CORTE DE 37% NO ORÇAMENTO DA SAÚDE DE PORTO ALEGRE EM 2026 SERVE PARA ABERTURA DE SUPLEMENTAÇÕES
- Alexandre Costa

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Atualizado: há 4 dias

por Alexandre Costa | jornalista
Porto Alegre está entre as capitais que menos investem em saúde. Recentemente, o Conselho Municipal de Saúde apontou para um método recorrente da gestão do prefeito Sebastião Melo. O projeto de lei orçamentária para 2026 apresenta um corte de 37,14% em relação ao valor solicitado pela própria secretaria [¹] — o que, segundo o relatório da Comissão de Orçamento e Finanças do Conselho Municipal de Saúde (COFIN/CMS/POA), transforma o PLOA em “peça de ficção” [²], dificultando a cobertura das despesas existentes e abrindo caminho para suplementações ao longo do ano.
O resultado desse padrão, adotado ano após ano, tem sido denunciado por entidades, que apontam para os efeitos do subfinanciamento combinado à terceirização e ao sucateamento: arrocho salarial, precarização das condições de trabalho, deterioração das estruturas físicas e instabilidade no atendimento.
PEÇA DE FICÇÃO
Segundo o parecer da COFIN, a Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre (SMS) solicitou um orçamento municipal de R$ 1.395.442.376,00 para 2026. Contudo, o valor encaminhado pela Prefeitura no PLOA foi de apenas R$ 1.097.053.377,00 [¹]. A COFIN destaca que tal redução compromete a capacidade de cobertura das despesas já existentes e depende de suplementações ao longo do ano, indicando um orçamento deliberadamente subdimensionado [²].
Em 2024, o valor orçado inicialmente para Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS) foi inferior ao que acabou sendo empenhado [³]. Em 2025, as suplementações foram ajustadas antes mesmo do encerramento do exercício [²].
Tal prática transforma o orçamento em mera formalidade:
O orçamento deixa de ser ferramenta de planejamento.
O centro político-administrativo passa a concentrar o poder sobre a saúde.
O controle social fica fragilizado.
PRECARIZAÇÃO EM NÚMEROS
Em 2024, Porto Alegre gastou R$ 790,21 por habitante, enquanto a média das capitais brasileiras foi de R$ 951,50 [⁴].
Quanto ao percentual da receita aplicada em saúde:
Porto Alegre: 20,08%
Municípios do RS: 21,72%
Municípios do Brasil: 23,08%
Capitais brasileiras: 22,50%
Esses dados evidenciam que a saúde não tem sido priorizada no orçamento [⁵].
IMPACTO DO SUCATEAMENTO
O relatório aponta:
A despesa com contratos de mão de obra terceirizada triplicou entre 2018 e 2024 [³].
As subvenções sociais a organizações privadas quase quintuplicaram no mesmo período [³].
A despesa com pessoal público ainda não retornou aos níveis de 2018 [³].
Segundo o parecer, essa política gera impacto direto na qualidade e estabilidade do atendimento, caracterizando o processo como “sucatear para privatizar” [³].
EMBATE JURÍDICO
A Lei Complementar 141/2012 determina autonomia financeira ao Fundo Municipal de Saúde (FMS).
Contudo:
O orçamento e as fontes de financiamento têm sido definidos pelo centro do governo, não pela SMS ou pelo FMS [³].
A alocação de despesas com inativos “infla” artificialmente o percentual de gastos com saúde [³].
O CMS precisou acionar a Justiça para assegurar conta corrente específica do FMS e garantir autonomia na gestão [³].
CONSEQUÊNCIAS
A combinação de subfinanciamento, terceirização e desvalorização do serviço público resulta em:
Porto Alegre entre as capitais que menos investem em saúde proporcionalmente, com média estimada de 19,3% nos últimos quatro anos [⁶].
Diminuição da capacidade de enfrentar emergências, enchentes e epidemias.
Maior dificuldade de acesso a consultas, exames, cirurgias e atendimento de urgência.
JOGO DE EMPURRA
A troca de acusações em torno de repasses financeiros e responsabilidades pela situação da saúde na capital gaúcha partiu de uma declaração do prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, em abril de 2025, durante um evento na Federasul. Na ocasião, Melo cobrou que o governo estadual assumisse a responsabilidade pelos atendimentos de média e alta complexidade na área da saúde, por recaírem de forma desproporcional sobre o município.
O governo estadual rebateu as declarações, afirmando que cumpre todos os repasses constitucionais obrigatórios. Para Eduardo Leite, a insuficiência de recursos decorre de decisões da Prefeitura, que subdimensiona o próprio orçamento e prioriza contratos e terceirizações com a iniciativa privada.
Enquanto Melo e Leite disputavam narrativas, o SUS de Porto Alegre afundava.
Foi necessário um acordo com o Ministério Público (MP-RS) para que o governo estadual assumisse o compromisso de aumentar gradualmente a aplicação mínima de 12% da receita líquida de impostos e transferências em ações e serviços públicos de saúde, conforme determina a Constituição Federal e a Lei Complementar 141/2012.
RISCO DE COLAPSO
Quando gestores empurram responsabilidades enquanto a população enfrenta filas, enchentes, surtos e desassistência, o que está em jogo não é uma peça orçamentária, e sim a vida das pessoas.
O futuro da saúde pública — e do próprio Brasil — dependerá de uma escolha coletiva: continuar privatizando a esperança ou reconstruir o comum.
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Alexandre Costa é responsável pelo www.esquinademocratica.com.br
REFERÊNCIAS
[1] COFIN/CMS-POA. Apontamentos sobre o PLOA 2026 – valores solicitados pela SMS e previstos pela Prefeitura. https://prefeitura.poa.br/sites/default/files/usu_doc/conselhos/cms/noticias/2025/11/12/APONTAMENTOS_COFIN%20_LOA_2026.pdf
[2] SUL21. Relatório do CMS aponta insuficiência de recursos para a Saúde no orçamento de Porto Alegre. https://sul21.com.br/noticias/saude/2025/11/relatorio-do-cms-aponta-insuficiencia-de-recursos-para-a-saude-no-orcamento-de-porto-alegre/
[3] COFIN/CMS-POA. Relatório Anual de Gestão 2024 e séries históricas 2018–2024.(Verificar dados específicos de terceirização e subvenções.)
[4] Prefeitura de Porto Alegre. Gasto por habitante em saúde – dados 2024.(Verificar link exato.)
[5] CMS-POA. Percentual de aplicação em Ações e Serviços Públicos de Saúde.https://prefeitura.poa.br/cms/noticias/lei-orcamentaria-anual-da-saude-uma-peca-de-ficcao-governo-melo-repete-anos-anteriores
[6] Estudo UFRGS + Sindisaúde/RS. Percentual do orçamento aplicado em saúde entre capitais brasileiras.








