CAPÍTULO 3 - O MAPA DA DESIGUALDADE RACIAL: UM PAÍS PARTIDO PELA COR
- Alexandre Costa

- há 9 horas
- 4 min de leitura

por Alexandre Costa | jornalista
O Brasil é a maior nação negra fora da África. Ainda assim, é também o país onde ser negro significa viver menos, ganhar menos, estudar menos, sofrer mais violência e ter menos acesso à justiça. As estatísticas não deixam margem para interpretações inocentes: a desigualdade brasileira tem nome, tem cor e tem endereço.
O que os dados mostram é devastador, mas necessário. Este capítulo revela o mapa da desigualdade racial no país — e mostra por que o Rio Grande do Sul, apesar de ser o estado mais branco do Brasil, é um dos territórios onde essa desigualdade se manifesta com mais força.
BRASIL: A MAIOR POPULAÇÃO NEGRA FORA DA ÁFRICA
Segundo o Censo 2022, 55,5% dos brasileiros são negros (pretos + pardos).Em números absolutos, são mais de 112 milhões de pessoas — maior que toda a população de muitos países. Mas esse protagonismo demográfico é acompanhado por uma exclusão sistemática:
• negros morrem mais
• negros são presos mais
• negros estudam menos
• negros ganham menos
• negros têm menos acesso à saúde
• negros vivem em territórios mais precários
O Brasil vive sob o mito de que é uma democracia racial. Os números, porém, contam outra história.
RENDA: BRANCOS GANHAM 64% MAIS
A PNAD Contínua mostra que:
• um trabalhador branco ganha, em média, até 64% mais que um trabalhador negro
• mulheres negras têm a menor renda do país
• negros são maioria em trabalhos informais, precários e de baixa remuneração
O salário é um espelho direto da herança escravocrata. O mercado de trabalho ainda organiza funções a partir da lógica colonial: quem comanda é branco; quem serve é negro.
EDUCAÇÃO: O ACESSO CHEGA, MAS A DESIGUALDADE RESISTE
Ensino Superior (Brasil)
• 25,8% dos brancos têm diploma universitário
• apenas 12,3% dos pardos e 11,7% dos pretos chegam lá
O avanço das cotas a partir de 2012 mudou o cenário: pela primeira vez, negros passaram a ocupar metade das vagas nas universidades públicas.
Ensino Superior (RS — Ufrgs)
• antes das cotas: menos de 8% de estudantes negros
• depois das cotas: aproximadamente 27%
A diferença é gigantesca — e mostra a importância das políticas públicas de reparação.
VIOLÊNCIA: O ESTADO MATA MAIS QUEM É NEGRO
O Atlas da Violência revela:
• 76,5% das vítimas de homicídio no Brasil são negras
• jovens negros têm quase 3 vezes mais chances de serem assassinados
• a letalidade policial atinge majoritariamente homens negros
No Brasil, a cor da pele define o risco de morte.
PRISÕES: O NEGRO É O ALVO PREFERENCIAL DO CARCERE
Segundo SENAPPEN:
• quase 70% da população carcerária do Brasil é negra
A criminalização do negro é um processo contínuo que começou com a abolição sem reparação. A escravidão terminou, mas a vigilância permanente continuou.
SAÚDE: A VIDA NEGRA VALE MENOS
• mulheres negras morrem até duas vezes mais por causas relacionadas à gravidez
• negros têm menos acesso a exames preventivos
• a mortalidade precoce é maior entre jovens negros
O racismo também é um problema de saúde pública.
TERRITÓRIO: O CEP É UM DESTINO IMPOSTO
O Brasil é geograficamente segregado. E Porto Alegre é um dos exemplos mais explícitos dessa divisão:
Bairros brancos
• Moinhos de Vento• Bela Vista• Petrópolis• Mont’Serrat• Três Figueiras
Bairros negros
• Restinga
• Bom Jesus
• Mario Quintana
Rubem Berta
• Lomba do Pinheiro
O mapa racial de Porto Alegre é o mapa de sua desigualdade. O mesmo padrão se repete no país inteiro: centros e zonas nobres brancos; periferias e favelas negras.
RIO GRANDE DO SUL: O ESTADO MAIS BRANCO E, AO MESMO TEMPO, UM DOS MAIS DESIGUAIS
Dados essenciais
• população negra: 21,4%
• brancos: 78,4%
• população prisional negra: entre 65% e 70%
• risco de morte de jovens negros: 3 a 4 vezes maior
• renda negra: 40% menor
• presença negra na universidade: cresce apenas com cotas
A geografia da exclusão gaúcha não é acidental. É o resultado de três séculos de escravização e de mais de um século de políticas de embranquecimento, apagamento cultural e segregação urbana.
O Sul não está fora da história brasileira da desigualdade. O Sul é a história — apenas mais silenciada.
POR QUE OS NÚMEROS IMPORTAM
Os dados não estão aqui para explicar o óbvio. Estão para desmontar o mito que sustentou o país por décadas: a ideia de que somos um povo miscigenado, cordial, sem conflitos raciais profundos.
As planilhas mostram que:
• não existe desigualdade sem raça
• não existe violência urbana sem raça
• não existe pobreza sem raça
• não existe exclusão educacional sem raça
E, ao mesmo tempo:
• cada política pública que avança reduz desigualdade racial
• cotas funcionam
• programas sociais funcionam
• presença negra em universidades transforma o país
• narrativas negras reescrevem a história
Os números mostram o tamanho da ferida — mas também mostram onde começa a cura.
ENTRE O PASSADO E O FUTURO
Quando olhamos para o mapa da desigualdade racial no Brasil, percebemos que não é apenas um mapa social. É um mapa histórico. A escravidão durou mais de 320 anos. A abolição sem reparação completa 137. O país viveu muito mais tempo produzindo racismo do que combatendo suas consequências.
E é por isso que, para enfrentar o presente, é preciso antes entender o passado e reconhecer quem sempre sustentou este país: o povo negro.
No próximo capítulo, vamos ao coração da resistência, das expressões culturais e da espiritualidade — os lugares onde o Brasil negro criou cura, sentido e sobrevivência.
Alexandre Costa é responsável pelo www.esquinademocratica.com.br
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