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CAPÍTULO 2 — DE ALEIJADINHO A EMICIDA: A LINHA DE GENIALIDADE NEGRA QUE O BRASIL RECUSOU VER

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por Alexandre Costa | jornalista*


A história do Brasil negro não é apenas uma história de violência. É também uma história de genialidade interrompida, de talentos que surgiram apesar das grades visíveis e invisíveis. Da arte barroca de Aleijadinho ao rap de Emicida, passando pelos livros de Machado de Assis, pelas denúncias de Carolina Maria de Jesus, pela filosofia de Lélia Gonzalez e pela força atlética de Pelé, há um fio contínuo: a criação negra sempre existiu, mas raramente foi reconhecida.

ALEIJADINHO — O GÊNIO QUE A ELITE QUIS BRANQUEAR

Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, é um dos maiores artistas do barroco no mundo Escultor, arquiteto e entalhador, criou obras monumentais como:

• Os Profetas de Congonhas • Passos da Paixão • Igrejas e monumentos que moldaram Minas e o imaginário religioso brasileiro

Filho de mãe negra escravizada, Aleijadinho foi embranquecido pela elite colonial. Durante séculos, tentou-se apagar sua origem. Até que o silêncio se tornou insustentável: sua obra carrega traços, símbolos e marcas da presença negra nas minas gerais e na religiosidade popular.


Aleijadinho é o primeiro nome da genealogia que o Brasil tentou negar: a genialidade negra como estrutura da cultura nacional.


MACHADO DE ASSIS — O MAIOR ESCRITOR BRASILEIRO ERA NEGRO

Fundador da Academia Brasileira de Letras, autor de Dom Casmurro, Memórias Póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba, Machado de Assis foi alvo de uma operação sistemática de embranquecimento. Retratos foram retocados. Traços foram suavizados. A crítica literária apagou a cor.


Só recentemente o país começou a admitir o óbvio: Machado era negro. E isso muda tudo.

Sua ironia, sua crítica à elite carioca, seu domínio da ambiguidade e do subtexto — tudo nasce da experiência de viver por dentro e por fora de uma sociedade que naturalizava o racismo.


Machado não apenas escreveu o Brasil. Ele o decifrou.

CAROLINA MARIA DE JESUS — O BRASIL QUE A ELITE NÃO QUIS OUVIR

Moradora da favela do Canindé, catadora de papel, mãe solo, Carolina Maria de Jesus escreveu Quarto de Despejo em cadernos encontrados no lixo. Seu livro é um dos registros mais potentes da desigualdade no século XX.E, por muito tempo, foi tratado como exceção. Não era. Era a regra. Carolina mostrou o que o Brasil escondia de si mesmo: a fome, o abandono, a violência de Estado, a maternidade atravessada pela miséria — tudo isso narrado com força literária, clareza política e profundidade humana.

LÉLIA GONZALEZ, SUELI CARNEIRO E ABDIAS — A INTELIGÊNCIA NEGRA QUE INVENTOU A POLÍTICA DE RAÇA NO BRASIL

A branquitude brasileira sempre tentou negar que existe racismo. Foram intelectuais negros que desmontaram essa fantasia.

Lélia Gonzalez explicou o Brasil pela intersecção entre raça, gênero e cultura. Foi pioneira ao definir que o racismo brasileiro é disfarçado, mascarado e cordial — e, por isso mesmo, mais eficiente.


Sueli Carneiro trouxe a dimensão das instituições, das políticas públicas e das disputas do movimento negro contemporâneo. É autora de um dos pensamentos mais importantes do país: “o racismo organiza a sociedade”.


Abdias do Nascimento, fundador do Teatro Experimental do Negro, deputado, senador, escritor e ativista, transformou o debate racial brasileiro em plataforma política.

O Brasil só fala em cotas, igualdade racial e racismo estrutural porque essas figuras abriram caminho.

PELÉ, DAIANE, REBECA — A POTÊNCIA NEGRA NO ESPORTE

Pelé não foi apenas o maior jogador de futebol de todos os tempos. Foi o primeiro negro a se tornar ídolo global em uma sociedade que tentava limitar o negro ao “bom de bola”. Sua genialidade era tão grande que o sistema precisou aceitá-lo — mas nunca sem cobrar um preço. Daiane dos Santos, primeira ginasta campeã mundial do Brasil, abriu a porta para uma geração inteira. Rebeca Andrade, ouro olímpico, é a síntese do Brasil negro que venceu a estrutura, a falta de apoio, a desigualdade e a desconfiança. O corpo negro é potência. E essa potência sempre foi vigiada, explorada e, ainda assim, invencível.

OLIVEIRA SILVEIRA E O RS QUE RESISTE

No Rio Grande do Sul, Oliveira Silveira é o coração da luta negra. Poeta, professor e fundador do Grupo Palmares, foi ele quem estabeleceu o 20 de novembro como Dia da Consciência Negra no Brasil. Num estado que insiste em se imaginar europeu, Oliveira expôs a raiz negra gaúcha. E ao lado dele surgiram figuras como:

• Antônio Carlos Côrtes • Vera Daisy Barcellos

• Pretagô

• Negra Jaque

• Quilombo Família Silva


A genialidade negra também é gaúcha.

EMICIDA — O ARTISTA QUE DEVOLVE TEBAS AO BRASIL

Em AmarElo, ele resgata Tebas — o arquiteto negro que ergueu São Paulo colonial e foi completamente apagado da história. A homenagem que receberá da Ufrgs é o símbolo de um tempo que começa a mudar. A universidade branca, ainda elitizada, reconhece um artista negro que dedicou sua obra a recolher os cacos de uma história fragmentada. Emicida não apenas canta o Brasil. Ele reorganiza o país pela lente de quem sempre ficou do lado de fora.


O BRASIL É SOMA E NÃO SEGREGAÇÃO

De Aleijadinho a Emicida, há 300 anos de genialidade que o Brasil negou, escondeu e tentou embranquecer. Mas a linha permanece firme: onde há racismo, há criação. Onde há apagamento, há resistência. Onde há silêncio, há voz negra rompendo o escuro.


Passado e presente mostram uma verdade simples e profunda: o verdadeiro Brasil é resistência. É a soma da força dos excluídos, a mistura das culturas dos muitos povos e das diferentes cores, sejam elas da pele, dos olhos ou da alma. P Um país que se reinventa a cada dia, superando a própria brutalidade que pariu. E é esse choque — entre a grandeza do povo negro e a realidade que exclui e segrega, surge sempre novos desafios que se colocam no horizonte.

No próximo capítulo, seguiremos pelo território das cifras, dos mapas e da realidade nua: o Brasil negro ainda é o país mais desigual do mundo.

Alexandre Costa é responsável pelo www.esquinademocratica.com.br 

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