CONCLUSÃO — O TEMPO DE EXU E O BRASIL QUE AINDA PRECISA NASCER
- Alexandre Costa

- há 1 dia
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por Alexandre Costa | jornalista
O Brasil gosta de acreditar que a história da escravidão ficou no passado. Que o país se libertou de seus demônios quando assinou a Lei Áurea. Que o racismo é exceção. Que a desigualdade se deve a “fatores sociais” abstratos, nunca à cor da pele.
Mas nada disso é verdade.
A escravidão durou mais de 320 anos. A abolição sem reparação tem apenas 137.E a distância entre esses dois períodos ainda governa a vida dos brasileiros.
O que chamamos de presente é, na verdade, o passado que não terminou.
É por isso que os números persistem: as prisões cheias de jovens negros, as favelas sempre de um lado da cidade, a morte precoce, a renda desigual, a violência policial, a falta de acesso à educação, o apagamento na política, a demonização das religiões negras, a invisibilidade cotidiana.
Essas desigualdades não nasceram do nada. Elas foram plantadas — e continuam sendo regadas.
Ao longo deste especial, vimos que o Brasil só existe porque o povo negro inventou formas de sobreviver àquilo que o país projetou para destruí-lo. Nos quilombos, nos terreiros, nos tambores, na música, na palavra, na arte, na magia cotidiana de existir apesar do impossível.
E aqui o provérbio ilumina tudo:
“Exu matou um pássaro ontem com a pedra que só jogou hoje.”
Esse ensinamento não é metáfora. É diagnóstico.
Significa que o tempo não é linear. Que nada se apaga só porque foi esquecido. Que o passado retorna quando não é reparado. Que o futuro depende do que fazemos — e do que recusamos a fazer.
O Brasil, para se tornar um país justo, precisa finalmente entrar em acordo com os séculos que tentou negar.
Precisa reconhecer:
• que deve ao povo negro o trabalho, o território, a cultura e a inteligência
• que deve ao povo negro políticas públicas reais, não gestos simbólicos
• que deve ao povo negro reparação, memória, verdade e justiça
• que deve ao povo negro o direito de existir plenamente, sem ser caçado ou silenciado
Mas, acima de tudo, precisa admitir que o futuro só é possível se o país enfrentar seu passado.
Não bastam acertos pontuais, homenagens isoladas ou discursos oficiais. É preciso reconstruir, reescrever, reequilibrar o que foi vergonhosamente desfeito.
A homenagem da Ufrgs a Emicida, o reconhecimento de Oliveira Silveira, a presença crescente nas universidades, a força das comunidades quilombolas, o movimento das periferias, a arte negra que hoje pauta o país — tudo isso mostra que uma rachadura se abriu no cimento do silêncio.
O Brasil que virá depende do tamanho dessa rachadura. Do quanto ela conseguirá iluminar. Do quanto ela conseguirá transformar.
Porque, se o país ainda não entendeu, Exu já ensinou:
O que não é reparado retorna. O que não é resolvido repete. O que não é lembrado cobra. O que não é enfrentado se torna destino.
E o destino do Brasil não precisa repetir a sua tragédia. Pode finalmente inaugurar seu futuro.
Mas isso só acontece quando o país olha para sua história sem medo. E decide, pela primeira vez, fazer diferente.








