POR UMA NOVA UTOPIA: É HORA DE AGIR E SONHAR, POR MAURI CRUZ*
- Alexandre Costa

- 26 de ago.
- 3 min de leitura

Só é possível compreender um momento histórico depois que ele se encerra. A afirmação de Antônio Gramsci nos ensina que os fenômenos não se revelam em sua totalidade enquanto acontecem. É o paradoxo do mundo no momento. Sabemos que estão ocorrendo mudanças profundas, mas temos dificuldades de compreendê-las. Reconhecemos que a revolução tecnológica alterou nosso modo de vida, elevando a enésima potência a dimensão do individualismo, que a ideia de crescimento infinito é a prática de empresas e governos, que a crise climática já impõe restrições severas à existência da vida no Planeta e que as democracias estão em risco, com o aumento das guerras, da violência e dos grupos extremistas de direita.
Esse caos alimenta um sentimento de desilusão. Está difícil enxergar saídas. Apesar disso, intelectuais como Naomi Klein enxergam essa situação como mais uma crise cíclica do capitalismo, caracterizada pela substituição dos Estados nacionais por Estados corporativos, liderados e controlados pelas big techs. Um exemplo recente é o Brexit e a presença de Elon Musk à frente do Governo Trump, o que nos faz concluir que, sem regulação das mídias digitais, não haverá eleições livres de interferência direta dos donos das redes sociais.
Outro sinal dessas mudanças são os conflitos diretos entre as big techs e os demais oligopólios internacionais, em especial os setores de extração de minérios, energia, alimentos e petróleo. Esses conflitos explicam as elevadas taxas aplicadas pelo Governo Trump contra dezenas de países, medidas que visam desorganizar o mercado internacional. Assim, a globalização neoliberal está sendo moldada pelas gigantes da tecnologia, pela indústria da guerra e pelo capital financeiro, tendo nos BRICS alguma resistência.
David Harvey interpreta essa crise como profunda, com possibilidade de representar o fim do capitalismo tal como o conhecemos. Para Yanis Varoufakis, emerge um novo sistema: o tecnofeudalismo, com a inteligência artificial no comando, organizando a vida e explorando diretamente os seres humanos. O novo bloco histórico reúne alta tecnologia, indústria da guerra e sistema financeiro, controlando os comuns – ar, água, territórios, alimentos, democracia, saúde, educação.
A extrema-direita cresce, sustentada por uma ideologia da exclusão, da violência e da negação de direitos. A classe trabalhadora mudou, fragmentada em micro identidades e capturada pela ideia de empreendedorismo individual. Nesse contexto, a esquerda abandonou o projeto de superação do capital e se limitou à defesa de democracias participativas dentro dos estados capitalistas. Como lembra Mark Fisher, a esquerda consegue imaginar o fim do mundo, mas não o fim do capitalismo.
Sem uma nova utopia classista, humanista, inclusiva, ambientalista, antipatriarcal, antirracista, não homofóbica, anticapacitista e antietarista, não haverá enfrentamento possível às transformações gestadas pela nova elite global. É preciso agir, porque a resistência é agora. E é preciso sonhar, porque só imaginando outro mundo possível poderemos mobilizar corações e mentes para construí-lo. *Mauri Cruz é advogado socioambiental, especialista em direitos humanos, professor de direito a cidade e mobilidade urbana, sócio-diretor da Usideias, Diretor Executivo do Instituto de Direitos Humanos – IDhES e membros do CAMP – Escola do Bem Viver. Publicado em 26 de agosto de 2025 no Le Monde Diplomatique Brasil Link para o artigo original: Le Monde Diplomatique Brasil
[1] GRAMSCI, Antônio. Cartas do Cárcere, Civilização Brasileira, São Paulo, 2005;
[2] KLEIN, Naomi. A ascensão do capitalismo da catástrofe. Companhia das Letras, São Paulo, 2009.
[3] Termo originada na língua inglesa, resultante da junção das palavras British (britânico) com a palavras Exit (saída), em referência a saída do Reino Unido da União Europeia.
[4] HARVEY, David. O enigma do capital e as crises do capitalismo. Boitempo, São Paulo, 2011.
[5] VAROUFAKIS, Yanis. Tecnofeudalismo: o que matou o capitalismo. Crítica, São Paulo, 2025.
[6] MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. Paz e Terra, São Paulo, 2006.
[7] GRAMSCI, Antônio. Cadernos do Cárcere. Civilização Brasileira, São Paulo, 1999.
[8] Mark Fisher é professor no Departamento de Cultura Visual da Universidade de Londres e responsável pelo blog k-punk; 📲 CURTA, COMPARTILHE, COLABORE E CONTRIBUA
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