PARTE I - DE COLLOR A FHC: ATAQUE AO FUNCIONALISMO E A CARICATURA DO ESTADO MÍNIMO
- Alexandre Costa

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Atualizado: há 5 dias

por Alexandre Costa | jornalista*
O Brasil assiste, há três décadas, ao desmonte progressivo do Estado e à precarização dos serviços públicos. O que começou como um discurso de “modernização” e uma suposta promessa de eficiência transformou-se em política de Estado: de Collor a Bolsonaro, carreiras foram corroídas, orçamentos comprimidos e direitos desmontados [¹].
Após 21 anos de ditadura militar (1964–1985), a redemocratização e a Constituição de 1988 inauguraram um pacto civilizatório: saúde, educação e seguridade como direitos universais; servidor público como base do Estado republicano. Mas a reação neoliberal veio rápida. Em 1989, o país elegeu Fernando Collor de Mello, o primeiro presidente eleito após a ditadura.
Collor construiu sua imagem pública com o slogan do “caçador de marajás”, retomando expressão usada por ele ainda como governador de Alagoas. O termo — de origem no sânscrito maha (grande) + raja (rei) — serviu como arma retórica para demonizar o servidor e associá-lo a privilégios, corrupção e ineficiência [²].
O CICLO NEOLIBERAL DOS ANOS 1990
Nos anos 1990, Fernando Henrique Cardoso aprofundou esse projeto. O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (1995), elaborado por Bresser-Pereira, e a Emenda Constitucional nº 19 (1998) introduziram:
“gestão por eficiência”;
flexibilização de vínculos;
OSS e entidades privadas assumindo funções antes públicas;
contratos de gestão e terceirização generalizada [³].
As Organizações Sociais (OSs), regulamentadas pela Lei nº 9.637/1998, tornaram-se centros de experimentação da desestatização: pessoas jurídicas de direito privado, contratadas para executar serviços essenciais — saúde, educação, cultura — com flexibilidade total de contratação de pessoal e de compras [⁴]. A promessa era agilidade. O resultado, porém, foi precarização estrutural e perda de capacidade do Estado.
OS NÚMEROS DA PRECARIZAÇÃO (2012–2023)
O avanço das contratações temporárias e terceirizadas ilustra o processo.
Segundo estudos do IPEA, o número de servidores sem vínculo (“temporários”, “terceirizados”, “sem vínculo permanente”) cresceu de forma contínua entre 2012 e 2021 [⁵].
Em alguns recortes estaduais, houve salto de 266 mil para 445 mil servidores temporários entre 2017 e 2021 — aumento de 67% (verificar unidade federativa específica) [⁶].
Nas prefeituras, a CUT identificou aumento de 52,5% nos vínculos temporários entre 2013 e 2023 [⁷].
Hoje, “quase um em cada cinco vínculos municipais é precário”, segundo a entidade [⁸].
O IBGE/PNAD e o Ipea (2024) confirmam essa tendência:📌 crescimento de 67% no número de temporários no serviço público estadual entre 2017 e 2021,📌 52,5% nas prefeituras entre 2013 e 2023,📌 1/5 dos vínculos municipais classificados como precários [⁹].
Esses dados foram reproduzidos por sindicatos (Sinjutra, Fesmepar, CUT) e por portais de análise do trabalho no setor público.
AUSTERIDADE, TETO E QUEDA DOS INVESTIMENTOS
Em paralelo, houve queda contínua dos investimentos públicos.
A EC 95/2016, aprovada no governo Temer, congelou por 20 anos o crescimento real das despesas sociais — saúde, educação, assistência. O Conselho Nacional de Saúde estima que o SUS perdeu cerca de R$ 20 bilhões em 2019, apenas no terceiro ano de vigência da medida (verificar valor exato do CNS 2020) [¹⁰].
Estudo da Fiocruz / Saúde Amanhã aponta que políticas de austeridade e o teto de gastos podem resultar, até 2030, em dezenas de milhares de mortes evitáveis por redução da cobertura da Atenção Primária e do Bolsa Família [¹¹].
Na educação, segundo notas da Andifes e reitores, o orçamento discricionário das universidades federais caiu de maneira contínua desde 2015, criando um déficit acumulado estimado em R$ 2,8 bilhões em 2023–2024 (verificar valor consolidado) [¹²].
SALÁRIOS CORROÍDOS E CARRERIAS PARADAS
A precarização também se expressa no salário e na desvalorização da carreira pública.
Estudo do Dieese, encomendado pelo ANDES-SN, indica que servidores federais acumularam entre 2016 e 2023 perdas de 23% a 34% de poder de compra, dependendo da carreira [¹³]. Segundo a CUT, a perda média desde 2017 se aproxima de 30% [¹⁴].
As carreiras foram congeladas em muitos estados e municípios. Concursos deixaram de ser realizados. Faltam médicos, enfermeiros, professores, técnicos, agentes de saúde, peritos, fiscais. Sobram contratos precários.
O NOVO MARCO DO SANEAMENTO (2020)
A aprovação do Marco Legal do Saneamento (Lei 14.026/2020) favoreceu conglomerados privados e restringiu a atuação de companhias públicas estaduais e municipais. Cinco anos depois, a promessa de universalização não se concretizou, segundo estudos recentes do Ipea (2025) [¹⁵].
DE “EFICIÊNCIA” À DEMOLIÇÃO DO ESTADO
O que foi vendido como eficiência transformou-se em desmonte institucional: hospitais operando no limite, escolas sem estrutura, universidades estranguladas, serviços essenciais reduzidos à capacidade mínima — enquanto empresas privadas, OSs e fundações capturam fatias crescentes do orçamento por meio de convênios, concessões e privatizações.
A caricatura do “marajá” cedeu lugar a uma realidade mais dura: o empobrecimento do Estado brasileiro e a precarização das políticas públicas. Alexandre Costa é responsável pelo www.esquinademocratica.com.br
REFERÊNCIAS – PARTE I
[1] Bresser-Pereira, L.C. – Reforma do Estado, anos 1990. [2] Histórico de campanha de Fernando Collor – acervo Folha / CNJ / CPDOC FGV. 3] Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (1995). [4] Lei nº 9.637/1998 – Organizações Sociais. [5] IPEA (2023) – A Evolução dos Servidores sem Vínculo no Emprego Público no Brasil entre 1992 e 2021. [6] IPEA – dados sobre temporários nos estados (verificar p. 23). [7] CUT (2024) – estudo sobre vínculos precários nas prefeituras. [8] CUT – “quase um em cada cinco vínculos é precário”. [9] IBGE / PNAD – séries sobre vínculos temporários e terceirização. [10] CNS (2020) – Nota técnica sobre EC 95 e perdas no SUS. [11] Fiocruz / Saúde Amanhã – estimativas de mortes evitáveis com austeridade. [12] Andifes (2023–2024) – Notas orçamentárias; déficit de R$ 2,8 bi. [13] DIEESE / ANDES-SN – estudo salarial 2016–2023. [14] CUT – perdas salariais médias desde 2017. 15] Ipea (2025) – balanço dos efeitos da Lei 14.026/2020.
O que se vendeu como “eficiência” resultou em desmonte institucional. Hospitais, escolas e universidades funcionam no limite, enquanto empresas privadas e organizações sociais disputam fatias crescentes dos cofres públicos por meio das chamadas parcerias, concessões e privatizações. Ao contrário da cartilha do Estado mínimo, o novo governo apostou na reconstrução do setor público, na valorização do servidor e no uso do Estado como motor do desenvolvimento e da inclusão social. Leia a Parte II do ESPECIAL: A PRECARIZAÇÃO COMO PROJETO POLÍTICO DE PODER
Parte III: O GOLPE ABRIU AS PORTAS PARA O ESTADO MÍNIMO E AS POLÍTICAS DE DESMANTELAMENTO DA MAQUINA PÚBLICA
Epílogo: SEM ESTADO, NÃO HÁ NAÇÃO
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