DEUS ESCREVE CERTO POR LINHAS TORTAS: A ALUCINAÇÃO BOLSONARISTA E A SIMULAÇÃO DE UM BRASIL PARALELO
- Alexandre Costa
- 6 de set.
- 3 min de leitura
ALEXANDRE COSTA | ESQUINADEMOCRATICA.COM.BR

“Deus escreve certo por linhas tortas”. O ditado popular, que atravessou gerações, serve como metáfora precisa para a sucessão de contradições e equívocos que marcam a trajetória política recente do bolsonarismo. Mesmo com o aporte das mais avançadas tecnologias de comunicação digital e o uso da inteligência artificial, setores da extrema direita brasileira seguem tropeçando na própria ignorância, produzindo episódios que expõem a fragilidade de seu discurso e a distância entre suas narrativas e a realidade.
Um caso emblemático foi relatado no artigo “A produção social da alucinação é uma forma de política”, de José Isaías Venera, publicado pelo Le Monde Diplomatique Brasil, no dia 5 de setembro de 2025. Ao tentar impulsionar a hashtag #BolsonaroFree durante o julgamento de Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF), seus apoiadores ignoraram que, em inglês, a frase significa justamente “Livre de Bolsonaro”. O que pretendia ser um ato de solidariedade acabou funcionando como um ato falho de grande repercussão, reforçando ironicamente a ideia de prisão (a sociedade livre de Bolsonaro) e não a libertação do ex-presidente.
A POLÍTICA COMO ALUCINAÇÃO
O episódio ilustra o que Venera chama de “produção social da alucinação”, uma forma de política que constrói realidades paralelas. Para os bolsonaristas, não importa se os signos se ancoram em fatos; o essencial é a cena digital e sua viralização. Esse deslocamento entre representação e realidade ficou evidente também no contraste entre o STF e o Senado, no dia 2 de setembro. Enquanto a Primeira Turma julgava Bolsonaro por sua participação na trama golpista de 8 de janeiro de 2023, o Senado organizava um julgamento paralelo, numa tentativa de sabotar a Suprema Corte, como revelou o Intercept Brasil.
Essa lógica, segundo analistas, tipifica um estágio “alucinatório” da política, em que se criam narrativas para negar ou inverter os acontecimentos concretos.
O TARIFAÇO E A SIMULAÇÃO INTERNACIONAL
Outro exemplo dessa dissonância é a tentativa de Eduardo Bolsonaro (PL-SP) de justificar e até articular apoio ao tarifaço imposto por Donald Trump contra o Brasil. A sobretaxa de 50% sobre produtos brasileiros foi apresentada por setores bolsonaristas como uma espécie de reconhecimento político, quando, na prática, significou um duro golpe econômico.
Nessa narrativa invertida, medidas lesivas à soberania nacional ganham ares de vitória diplomática, reforçando a ideia de um Brasil simulado, paralelo aos fatos concretos.
RACISMO, SUPREMACISMO E XENOFOBIA
O artigo de José Isaías Venera cita um outro caso, no qual a lógica da alucinação também se materializou na prática. Se trata do vereador Mateus Batista (União Brasil), de Joinville (SC), que defendeu em plenário, no dia 25 de agosto, um projeto de lei para restringir a presença de pessoas do Norte e do Nordeste no município.
A declaração de que o “Estado do Pará é um lixo”, se configura em crime, por reproduz ideias supremacistas e xenofóbicas, resgatando discursos típicos de movimentos autoritários como o fascismo e o nazismo. Esse tipo de manifestação se ancora na chamada “alucinação de pureza”, que legitima práticas segregacionistas e racistas e alimenta a construção de inimigos internos, sempre necessários para justificar a radicalização política.
RELIGIÃO, PNEUS E EXTRATERRESTRES
Os exageros bolsonaristas não se limitam à arena institucional. Em episódios recentes, apoiadores chegaram a rezar próximos à residência do ex-presidente enrolados na bandeira de Israel, a orar diante de pneus e até a afirmar contato com extraterrestres. Esses gestos, segundo Venera, evidenciam o deslocamento entre ação política transformadora e encenações destinadas apenas a viralizar nas redes sociais.
A ESFINGE ALGORÍTMICA
A metáfora da alucinação aparece também na crítica ao papel das big techs e da inteligência artificial. No jargão técnico, “alucinação” é quando a IA gera informações falsas ou distorcidas. Mas, na política, o fenômeno se assemelha a um mecanismo deliberado: cria-se um enredo convincente, mesmo que divorciado dos fatos, para ocupar espaço público e moldar percepções.
José Isaías Venera lembra que, na Grécia antiga, cabia a alguém decifrar o enigma da Esfinge; hoje, depositamos na racionalidade algorítmica a tarefa de resolver nossos problemas. Ele adverte, no entanto, que talvez a própria lógica dos algoritmos seja a Esfinge contemporânea, fortalecendo-se a cada dado coletado e ampliando seu poder sobre nossas vidas.
Nesse cenário, os delírios bolsonaristas não são apenas sinais de ignorância ou contradições pontuais. Representam uma estratégia de poder que se sustenta na produção de realidades fictícias, na manipulação da fé e no uso político das tecnologias digitais. Mas, como ensinou o ditado popular, a realidade encontra meios de se afirmar: ainda que por linhas tortas, a verdade segue sendo escrita.

— Le Monde Diplomatique Brasil
– “A produção social da alucinação é uma forma de política”, José Isaías Venera (05/09/2025). https://diplomatique.org.br/alucinacao-neofascista-e-determinacao-algoritmica/— Intercept Brasil – cobertura sobre o julgamento paralelo no Senado. https://theintercept.com/brasil— Agência Brasil – julgamento de Bolsonaro no STF. https://agenciabrasil.ebc.com.br— Brasil de Fato – tarifaço de Donald Trump e impactos no Brasil. https://www.brasildefato.com.br— Esquina Democrática – seção Boa Luta. https://www.esquinademocratica.com.br/boa-luta
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