INÊS, A ÚNICA SOBREVIVENTE DA "CASA DA MORTE", CENTRO CLANDESTINO DE TORTURA, EM PETRÓPOLIS (RJ)
- Alexandre Costa

- 28 de mar. de 2023
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Historiadora e ex-integrante de grupos revolucionários na ditadura militar, Inês Etienne Romeu foi a única pessoa a ser libertada da chamada Casa da Morte, um centro clandestino de tortura utilizado pelos militares e localizado em Petrópolis (RJ). Pelo 20 pessoas teriam morrido no local. Inês morreu em 2015, aos 72 anos. Nascida em 1942 em Pouso Alegre, Minas Gerais, Inês Etienne integrou a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), organização de extrema esquerda que sequestrou o embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher, em 1970, no Rio de Janeiro, da qual também fez parte a ex-presidenta Dilma Rousseff. Inês denunciou, por sequestro e estupro, o sargento reformado Antônio Waneir Pinheiro de Lima, conhecido como Camarão.
Inês foi sequestrada em São Paulo, no dia 5 de maio de 1971, aos 28 anos, e levada à Casa da Morte, onde foi torturada e estuprada pelo sargento reformado. Em depoimento, Lima disse que era apenas o caseiro do imóvel e que esteve com Inês — que ficou detida durante três meses —, mas negou o crime.
O caso é um crime de lesa-humanidade imprescritível e não passível de anistia, sob a ótica do Estatuto de Roma — ratificado pelo Brasil e que constitui a Corte Penal Internacional, que julga crimes contra a humanidade, crimes de guerra e genocídios. Para o Ministério Público Federal (MPF), a palavra de Inês devia ser considerada, ainda mais em crime sexual como o estupro, também considerado tortura pelo órgão.
Depois de 96 dias de torturas, estupros e humilhações, “estava destroçada, doente, reduzida a um verme, obedecia como uma autômata”, contou Inês depois. Durante o sequestro, tentou suicidar-se outras duas vezes. Os torturadores liberaram-na depois de três meses, acreditando que, após as sessões de tortura e o cativeiro, ela abandonaria a luta armada e chegaria, inclusive, a colaborar com o regime militar —Inês fingiu que aceitaria tornar-se informante de seus captores.
As anotações que ela fez ao sair da Casa da Morte também ajudaram a identificar nove militantes revolucionários assassinados no local. Inês fez um registro detalhadíssimo e apresentou os relatos à Ordem dos Advogados do Brasil em 1979. Sabia até o número do telefone da casa para onde a levaram “com os olhos vendados” porque escutou quando um dos torturadores respondeu a um telefonema. Identificou um médico que ajudava os torturadores, Amílcar Lobo, e o proprietário da casa: “Visitava o lugar e mantinha relações cordiais com seus ocupantes. É estrangeiro, provavelmente alemão. Tem um cão dinamarquês cujo nome é Kill. Embora não participe pessoalmente das atividades e atrocidades cometidas ali, tem pleno conhecimento delas”.
Em 2003, aos 61 anos, Inês Etienne sofreu um misterioso percalço. Um marceneiro foi até a sua casa realizar um serviço. Uma faxineira a descobriu no dia seguinte no chão, ferida na cabeça. A polícia qualificou o caso como acidente doméstico, mas um relatório médico garantia que havia “sinais de traumatismo craniano devido a múltiplos golpes”. O suspeito nunca foi identificado e depois disso ela teve dificuldades para falar e se movimentar. Por conta disso, a ex-guerrilheira não pode depor na Comissão Nacional da Verdade (CNV), devido a um problema na fala, mas sua participação nas reuniões do grupo possibilitou a identificação, por meio de fotos, de seis torturadores.
Depois de deixar a Casa da Morte, Inês Etienne Romeu ainda cumpriu oito anos de prisão. Inicialmente, sua condenação era à prisão perpétua, mas a Lei da Anistia limitou-a aos oito anos já cumpridos pela participação no sequestro do embaixador suíço. Inês faleceu aos 72 anos, em abril de 2015, por insuficiência respiratória. A ex-presa política dedicou a vida a esclarecer os crimes da ditadura e direitos humanos, auxiliando os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade e do Ministério Público Federal, e recebeu em 2009 o Prêmio de Diretos Humanos, na categoria Direito à Memória e à Verdade.
PUNIÇÃO AOS TORTURADORES O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou, no início de março deste ano, que vai retomar as 29 recomendações que foram apresentadas pela Comissão Nacional da Verdade. As sugestões, referentes a como lidar com as consequências da ditadura militar pela qual o Brasil passou na segunda metade do século 20, serão avaliadas para que se cheque se estão sendo cumpridas. A CNV recomenda a punição dos agentes públicos que cometeram tortura e assassinato, o fim das comemorações do golpe de 1964 e a ampliação da abertura dos arquivos militares
A Comissão Nacional da Verdade (CNV) foi um órgão temporário criado em 2011 pelo governo de Dilma Rousseff para investigar as violações de direitos humanos cometidas durante o período da ditadura militar no país. O anúncio foi feito pelo ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, em reunião na sede da ONU, em Genebra, organizada pelo Brasil com representantes do mundo todo. Esse tipo de colegiado foi comum em outros países que também apresentaram momentos de governos autoritários, instabilidade política e regimes de exceção, como a Argentina e o Chile. Ao fim da Comissão, foram apresentadas propostas para lidar com as consequências da ditadura.







