Ministério dos Direitos Humanos reconhece perseguições na ditadura militar e garante recursos para indenizações até 2026
- Alexandre Costa

- 20 de jul. de 2024
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Integrantes do Ministério dos Direitos Humanos informaram à imprensa que o Governo Federal vai destinar cerca de R$ 300 milhões para pagar as indenizações relativas a processos de anistias políticas a civis e militares até 2026. A garantia de que a União terá as verbas é resultado de articulação dos ministérios da Gestão e da Defesa.
A Comissão de Anistia, responsável por reconhecer a perseguição política durante a ditadura militar, calcula que serão necessários R$300 milhões em de anistia política em 2025 e 2026. As estimativas são de uma força-tarefa vinculada ao Ministério dos Direitos Humanos, realizada no final de 2023, e consideram a tendência histórica de decisões do colegiado.
De acordo com os cálculos, há uma previsão de R$ 40 milhões de recursos para pagamento de indenizações de anistia a civis e outros R$ 24,88 milhões para militares em 2024. Já no ano seguinte e em 2026, as estimativas se repetem: seriam R$ 94,1 milhões para civis por ano, e R$ 56,8 milhões para militares —em um total de R$ 151 milhões para cada ano. MORTOS E DESAPARECIDOS Os assassinatos e desaparecimentos de opositores ao regime militar no Brasil foram investigados pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), por comissões estaduais da verdade, por entidades de direitos humanos e pelos próprios familiares das vítimas. Nessas diversas investigações, há discrepância nos números de mortos e desaparecidos computados. A CNV, em seu relatório final, reconheceu 434 mortes e desaparecimentos políticos entre 1946 e 1988, dos quais a maioria ocorreu no período do regime. ESTUDO APONTA 1.654 CAMPONESES MORTOS OU DESAPARECIDOS A Pública - Agência de Jornalismo Investigativo publicou no seu site uma matéria, no dia 21 de março de 2024, sobre um estudo inédito realizado pelo pesquisador colaborador da Universidade de Brasília (UnB) e ex-preso político Gilney Viana, 78. Ele aponta que 1.654 camponeses foram mortos ou desapareceram do golpe de 1964 até a promulgação da Constituição, em 1988. Viana considera o governo de José Sarney (1985-1989) um “regime de exceção, como [consideram] as leis da justiça de transição, período este que herdou parte da política repressiva da ditadura, com maior gravidade sobre os camponeses”.
É um número bastante superior às conclusões do relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que funcionou de 2012 a 2014 e investigou crimes cometidos de 1964 a 1988. No documento final, a comissão reconheceu apenas 41 camponeses do total de 434 mortos e desaparecidos, deixando para um anexo temático as informações sobre a violência contra camponeses e povos indígenas. No estudo, Viana escreveu que a CNV “diminuiu seu papel histórico ao reconhecer apenas 434 mortos e desaparecidos, apesar de conhecer a existência de milhares de mortos e desaparecidos forçados” e que ela “reproduziu a exclusão e a discriminação da classe dominante contra os camponeses e os indígenas”.
Viana viveu intensamente os anos de chumbo da ditadura. Como militante da luta armada na Ação Libertadora Nacional (ALN), foi preso e torturado pelos agentes da repressão do DOI-Codi do Rio de Janeiro. Ficou preso por nove anos e dez meses, período em que participou de uma greve de fome que durou 32 dias contra o projeto de anistia parcial da ditadura.
Após ter deixado a prisão, no começo dos anos 1980, mudou-se para Mato Grosso, onde se formou em medicina e ajudou a fundar o PT estadual – já havia ajudado a fundar o PT em Belo Horizonte. Em Cuiabá, elegeu-se deputado federal. Durante seu mandato, presidiu a antiga Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias na Câmara dos Deputados. Em Mato Grosso, conheceu de perto a questão camponesa ao acompanhar diversos movimentos de luta pela terra. Integrou duas vezes o Diretório Nacional do PT (de 1984 a 1990 e de 1993 a 1995) e foi secretário de Desenvolvimento Sustentável do Ministério do Meio Ambiente no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006).
Em agosto de 2012, certos de que o tema dos camponeses mortos e desaparecidos não tinha recebido a devida atenção na justiça de transição, diversos movimentos sociais, acadêmicos e pesquisadores criaram a Comissão Camponesa da Verdade (CCV), que passou a investigar o assunto com mais profundidade e da qual Viana é membro desde o começo. Em 2015, a CCV concluiu que 1.196 camponeses foram mortos ou desapareceram de 1964 a 1985.
O estudo de Viana, intitulado “A resistência camponesa à ditadura militar”, tem mais de 400 páginas, ainda não foi publicado e recorre a conclusões da CCV, a dezenas de estudos anteriores, a estatísticas, a artigos e a levantamentos próprios para apontar o impressionante número de pelo menos 16.578 camponeses vítimas de algum tipo de “repressão política” no período 1964-1988 em variadas formas, do assassinato à prisão, de agressões físicas a tentativas de homicídio. Desse total, segundo Viana, ao menos 7.512 ocorreram apenas durante os quatro primeiros anos do governo Sarney (1985-1988). “Os números são revisados constantemente e só tendem a aumentar”, disse Viana.
Do total das vítimas, cerca de 8 mil foram identificadas nominalmente e outras 8.153 “não [foram] identificadas nominalmente, mas indicadas por fontes confiáveis a partir de acontecimentos verificáveis”.
Em entrevista à Agência Pública, Viana ressalta a importância histórica dos mecanismos encarregados da justiça de transição como a CNV, mas faz uma “avaliação crítica”, pois a comissão “limitou-se em conhecer os casos de graves violações dos direitos dos povos indígenas, camponeses e religiosos e, ao mesmo tempo, não reconhecê-los, formal e integralmente, como vítimas dessas graves e sistemáticas violações de direitos humanos”.







