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SERVINDO O CARRASCO: O QUE LEVA UMA PESSOA A SERVIR O SEU OPRESSOR E EXPLORADOR?

por Manoel Brum (*)

Por que a população de um País serve e justifica as ações maléficas de seu opressor e explorador? Tento entender este fenômeno que contraria a lógica da sobrevivência e busco orientação dos pensadores e filósofos que estudaram o assunto. O jovem Étienne de La Boétie (1530-1563) escreveu no século XVI o “Discurso sobre a Servidão Voluntaria”


“Tão logo um rei faça-se tirano, todos os perversos, toda a escória do reino aglomera-se a sua volta e o apoia para garantir seu quinhão no butim e exercer, sob o grande tirano, a própria tirania”.

Étienne de La Boétie, Discurso da Servidão Voluntária.


É importante saber que o discurso também coloca a solução para libertar-se da tirania, escravidão, ditadura ou servidão. De maneira simples e direta: não servir e não fazer nada para manter e alimentar o ser humano que escraviza ou até a própria organização montada para manter o domínio e servidão. Não colaborar com o sistema opressor, nos remete a desobediência civil.


Na história da humanidade temos muitos exemplos de desobediência civil. O Indiano Mahatma Gandhi usou esta estratégia para obrigar o império inglês a sair da Índia, que deixou de ser colônia da Inglaterra. Uma das ações foi a marcha para garantir que o sal produzido na Índia não fosse exportado para Inglaterra rendendo lucros para os colonizadores. Gandhi iniciou uma marcha na direção das salinas, que foi crescendo em número de pessoas até nos locais de coleta do sal. Apesar da violência que foram submetidos não recuaram e nem reagiram com a mesma violência. E assim, após árduas lutas, a Índia se libertou do jugo da Inglaterra. Gandhi pregava a não violência e realizou greves de fome para sensibilizar a população indiana e contrapor à exploração do Império da Inglaterra.


Antônio Conselheiro organizou uma comunidade no sertão de Canudos na Bahia. Reuniu a população que vivia em estado de miserabilidade devido à exploração dos coronéis, fazendeiros latifundiários, que dominavam e, em muitos locais, ainda exploram a população nordestina. A comunidade prosperou e cresceu permitindo ao povo ter uma vida digna. O governo, na época, reagiu com violência, respaldado pelos coronéis do nordeste e pela igreja. Apesar da precariedade de armas, a comunidade resistiu e derrotou o exército brasileiro em três batalhas. Sim, foi recrutado o exército para eliminar os brasileiros que ansiavam por libertar-se do regime de exploração em que viviam. Em novembro de 1896, teve início a guerra com a primeira expedição do exército, com 120 homens que foram derrotados. No final de novembro, seguiu a segunda expedição, com o dobro de soldados, que também foram derrotados. A terceira expedição contava com 1.300 homens e canhões krupp. Novamente foram derrotados pelos sertanejos do Belo Monte. A quarta expedição contou com cerca de 12 mil soldados, metade de todo o exército brasileiro na época. No dia 5 de outubro de 1897, os últimos moradores rendidos foram massacrados, degolados e a cidade foi arrasada com dinamite e fogo.


O Pastor Martin Luther King, nos Estados Unidos, rebelou-se contra o racismo e o tratamento degradante que os negros americanos sofriam. Um exemplo desta luta foi o boicote realizado contra a segregação nos ônibus sofrida pelos negros, que eram obrigados a ficar nos bancos traseiros dos veículos e levantar para dar lugar aos passageiros brancos, quando não havia lugar. O boicote foi iniciado pela Sra. Rosa Parks que, em 1º de dezembro de 1955, se recusou a obedecer a lei segregacionista, sendo presa e condenada. Os negros organizaram um boicote que durou cerca de um ano e a lei foi mudada. A luta pela liberdade e resistência contra a opressão e pela liberdade tem sido uma constante da humanidade.


Poderia enumerar centenas de movimentos populares na busca da liberdade em todo mundo, como Quilombos, no Brasil; Mandela, na África do Sul; e Haiti, com a revolta dos escravos; Spartacus, em Roma, Revolução Francesa; povos originários da América, como os Sioux, nos Estados Unidos; Guaranis, no Brasil e povos da Amazônia; e guerra civil na Espanha. Enfim, a lista é enorme.


Temos muitos exemplos de resistência e luta por liberdade contra sistemas organizados para manter os privilégios de poucos sobre a maioria.


Os mecanismos mais usados para manter o controle sobre um grupo são os religiosos, culturais, legais (promulgação de leis tolhendo a liberdade), tecnológicos (mídias sociais, fakes) e pela força das armas. Nos últimos séculos, o maior predador do ser humano é o próprio homem. As guerras e a escravidão são uma constante.


O ditador também se mantém criando um inimigo. Divulga para população, por meio de mentiras e propagandas bem elaboradas, que todos devem combater este “ser” sinistro e terrível que coloca em risco toda a população. Este truque ou argumento funcionou, por exemplo, no nazismo que perseguiu judeus, ciganos e comunistas. Funcionou na idade média com a igreja católica queimando os hereges e as bruxas. Funcionou nas ditaduras da América Latina perseguindo, torturando e matando milhares de pessoas, com o argumento de serem comunistas.


A justiça, quando fica a serviço do ditador, busca legalizar a perseguição aos que pensam diferente ou criticam o sistema opressor. E para atingir os seus propósitos cria falsos processos de julgamentos, onde os fatos e a verdade são omitidos, dando lugar às ameaças e torturas, às testemunhas e aos acusados de supostos crimes. Assim muitas injustiças e crimes são cometidos em nome da justiça.


As religiões em muitas ocasiões foram e são usadas para fortalecer as ditaduras. Prometendo milagres àqueles que se submeterem ao ditador e à ordem vigente, além de garantir uma vida eterna de felicidade no paraíso. Assim muitos suportam a exploração e miséria porque são pecadores e merecem ser punidos nesta vida. E muitos cometem crimes e odeiam em nome de Deus.


O crescente desenvolvimento da tecnologia da informação propiciou grandes benefícios para humanidade. Computadores e celulares tornaram-se um acessório indispensável. No entanto, é necessário ficarmos atentos para a utilização dos algoritmos no controle e manipulação da população.


O Estado está representado pelo executivo, legislativo e judiciário, que dispõe de recursos financeiros e cargos remunerados, podendo ser negociados por quem está no poder. Esta complexa organização serve de moeda de troca para manter um grupo de pessoas a serviço do Rei, primeiro ministro ou presidente. Desde modo é criada uma rede de pessoas que crescem de forma geométrica, servindo as ordens que vem de cima. Quando a população não participa diretamente das decisões e também não fiscaliza as ações do Estado, corremos o risco de perder a liberdade sob o jugo desta rede de poder.


A estrutura de poder no Brasil, alicerçada na escravidão de índios e negros, aprimorada por meio de leis e burocracia estatal, continua gerando miséria e sofrimento ao povo brasileiro.


O Estado e toda sua estrutura têm o dever de servir a população e socorrer o cidadão em seus momentos de necessidade e fragilidade nas questões como saúde, segurança, educação e aposentadoria.


Hoje, vivemos com medo da violência, de doenças, do desemprego e da fome. Sim, milhares de brasileiros passam fome e não têm onde morar. Milhões estão desempregados e dependem de esmolas para sobreviver.


Vamos imaginar um diálogo com uma pessoa que não conhece o Brasil e nem o povo brasileiro. Relatamos que milhares de pessoas comem restos coletados no lixo e muitos passam fome. Que milhões não têm casas para morar, vivem nas ruas ou áreas de risco. Que estamos morrendo de covid19 por falta de vacinas e vagas nos hospitais. Que uma minoria concentra o poder e a riqueza gerada pelo trabalho de 200 milhões de brasileiros. Que negros, mulheres, índios e pobres morrem diariamente assassinadas.


A pessoa que não conhece o Brasil e não sabe a extensão e as riquezas naturais de nosso território, imagina que vivemos em um lugar sem recursos suficientes para alimentar e abrigar a todos. Relatamos sobre as características do território do nosso país, com abundância de água, enorme extensão de terra, com florestas e áreas próprias para agricultura, recursos minerais e um clima ameno. Então a pessoa responde que não consegue entender como um país com todas estas riquezas naturais pode ter uma população tão pobre e sofrida. O que você diria para esta pessoa para explicar tantas mortes e miséria?


E eu pergunto a todos os brasileiros o que vamos fazer para sair desta prisão criada ao longo dos séculos para violentar e explorar a população. Estamos morrendo de doenças, fome, exploração e violência.


A estrutura do Estado e seus burocratas são mantidos com os impostos pagos pela população. Quase a metade dos recursos arrecadados pelos impostos no Brasil são destinados para pagar juros aos bancos referentes à dívida pública e os rentistas e banqueiros ficam com o dinheiro que deveria ser destinado a população. Dívida que deveria ser contestada e auditada e que não deveria ser paga. Enquanto pagamos impostos sobre tudo que consumimos, os bilionários que vivem de rendimentos de ações, não pagam impostos sobre estes rendimentos. O que explica em parte o aumento da fortuna dos bilionários na pandemia.


As leis não devem ser criadas para manter e consolidar os privilégios e a estrutura que oprime e explora a população. Infelizmente no Brasil as leis e a justiça privilegiam os mais ricos. As estatísticas demonstram esta realidade: as prisões estão lotadas de negros e pobres, as balas perdidas furam somente os corpos dos moradores de favelas. As grandes corporações quando cometem crimes, tais como o rompimento da represa em Brumadinho (MG), de responsabilidade da Samarco, acionam uma equipe composta com os melhores advogados. No fim, negociam indenizações que não recuperam os danos causados ao meio ambiente e nem a morte de pessoas. Nenhum presidente ou diretor destas corporações é punido pela lei. Eles estão escondidos em um emaranhado de corporações, um labirinto que não permite encontrar o responsável ou dono da empresa.


O judiciário brasileiro também criou uma estrutura que não condiz com as condições precárias do povo. Privilégios, pompas e decisões que defendem o sistema de exploração são corriqueiros. Ainda vale o ditado: “prisão é para ladrão de galinha”.


O exército e a polícia militar servem mais para manter a estrutura de poder que concentra riqueza do que defender o país de agressões externas. Estamos sempre na eminencia de uma ruptura da democracia no Brasil.


Liberar e facilitar a aquisição de armas para a população, com o falso argumento de aumentar a segurança do cidadão frente a criminalidade, na verdade irá gerar mais violência e mortes. O estado tem o dever de manter a segurança, colocar armas nas mãos da população é um risco muito grande e no futuro pode gerar conflitos sangrentos entre os brasileiros.


A democracia deve ser exercida pela população e como diz a nossa constituição, “todo poder emana do povo”. Mas não é o que acontece na pratica, neste sistema montado para perpetuar a exploração do povo. Urge mudar a estrutura política e as ações de nossos representantes, que na sua maioria não representam mais os interesses da população. O sistema montado não permite isto. Comprar votos por meio de emendas parlamentares ou defender grupos econômicos não representa a vontade da população.


Precisamos rever a maneira de fazer política, entender a necessidade de participar e agir de forma coletiva para o bem da comunidade. Política não deve ser entendida e usada para obter privilégios e oprimir a sociedade.


“A política, segundo se diz, é absolutamente necessária à vida humana, não apenas da sociedade, mas também do indivíduo. Como o homem não é autossuficiente, mas é dependente de outros para sua existência, são necessários provimentos que afetam a vida de todos e sem os quais a vida comum seria impossível. A tarefa, a finalidade última, da política é salvaguardar a vida em seu sentido mais amplo.” - Hannah Arendt, A Promessa da Política.


No Brasil, a política foi deturpada e demonizada, o atual presidente foi eleito por meio de truques e mentiras nas mídias sociais e o candidato que tinha a preferência dos brasileiros foi preso, alvo de um processo judicial forjado e com acusações sem apresentação de provas. O estrago contra a democracia foi grande. O povo está passando fome e morrendo de covid-19.

Não podemos aceitar como natural este modo de vida. Não podemos nos acostumar a viver com medo e sem esperança de um futuro melhor para nossos filhos e netos.


Para isto, precisamos primeiro nos libertar dos preconceitos, ódios, consumismo e egoísmo que nos inculcaram ao longo de 500 anos. Precisamos trabalhar em cooperação e parar de produzir para aumentar a riqueza dos cerca de cinco por cento que possuem bilhões. A solidariedade, cooperação e respeito a toda manifestação de vida devem nortear as nossas ações.


Não desanimar e manter a esperança é essencial. Devemos agir de forma individual e coletiva para retomar o caminho de um Brasil civilizado. Não sabe o que fazer? Então plante uma árvore, vote nas próximas eleições em pessoas honestas e comprometidas com a sociedade, participe de uma cooperativa, organize uma associação em seu bairro, participe de um sindicato, organize candidaturas de coletivos, defenda a ciência, consuma produtos orgânicos e que não agridam o meio ambiente. Enfim, seja você um exemplo de cidadão.


Acredito que é possível mudar para melhor o nosso país, temos exemplos positivos que podemos seguir e também criar alternativas. Existem muitos projetos coletivos e democráticos que estão dando certo em nosso país, por meio de associações, cooperativas, coletivos de mulheres e comunidades tradicionais. Quando o povo se une e trabalha em cooperação o resultado é promissor e traz dignidade para todos. Por que temos que sustentar um sistema que explora a população e cria mecanismos para reforçar os privilégios dos detentores do poder.


Associações, sindicatos, cooperativas e todas as organizações democráticas têm obrigação de se manifestar e propor uma nova ordem para o Brasil. O povo precisa tomar as rédeas deste país, pois estamos caminhando para o caos. Ficar parado, escondido ou fingir que está tudo bem não irá garantir a sobrevivência de ninguém. O momento exige mais união, o egoísmo e individualidade não têm mais espaço em nossa sociedade. É uma questão de sobrevivência.


(*) Manoel Brum é diretor-presidente da CredCorreios.

28/02/2021 – 13/03/2021



 
 
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