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AVENIDA ANGÉLICA, POR PAULO GAIGER (*)


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Quase nunca ou nunca mesmo, uma avenida é lugar para alguém passear tranquilamente, ficar na calçada acomodada na espreguiçadeira, fruindo, admirando, deixando os olhos se encantar, ouvindo algum canto de passarinho, os sapinhos e os grilos, os sinos da catedral, lendo um livro do Rilke ou do Blake, maravilhando-se com o bailar das saias, com o batuque dos sapatos. Fuligem, ruido, descargas abertas, ofensas, batidas, polícia, ambulâncias, motoboys costurando, bate-boca, atropelamentos, corre-corre, lixo e mais lixo, carros e mais carros, vendedores de suco de laranja, cuspe na calçada, uma limpadora de vidros no décimo andar, insanidade, igreja universal, fealdade, tudo e mais revestem intestinos, carnes, ossos, coração, massa cinzenta, frustrações, decisões e utopias. Se alguém não vai para a calçada porque não há nada para admirar e fruir, talvez somente uma faca na jugular pedindo o celular, a poesia vai, a música vai. Mas vão nas entranhas, no avesso, nos jeitos que nunca apareceram ser, nos cotidianos encolhidos. Santa quintessência, anti-heartache, estão aí para transgredir, para surpreender, para encantar, para acordar o zigomático, liberar dopamina, endorfina e serotonina, para pensar e nunca mais termos qualquer coisa parecida com o fascismo e Bolsonaro em nossas ruas, avenidas, campos e florestas. Abriremos as janelas. Os magníficos livros Rilke Shake e Um útero é do tamanho de um punho, da poeta Angélica Freitas, são a matéria prima do mais novo trabalho musical do Vitor Ramil. Arrebatador, um abraço carinhoso, um beijo de veludo, um riso de (des)conforto. Mulheres, gays, trans, putas, sujas, drags, loucas do mundo, uni-vas. Leiam Um útero é do tamanho de um punho e ouçam Avenida Angélica. A fealdade masculina sucumbirá, o lixo masculino pro aterro sanitário, na igreja universal vai ter shows da Rita Lee, do Caetano, da Anitta, da Pabllo Vitar e do Vitor. Rompam palavras de ordem e a fidalguia, irrompam na Avenida Angélica (des)vestidos e como (des)quiserem, arranquem pontos finais e máscaras de cínicos e mentirosos, plantem flores e poesia nos depósitos de armas dos quartéis, desarmem os quartéis e a obediência e façam deles pistas de dança, dancem, cantem, bebam, amem. As duas artes me movem, descortinam-me em aparente desatino, quando o desatino está na outra avenida, naquela lá de cima deste artigo, da igreja universal, do Alvorada; do lixo dos quartéis, dos assassinos de indigenistas e jornalistas. Rilke Shake e Toasted Blake, Angélica Freitas e Vitor Ramil, arte e transgressão, arte e precisão, arte e (des)equilíbrio. Queima do fosfato! Água cristalina que jorra. Um violão que são muitos. No show que vi na plataforma virtual, no show que assisti no Theatro São Pedro, no disco que ouvi, os violões do Vitor são um e são muitas sonoridades e levadas, violão solo, violão e orquestra, mas sempre o violão encantador do Vitor. Lindamente, como toca o Vitor, como canta, como nos passeia na Avenida Angélica. Iluminada com sombras suaves de descanso. Isabel Ramil está ali e lá, em todas as linhas, diagonais e transversais do palco, em todo o seu redondo, céu e terra, fiat lux, vida, regato e redemoinho, foco e imensidão. As luzes da Avenida Angélica desenham delicadas, intensas, precisas cada uma das poesias cantadas. Remetem a outras ruas e avenidas à nossa espera. A poesia de Angélica Freitas é feliz e profanadora, uma poesia universal, quase uma antipoesia, como escreve Carlito Azevedo. Vitor é um compositor e cantor embriagado de literatura, de poesia, de música. Sempre nos convida a um banquete delicioso. Isabel tem um olhar e uma mão como poucas. Uma luz que é vida e é pergunta. Não deixem de ler os livros, não deixem de ver o show Avenida Angélica, não deixem de adquirir o CD no Studios CDs, aqui em Pelotas, no site http://www.vitorramil.com.br/, na Bamboletras, em Porto Alegre, e através do e-mail satolepmusic@gmail.com.br. Evoé!


(*) Paulo Gaiger é Artista professor do Centro de Artes – UFPel.

 
 
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