um campo de intermediação financeira onde empresas controlam setores estratégicos e movimentam licitações milionárias.
PRECARIZAÇÃO E CORRUPÇÃO
A precarização também abre espaço para corrupção. Em 2024, a Polícia Federal abriu inquérito para investigar possível desvio de R$ 173 milhões na gestão do Hospital da Restinga, administrado pela Associação Hospitalar Vila Nova (AHVN) desde 2018. O caso envolve despesas sem comprovação, pagamentos indevidos e irregularidades administrativas — um retrato do risco de transformar a saúde pública em fonte de lucro privado [¹¹].
As irregularidades não se restringem à Saúde. A Polícia Civil deflagrou, em 2024, a operação Capa Dura, investigando fraudes em licitações da Secretaria Municipal de Educação. A ex-secretária Sônia da Rosa foi presa em janeiro de 2024, acusada de participação em um esquema que desviou mais de R$ 100 milhões. Em maio de 2025, 24 pessoas — incluindo ex-secretários e ex-vereadores — foram indiciadas [¹²].
Além disso, Porto Alegre testemunhou a entrega de dois de seus principais bens públicos. Em outubro de 2023, a empresa centenária Carris foi vendida por R$ 109,9 milhões, com concessão de 20 linhas por vinte anos — medida criticada por sindicatos e especialistas [¹³].
Paralelamente, tramita na Câmara o PLE 028/25, que autoriza a concessão ou privatização parcial do DMAE. Movimentos alertam que transformar água e saneamento em mercadoria significa aprofundar desigualdades e fragilizar direitos fundamentais [¹⁴].
Enquanto isso, servidores municipais denunciam perdas salariais acumuladas. A greve de 12 dias (abril de 2025) não sensibilizou o governo Melo, que alega “falta de recursos”. Em 6 de novembro de 2025, Simpa, Astec, Ashps e Atempa protocolaram emenda popular à LOA exigindo previsão de recomposição de 34,90% das perdas inflacionárias desde 2016 (verificar) [¹⁵].
Se aprovada, a emenda garantirá reajuste anual e recomposição dos índices acumulados. Mas a aprovação é improvável, já que o governo mantém maioria na Câmara.
Em um planeta em que tudo se mede em valor de mercado, defender o público é defender a civilização. É nesse espírito — e com obstinada esperança — que seguimos denunciando o desmonte, registrando a memória e lutando pelo futuro. *Alexandre Costa é responsável pelo www.esquinademocratica.com.br
REFERÊNCIAS
[1] Bresser-Pereira, L.C. A Reforma do Estado nos anos 1990.
[2] IPEA – Atlas do Estado Brasileiro.
[3] Brasil de Fato RS (07/02/2025): https://www.brasildefato.com.br/2025/02/09/precarizacao-na-saude-95-da-atencao-basica-em-porto-alegre-e-terceirizada
[4] Diário Gaúcho (27/06/2022) — verificar link e matéria completa.
[5] Matinal Jornalismo (04/12/2024): https://www.matinaljornalismo.com.br
[6] CMS-POA — Relatórios de financiamento do SUS — verificar série histórica.
[7] Simpa (2023): notas e comunicados oficiais.
[8] Matinal Jornalismo (28/05/2024): https://www.matinaljornalismo.com.br
[9] Simpa (2023): denúncia sobre terceirização na educação.
[10] Portal da Transparência – Relatórios “Quadro Síntese” 2010–2024 — verificar.
[11] G1 RS, 17/10/2024 — caso AHVN.
[12] G1 RS, 17/05/2025 — Operação Capa Dura.
[13] CUT RS (03/10/2023): venda da Carris.
[14] CUT RS (08/10/2025): PLE 028/25 e risco de privatização do DMAE.
[15] Simpa (07/11/2025): emenda popular à LOA — verificar porcentagem exata.
Após a apresentação do preâmbulo Porto Alegre: laboratório da terceirização, ao qual nos referimos como um dos mais “eficientes” projetos de precarização do Estado, você terá acesso à parte I do ESPECIAL: A PRECARIZAÇÃO COMO PROJETO POLÍTICO DE PODER
Parte III:
Parte IV:
Parte V:
Epílogo:
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