top of page

MERGULHO NA AMAZÔNIA AMEAÇADA: ÚLTIMA REPORTAGEM DE DOM PHILLIPS

ree

A editora Companhia das Letras lança o livro "Como Salvar a Amazônia - uma busca mortal por respostas", com a reportagem que o jornalista inglês Dom Phillips estava produzindo quando foi brutalmente assassinado, no início de junho de 2022. O trabalho interrompido foi resgatado por colegas, como forma de dar voz à luta do jornalista, reconhecido pelas investigações que fazia e pelo compromisso com a verdade. A obra aponta para a urgência de proteger um dos ecossistemas mais importantes do planeta. Assinada por Daniel Camargos, a matéria publicada no site da Repórter Brasil, no dia 5/6, destaca os desafios enfrentados por Dom na Amazônia e as ameaças que a floresta enfrenta, incluindo o desmatamento ilegal, a exploração de recursos naturais e a violência contra defensores do meio ambiente. O livro reúne entrevista de líderes comunitários e ambientalistas que compartilham suas experiências e o impacto devastador que essas práticas têm em suas vidas e em suas comunidades. A obra ressalta a importância de políticas públicas eficazes e a necessidade de uma mobilização social para garantir que a Amazônia não seja apenas vista como um recurso a ser explorado, mas como um patrimônio que deve ser cuidadosamente protegido.


Dom Phillips, com sua sensibilidade e abordagem crítica, convida os leitores a refletir sobre a luta pela preservação do meio ambiente e por justiça social. A complexidade e a beleza da Amazônia e o contraste dos perigos que a cercam.


CONFIRA A REPORTAGEM

ree

“DOM! DÁ NOTÍCIA!”, escrevi no celular, assim que soube do desaparecimento naquele 5 de junho de 2022. A mensagem continua sem resposta. Três anos se passaram desde que o meu amigo e colega de jornalismo Dom Phillips foi assassinado no Vale do Javari, junto com o indigenista Bruno Pereira – e a sensação de ausência permanece. 


Mas, de alguma forma, recebi sua resposta no último final de semana. Não com seu sotaque britânico com pitadas de carioquês, mas com o que ele deixou: cadernos, áudios, entrevistas, roteiros e esboços que compunham um livro inacabado e agora publicado: Como salvar a Amazônia – Uma busca mortal por respostas (Companhia das Letras, 2025).


Não é uma obra sobre sua morte, embora ela esteja por trás de cada página. É sobre o que ele viu, ouviu, suspeitou e continua acontecendo. Nas 384 páginas, a floresta aparece como um campo de disputa por terra e por sobrevivência. 


A primeira metade, escrita por Dom, revela com nitidez seu método. A segunda, completada por jornalistas como Eliane Brum e Jon Lee Anderson, expande essa escuta, sem fugir da premissa original: entender a Amazônia com quem a vive.


O título do livro não é um recurso editorial. Era a pergunta que Dom carregava para o campo. Conversou com indígenas, ribeirinhos, sem-terras, fiscais ambientais, cientistas, garimpeiros e fazendeiros. Escutou quem sofre e quem lucra. Percorreu territórios onde o Estado não chega. Entrevistou lideranças ameaçadas e agentes públicos isolados. Tudo isso está ali, costurado com método e humanidade.


Dom não buscava manchetes fáceis. Na feitura do livro, o tempo parecia ser seu aliado. Anotava à mão, voltava aos territórios, desconfiava de respostas lineares. Precisava dos detalhes e pormenores para alimentar seu texto irrefutável. Ele cobriu a Amazônia com a densidade de quem sabia que o jornalismo socioambiental, no Brasil, é cobertura de guerra. Não por metáfora, mas por realidade.


Estivemos juntos em reportagens no Pará. Em 2019, viajamos a São Félix do Xingu para apurar esquemas de lavagem de gado ligados à JBS, com passagem por fazendas do banqueiro Daniel Dantas. Também investigamos em campo o chamado Dia do Fogo, quando produtores rurais incendiaram a floresta em Novo Progresso, em ação coordenada por WhatsApp. Parte dessas histórias está no livro, agora com o fôlego que o jornalismo do dia a dia às vezes limita.


Dom traça o retrato de uma engrenagem. A grilagem (roubo de terras) opera com o aval de cartórios e o incentivo de políticos, sobretudo daqueles que integram a bancada ruralista. Os frigoríficos seguem comprando de áreas embargadas pelos órgãos ambientais e triangulando bois por fazendas de fachada. Os invasores armados avançam sobre territórios indígenas. Os dados se repetem, mas os nomes, nem sempre. O foco está menos em vilões individuais e mais em processos padronizados.

ree

O jornalista inglês Dom Phillips e o seu colega brasileiro Daniel Camargos, em retrato na Amazônia (Foto: João Laet)

Há, no entanto, algo além do diagnóstico. O livro reporta soluções em curso: manejo florestal, iniciativas de bioeconomia, experiências de reflorestamento, vigilância indígena com tecnologia. E propõe um caminho que passa pela educação e pelo conhecimento da Amazônia, sobretudo de seus povos.


As ideias discutidas se entrelaçam com o noticiário mais recente, o avanço do PL da Devastação, a investida pela exploração de petróleo na foz do Amazonas e as boiadas que continuam passando por porteiras escancaradas em Brasília. Dom antecipa esse debate no livro, ao mostrar que o problema não está só na ausência do poder público, mas muitas vezes em sua presença devastadora.


“Minha impressão é que em Brasília há uma gaveta com todos os projetos da ditadura e todos os governos democráticos continuam abrindo essa mesma gaveta para fazer planos para a região. É pavimentação da BR-319, é hidrelétrica, é exploração de petróleo, é ferrovia. São notícias antigas que não param de voltar”, escrevem o líder indígena Beto Marubo e a jornalista Helena Palmquist no posfácio do livro. 


Em nenhum momento Dom cede à tentação do “gringo salvador”. Ele sabia que não se salva a Amazônia de fora — e nem sozinho. Essa é a tese central do livro que ele jamais escreveu explicitamente, mas passa por cada linha: só o esforço coletivo pode conter a devastação.

Talvez por isso tenha sido possível terminá-lo. Porque há quem soubesse o que ele queria dizer, mesmo sem que ele dissesse — principalmente sua companheira, Alessandra Sampaio, hoje à frente do Instituto Dom Phillips.


Foi ela quem aglutinou uma equipe de jornalistas experientes, conhecedores da Amazônia e com sensibilidade para dialogar com o projeto inacabado de Dom. A coordenação editorial coube a Jonathan Watts, do The Guardian e cofundador da Sumaúma. 


Ler Como salvar a Amazônia é como trabalhar com Dom de novo. Em certo capítulo, ele conta sobre uma visita a um pecuarista. O tom do texto começa com certo encantamento. Quando vi o nome do fazendeiro, no entanto, entrei em pânico. Lembrei que em 2021 fiz uma matéria mostrando que o pai desse produtor havia sido inserido na Lista Suja do trabalho escravo, publicação oficial do governo federal com empregadores flagrados por esse crime. 


Será que Dom deixou isso passar? Não é possível! Meu impulso imediato foi pegar o celular e mandar uma mensagem para ele. Percebi minha idiotice, continuei lendo e logo estava a informação precisa. A estratégia narrativa de Dom foi fina. Ele se mostrou seduzido pelo fazendeiro, sentou à mesa com a família e, aos poucos, foi construindo o personagem com fatos até chegar a informação sobre o trabalho escravo. Vejam a descrição que ele faz do almoço:  

“A mesa estava posta numa área sombreada perto da piscina, onde o resto da família nos esperava. Duas moças negras de uniforme cor-de-rosa de empregada serviram fatias macias, deliciosas, de carne grelhada. A piscina era bonita e moderna, mas a dinâmica social era arcaica com pessoas negras servindo a família de brancos ricos. Cumprimentei Fraga Filho pela maciez da carne. ‘Não é daqui’, ele disse. Era uma variedade mais cara, ‘prime’, vinda de outra fazenda. A família não comia a própria carne. Só a vendia para terceiros”. 


Sentar à mesa de um pecuarista, ouvir com atenção e descrever cenas e fatos de modo que o leitor tire suas próprias conclusões. Dom fazia isso com naturalidade, sem buscar vilões caricatos, tampouco soluções enlatadas. Escutou indígenas e ribeirinhos, sim, mas também garimpeiros, grileiros e fazendeiros. 


Nas exibições do documentário Relatos de um Correspondente da Guerra na Amazônia, sobre o assassinato de Dom e Bruno, percebi o impacto que a história provoca. O filme foi dirigido por mim e por Ana Aranha, e produzido pela Repórter Brasil. Na Inglaterra, Estados Unidos, França e Holanda, onde o filme também foi exibido, a plateia reagia com um misto de assombro e impotência. É difícil explicar para o mundo o tamanho da floresta e da tragédia em curso. 


O livro, também publicado em inglês, será fundamental para isso. 


A obra evita canonizações. Dom não é mártir. Era repórter. E sua reportagem continua. Muito além do assassinato, a leitura vale pelo jornalismo como prática de paciência, confronto e humildade. Terminei o livro no domingo à noite com a sensação de que ele ainda tinha muitas perguntas a fazer. E que a melhor forma de honrá-lo é seguir perguntando.


 
 
esquinademocratica.com_edited.jpg

COLABORE

Apoie o jornalismo livre, independente, colaborativo e de alta integridade, comprometido com os direitos e as liberdades coletivas e individuais. Participe dos novos modelos de construção do mundo das notícias e acredite que uma outra imprensa é possível. Contribua financeiramente com projetos independentes e comprometidos com esta concepção de comunicação e de sociedade. Dê um presente hoje com o olhar no amanhã.

 

O Esquina Democrática é um blog de notícias, ideologicamente de esquerda e sem fins lucrativos. Além de fazer parte de uma rede de mídia alternativa, comprometida com a credibilidade do JORNALISMO, não se submete às avaliações métricas, baseadas na quantificação de acessos e que prejudicam a produção de conteúdos e colaboram com a precarização profissional.

BANCO 136 - UNICRED
AGÊNCIA 2706
CONTA 27928-5
ALEXANDRE COSTA
CPF 559.642.490-00

PIX 559.642.490.00 (CPF).png
  • Facebook
  • Youtube
Pausing While Typing_edited.jpg
bottom of page