A IMPRENSA, A OPERAÇÃO CARBONO OCULTO E A “MEXICANIZAÇÃO” DA VIOLÊNCIA NO BRASIL, POR CARLOS WAGNER*
- Alexandre Costa
- 2 de set.
- 5 min de leitura

Lembrei-me de como os cartéis varejistas de drogas do México tornaram o país um dos mais perigosos do mundo na última quinta-feira (28), quando surgiram as primeiras notícias sobre a Operação Carbono Oculto. Numa ação coordenada da Polícia Federal (PF), do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaego), do Ministério Público de São Paulo (MPSP) e da Receita Federal, a megaoperação flagrou a infiltração da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) na Faria Lima, como é conhecido o endereço do maior centro financeiro do Brasil e da América do Sul, na Avenida Brigadeiro Faria Lima, na cidade de São Paulo. Foi a maior operação contra o crime organizado já realizada no país e teve como objetivo desmontar o esquema de lavagem de dinheiro na cadeia de importação, distribuição e comercialização de combustíveis e a camuflagem do patrimônio usando fintechs (plataformas online que realizam pagamentos) e fundos de pensão. Foram cumpridos 350 mandados de busca e apreensão em São Paulo, Santa Catarina e mais seis estados, onde foram apreendidos R$ 1 bilhão em bens. Também foram cumpridos 14 mandados de prisão que resultaram em seis pessoas presas e oito foragidas.
Antes de seguir falando sobre a Operação Carbono Oculto vou explicar o motivo pelo qual lembrei-me do México. Há umas duas décadas, os traficantes mexicanos trabalhavam repassando a cocaína que vinha da Colômbia, da Bolívia e do Peru para o maior e mais rico mercado consumidor de drogas do mundo, os Estados Unidos. Os traficantes mexicanos se organizaram e formaram cartéis de varejistas de drogas que se abastecem diretamente com os produtores de cocaína. O passo seguinte dos cartéis foi se infiltrar na economia mexicana, montando operações nos mercados financeiros. Relatórios do governo apontam que os cartéis faturam por ano em torno de US$ 49,4 bilhões, sendo o quinto empregador do país. E, por último, os traficantes estão infiltrados na política. Todo este poder é disputado por 10 grandes cartéis, sendo que os principais são o Jalisco, o Juárez e o Sinaloa. Há matérias, relatórios e outros documentos disponíveis na internet sobre a violência mexicana. Até a década de 90, o mercado de cocaína no Brasil era abastecido por intermediários que compravam a droga dos produtores da Colômbia, do Peru e da Bolívia e a revendiam para os varejistas brasileiros no Paraguai, onde compravam a maconha que é plantada em uma região próxima à fronteira com o Brasil. No início nos anos 90, o traficante carioca Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, fugiu do Rio de Janeiro e escondeu-se na fazenda do seu então fornecedor de maconha e cocaína, João Morel, e de seus dois filhos, Ramon e Ezequiel, em Capitán Bado, cidade separada por uma rua de Coronel Sapucaia, no oeste do Mato Grosso do Sul. Estive lá várias vezes naquela época, fazendo reportagens e coletando informações para o meu livro País-Bandido: Crime tipo exportação, lançado em 2003. Beira-Mar já era então um dos chefes do Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, facção rival do PCC. Com apenas um celular, ele conseguiu entrar em contato com produtores de cocaína na Colômbia e tomou o negócio de João Morel, ordenando a sua execução, juntamente com a dos seus filhos. Atualmente, cumpre pena em uma penitenciária federal. No final da década de 90, o PCC fez uma aliança com grupos de traficantes da fronteira paraguaia que estavam em guerra contra o CV. Assim que os dirigentes do PCC conseguiram os seus contatos direitos com os produtores de cocaína na Colômbia, se livraram dos líderes dos seus aliados paraguaios.
Nos dias atuais, através de alianças que fizeram com várias organizações criminosas regionais, o CV e o PCC têm acesso direto aos produtores de cocaína que abastecem o mercado brasileiro e usam os portos do país para enviar a droga para países europeus e os Estados Unidos. O caminho que o CV e PCC percorrem é o mesmo dos cartéis mexicanos. Tratei do assunto em abril no post Qual o tipo de segurança pública que será debatida nas eleições de 2026? Do jeito que as coisas estão caminhando estamos indo em direção à “mexicanização” da segurança pública. É dentro deste contexto que devemos analisar a Operação Carbono Oculto. Para a sobrevivência das duas maiores organizações criminosas brasileiras é fundamental que elas consigam se infiltrar no mercado financeiro para lavar o dinheiro do tráfico. Por quê? O dinheiro lavado representa poder e abrirá inúmeras oportunidades de crescimento para o crime organizado, como a sua entrada na disputa eleitoral. Como revelou a Carbono Oculto, o PCC saiu na frente do CV. O que as autoridades envolvidas na operação têm de concreto nas mãos? O diretor-geral da PF, delegado Andrei Rodrigues, 54 anos, não tem como saber, porque é enorme a quantidade de documentos e provas recolhidas pelos agentes. Será preciso esperar que os peritos analisem este material. O que o delegado já tem certeza é que todo o esquema do combustível tem como cabeças, como se diz no jargão das delegacias de polícia, Mohamad Hussein Mourad, conhecido como Primo, Roberto Augusto Leme da Silva, o Beto Louco, José Carlos Gonçalves, o Alemão, Ricardo Romano e Leandro Cavallari. Mourad é velho conhecido dos agentes envolvidos na operação. Dão Real Pereira dos Santos, 47 anos, presidente do Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional), chamou a atenção dos jornalistas para o seguinte: “O PCC trocou o uso do doleiro pela fintechs”. Até acontecer a Carbono Oculto, as fintechs não eram obrigadas a informar à Receita Federal quem era o dono do dinheiro, como são os bancos. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, 62 anos, decretou que as fintechs passam agora a ter essa mesma obrigação dos bancos. Já existe um significativo número de fintechs que, por sua conta, prestam estas informações para a Receia Federal.
Ogoverno já tinha tentando fazer com que as fintechs tivessem as mesmas obrigações que os bancos. Foi no início do ano, quando os técnicos da Fazenda não souberam explicar direito a história e os oportunistas aproveitaram para espalhar a mentira de que o governo iria taxar o Pix. A repercussão da mentira foi tão grande que o governo recuou. Na época, ficou famoso o vídeo do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), 29 anos, que teve mais de 200 milhões de visualizações. No vídeo, ele misturou fatos verdadeiros com mentiras. Não é a primeira vez que faz isso. Ele chuta sempre que enxerga “uma bola picando na área”. Tudo indica que foi mais um dos oportunistas. O exame da imensidão de provas recolhidas durante o cumprimento dos mandados de busca e apreensão deverão dar uma ideia bem clara de quem é quem nesta história. A minha grande expectativa é que sejam encontradas as ligações dos garimpos ilegais nas terras indígenas da Floresta Amazônica, onde o PCC tem uma operação de extração de ouro e bauxita. A Operação Carbono Oculto deu um enorme prejuízo para a cúpula do PCC, comandada por Marco Willians Herbas Camacho, 57 anos, o Marcola, que cumpre pena. Além da lavagem do dinheiro, também preocupa a cúpula da organização o surgimento pessoas que façam deleção premiada. Como foi o caso do Vinícius Gritzbach, que lavava dinheiro para o PCC e para se safar de uma acusação de homicídio fez uma delação premiada para o Gaeco de São Paulo, entregando os policiais que davam cobertura ao PCC. Em novembro do ano passado ele foi executado no Aeroporto Internacional de Guarulhos, quando voltava de uma viagem. Foi uma execução pública ao estilo das feitas pelos cartéis mexicanos. O sucesso da Operação Carbono Oculto tem potencial para interromper a “mexicanização” da violência no Brasil?
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