por Nora Prado (*)
Na semana passada uma matéria do UOL me chamou atenção para um grave efeito colateral na pandemia brasileira: a prostituição de mulheres desempregadas. A matéria diz respeito somente a São Paulo, mas me pergunto quantas mulheres em estado de miséria, de vulnerabilidade social e econômica não devem estar passando por isso neste momento?
A absoluta falta de um plano emergencial do governo para amparar a população de baixa renda, a diminuição considerável do auxílio emergencial de 600,00 para 150,00 reais, o desemprego em massa e a inflação galopante são fatores que contribuíram para esse quadro dramático. Ainda mais no pior momento da pandemia em que as mortes estão em patamares elevadíssimos, o sistema de saúde em colapso com falta de medicamentos e insumos para entubar pacientes graves e a vacinação segue em câmara lenta para o nosso desespero.
Imaginar que uma mãe de família precisa passar por tamanha humilhação para não deixar os seus passando fome é simplesmente dantesco. Mas é isso o que tem acontecido a centena de mulheres cujos maridos ou companheiros também estão desempregados. Entre entrar para o tráfico, o assalto ou outros delitos, muitas encontraram na prostituição uma forma de garantir o sustento básico para si e a família.
Apesar da contrariedade e revolta de alguns familiares e, principalmente, do ciúme dos maridos, todos acabam cedendo para não passar fome. Um equilíbrio delicado passa a reger as relações pessoais afetivas, no qual o casal precisa se submeter a essa nova rotina. Algumas mulheres, mães solteiras, também passam pelo mesmo sufoco de ter que arcar com o leite e as fraldas de um recém-nascido e não pensam duas vezes. Entre ver o seu bebê chorando de fome e passando necessidade, elas abdicam do nojo e vergonha de se deitarem com desconhecidos, na certeza de voltarem para casa com alimento e fraldas.
Se levarmos em conta que um programa sexual não sairá por mais de 70,00 reais, é de se imaginar que uma mulher precise fazer sexo com quatro homens por dia. Para garantir, pelo menos, 200,00 reais. O que já é uma marca notável para uma iniciante e um tormento para quem se sacrifica pela própria família. Sem desmerecer a profissão de prostituta que muitas mulheres escolhem, por livre e espontânea vontade, a maioria desta nova categoria se viu obrigada a se prostituir como última opção para fugir da miséria eminente.
Me pergunto como sessas mulheres lidarão, no futuro próximo, com as consequências desta escolha? Como cada uma delas lidará com as sequelas dessa vida dupla? Por quanto tempo aguentarão a sua condição de objetificação e comércio do próprio corpo? Como poderão recompor-se afetiva e sexualmente frente ao parceiro? Como enfrentarão pai e mãe, filhos e familiares envergonhados e magoados? Como conviverão com este segredo frente aos amigos e parentes? São questões a serem levantadas e discutidas numa sociedade de moral questionável, cujo machismo e hipocrisia dão a tônica nas relações familiares e cujo agravante de relacionamentos tóxicos e abusivos elevaram os índices da violência doméstica e o feminicídio no Brasil durante a pandemia.
Não bastasse o risco e a mortalidade do vírus a que todos estamos expostos a mais de um ano, mesmo confinados, o risco de contrair alguma doença venérea grave como aids ou a própria covid já torna essas mulheres parte de um novo grupo de altíssimo risco.
Não à toa, as profissionais do sexo de Belo Horizonte fizeram passeata, há poucos dias, exigindo a vacinação para toda a categoria como forma de prevenir o contágio do corona vírus. Sem dúvida uma questão da saúde pública. Mas como saúde e educação, neste país, é tratado com desprezo pelo presidente e seus ministérios, essa face triste da pandemia dificilmente será levada em consideração.
Espero, sinceramente, que a opção da prostituição para as mulheres adultas não se transforme, em breve, numa tábua de salvação para outras famílias que podem ver nas próprias filhas adolescentes uma fonte de prostituição vantajosa. Gostaria muito de saber o que pensa, sobre isso, a nossa ministra mais patética de todo esse bando de canalhas bolsonaristas. Certamente sairia pela tangente com alguma piada de mau gosto. Decididamente o Brasil não é para amadores.
Porto Alegre, 19 de abril de 2021.
* Nora Prado é atriz, poeta, professora de interpretação para Teatro e Cinema, atuou na Escola das Artes do Palco - SP.