MARIELLE FRANCO É SÍMBOLO DE LUTA E RESISTÊNCIA
- Alexandre Costa
- 15 de mar.
- 20 min de leitura

O assassinato de Marielle Franco completou sete anos. Por volta das 21 horas do dia 14 de março de 2018, a ex-vereadora do PSOL e o seu motorista Anderson Gomes foram executados no Estácio, na região central do Rio de Janeiro. Eleita com 46,5 mil votos, a quinta maior votação para vereadora nas eleições de 2016, Marielle Franco estava no primeiro mandato como parlamentar. Oriunda da favela da Maré, zona norte do Rio, a vereadora tinha 38 anos, era socióloga, com mestrado em administração pública e militava no tema de direitos humanos. No dia seguinte à morte de Marielle e Anderson, milhares de pessoas foram às ruas do centro do Rio de Janeiro cobrando respostas e justiça. As manifestações se espalharam pelo Brasil e em algumas partes do mundo.
A luta de Marielle Franco transcendeu sua própria vida e morte, tornando-se um poderoso símbolo na batalha contra a violência política, o racismo e as discriminações de gênero. A morte de Marielle expôs a intersecção da violência política, de gênero e racial, lembrando-nos de que a luta por direitos humanos é multifacetada. As mulheres negras, como Marielle, enfrentam formas de violência que são ampliadas quando ocupam espaços de poder. O julgamento revela como racismo, misoginia e LGBTIfobia se entrelaçam, criando um ambiente hostil para aquelas que desafiam o status quo.
A crescente violência política, especialmente em um contexto eleitoral ameaçado pelo crime organizado, ressalta a necessidade urgente de mecanismos de proteção eficazes para as defensoras de direitos humanos. O caso de Marielle criou precedentes significativos no enfrentamento da violência política. Recentemente, a promulgação da Lei da Violência Política em 2021 trouxe esperanças, garantindo um espaço mais seguro para mulheres na política, promovendo a prevenção e o enfrentamento da violência.
NOVAS LIDERANÇAS
O legado de Marielle também se reflete no aumento da representatividade de mulheres negras em cargos políticos. Nas eleições subsequentes ao seu assassinato, o número de mulheres negras eleitas cresceu exponencialmente, trazendo novas vozes e projetos comprometidos com as necessidades da população. No entanto, esse avanço vem acompanhado de riscos elevados, uma vez que mais mulheres se tornam alvos da violência política.
PROTEÇÃO DOS ASSASSINOS De acordo com especialistas, a investigação dos assassinatos de Marielle e Anderson foram conduzidas de forma equivocada, justamente para proteger os criminosos. Durante o processo foram cometidos erros básicos que impediram a elucidação do crime. Segundo o jornal O Globo, duas pessoas que estavam no local do crime foram orientadas a se afastar e não foram convocadas naquele momento para prestar depoimento. Foram convocadas pela polícia após a publicação da reportagem. Também houve problemas relativos à coleta e processamento de imagens de câmeras de segurança, como o próprio delegado que foi o primeiro responsável pelo caso, Giniton Lages, disse em depoimento à Justiça, informação revelada pela Folha de S.Paulo.
Lages relatou que sua equipe tinha imagens que mostravam o percurso do carro em que estavam os executores do crime — mas apenas a partir de um certo ponto, o bairro do Itanhangá, próximo à Barra da Tijuca. As imagens não permitiam acompanhar o veículo desse local até o início da orla da Barra da Tijuca. Meses depois, a polícia recebeu a informação sobre de onde o carro teria partido, uma região conhecida como Quebra-Mar, que fica justamente no início da orla da Barra da Tijuca. Ao revisitar o material coletado pelas câmeras, os agentes perceberam que havia um empecilho técnico que os impedia de avançar na leitura das imagens. "Revisitaram o banco de imagens, reprocessaram a imagem, descobriram que tinha um problema, colocaram numa ferramenta que era capaz de ler aquela tecnologia, que era ultrapassada, ela leu e o carro se revelou", disse Lages.
Quando os agentes se deram conta disso, voltaram ao Quebra-Mar e à avenida da orla, onde fica o condomínio de Ronnie Lessa, mas as câmeras não tinham mais as imagens do dia do assassinato. "Muito provavelmente nós íamos pegar o momento em que entraram no carro (...) Isso é um fato, não há como negar isso", afirmou.
BOICOTE ÀS INVESTIGAÇÕES
As imagens retiradas de câmeras locais revelaram que um segundo veículo possivelmente teria dado cobertura aos criminosos que dispararam os tiros. Além disso, outras imagens mostraram dois homens parados dentro de um veículo, por duas horas, no local de um evento em que a vereadora havia participado antes de ser executada. Alguns dias depois, o jornal O Globo publicou matéria na qual duas testemunhas, que não foram ouvidas pela polícia, deram detalhes sobre a cena do crime. Os jornalistas ouviram separadamente as duas testemunhas, tendo obtido versões semelhantes. Elas disseram que o carro dos assassinos imprensou o veículo que conduzia Marielle, quase subindo na calçada. Ao contrário das imagens de câmera, essas pessoas só viram um carro no cenário. Ainda conforme o relato, um homem negro estava no banco de trás e estendeu o braço para fora, portando uma arma de cano longo, com um dispositivo que parecia um silenciador. Então o carro deu uma guinada e fugiu pela rua Joaquim Palhares, não pela rua João Paulo Primeiro, como suspeitava a polícia. As testemunhas afirmaram que os policiais militares as mandaram se afastar do local do assassinato, sem ouvi-las. MARIELLE DENUNCIOU A VIOLÊNCIA DA PM DE ACARI No sábado anterior ao crime, Marielle havia denunciado por meio das redes sociais a violência do 41º Batalhão da Polícia Militar de Acari, apontado pelo Instituto de Segurança Pública como o mais mortífero dos cinco anos anteriores.
A perícia descobriu que as munições de calibre 9 mm que mataram a vereadora carioca eram do mesmo lote de parte dos projéteis utilizados na maior chacina do estado de São Paulo. Os assassinatos de dezessete pessoas ocorreram em Barueri e Osasco, na Grande São Paulo, em 13 de agosto de 2015, e três policiais militares e um guarda civil foram condenados pelas mortes. Segundo a Polícia Civil do Rio de Janeiro, esse lote fora vendido à Polícia Federal de Brasília pela empresa Companhia Brasileira de Cartuchos, no dia 29 de dezembro de 2006.
A análise técnica também revelou que a munição era original, isto é, ela não foi recarregada porque a espoleta, que provoca o disparo do projétil, era original. A PF abriu um inquérito para apurar a origem das munições e como elas chegaram ao Rio de Janeiro. O Ministro Extraordinário da Segurança Pública, Raul Jungmann, afirmou que a munição foi roubada da sede dos Correios na Paraíba, anos antes. Fontes da PF disseram que o lote com dois milhões de cápsulas foi amplamente distribuído entre as unidades da corporação e que as unidades de São Paulo e do Distrito Federal receberam a maior quantidade, mais de duzentas mil cápsulas cada uma. Além disto, o ministro disse que a PF já designara um especialista em impressões digitais e DNA para fazer o exame da munição, e confrontaria os resultados com seu banco de dados, a fim de descobrir a autoria do crime.
IMPRENSA APONTA ERROS NA INVESTIGAÇÃO No dia 6 de maio, a RecordTV exibiu reportagem apontando erros na investigação. A emissora divulgou que o carro usado pelas vítimas foi abandonado no pátio da delegacia de homicídios por 40 dias, sem que todos as avaliações e exames estivessem completos. Segundo a reportagem, os corpos da vereadora e do motorista não passaram por exames de raio-x, uma vez que o Estado não tinha o equipamento.
A TV também antecipou – o que seria dias depois confirmado pela Polícia – que Marielle e Anderson não foram mortos por uma pistola como achavam os investigadores, mas sim por uma submetralhadora HK MP5, que não são facilmente apreendidas com criminosos, sendo de uso de tropas de elite.
A Record também lembrou que as câmeras da Prefeitura na rua onde ocorreu o crime foram desligadas dias antes do duplo homicídio. Alegando sigilo, autoridades e órgãos oficiais não quiseram comentar a reportagem.
Em 8 de maio, uma testemunha disse à polícia que o vereador Marcello Siciliano e o ex-policial militar e miliciano Orlando Oliveira de Araújo, conhecido como Orlando Curicica, seriam os verdadeiros mandantes dos assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Conforme essa testemunha, a motivação seriam as ações comunitárias de Marielle em áreas de interesse da milícia na Zona Oeste.
A informação foi veiculada pelo jornal O Globo, segundo o qual a testemunha afirmou que foi forçada a trabalhar para Orlando e teria contado em detalhes todo o planejamento da execução. A pessoa citada como testemunha relatou que esteve presente nas reuniões ocorridas entre Orlando e Siciliano, desde junho de 2017.
Ainda conforme o relato, Orlando teria dito numa reunião que a vereadora o atrapalhava e comentado com Siciliano que a situação precisava ser resolvida logo. Em três depoimentos, a testemunha teria informado datas, horários e reuniões entre os dois homens, além de fornecer os nomes de quatro homens escolhidos para o assassinato, que passaram a ser investigados pela polícia. A ordem do assassinato teria sido dada de dentro da cela da penitenciária Bangu 9, onde Siciliano estava preso.
Posteriormente, em meados de 2019, foi revelado que a testemunha, o policial militar Rodrigo Jorge Ferreira, vulgo Ferreirinha, tinha mentido a mando das milícias para atrapalhar as investigações sobre a autoria dos assassinatos de Marielle e Anderson Gomes.E o miliciano Orlando Curicica, após ser transferido para um presídio federal, deu detalhes em depoimentos ao Ministerio Público Federal do funcionamento do crime organizado no Rio de Janeiro.
Além de conseguir comprovar não ter tido participação no assassinato de Marielle Franco, o miliciano Orlando Curicica denunciou nesses depoimentos a cúpula da Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro nomeada pelo Governador Wilson Witzel, o Secretário da Polícia Militar e o Secretário da Polícia Civil, respectivamente Rogério Figueredo de Lacerda e Marcus Vinicius Braga. Curicica também fez acusações contra o braço direito de Marcus Vinicius Braga, Allan Turnowski. Allan Turnowski foi chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro entre 2010 e 2011 e nesse período como chefe da Polícia teve como adido o policial militar Ronnie Lessa, acusado de ser o responsável por fazer os disparos que tiraram a vida de Marielle Franco e Anderson Gomes.
Em 11 de maio, a polícia fez a reconstituição do crime, que tomou cinco horas entre a noite e a madrugada. O objetivo foi reproduzir o momento em que os assassinos dispararam contra o carro onde estavam Marielle e Anderson, efetuando disparos com armas e munições reais, a fim de que as testemunhas reconhecessem o barulho da arma usada no crime. A conclusão da polícia foi que os assassinos usaram uma submetralhadora HK MP5, uma arma capaz de disparar oitocentos tiros por minuto.
Quatro testemunhas participaram da simulação do crime, incluindo a assessora parlamentar de Marielle Franco, que foi a única sobrevivente e se mudou para fora do Brasil logo depois do assassinato da vereadora. Em outubro, houve um avanço na investigação. O Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) anunciou que o uso da tecnologia da informação permitiu a identificação do biótipo do atirador. Além disso, a análise de imagens descobriu outros locais por onde passou o carro dos executores.
O Ministério não precisou essas informações publicamente, mas a família da vereadora foi comunicada. Os promotores também visitaram o preso Orlando Curicica e a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, remeteu ao MPRJ o depoimento prestado por aquele aos procuradores da República, cujo conteúdo também não foi revelado para manter o sigilo das investigações, que era uma preocupação de todas as autoridades envolvidas nessas atividades.
Em 3 de julho de 2019, a Polícia Civil e a Marinha articularam uma operação para encontrar as armas que teriam sido usadas no crime. A suspeita teve origem no depoimento de um barqueiro da região do Quebra-Mar, na Barra, segundo o qual um homem, mais tarde identificado como Márcio Montavano, o Márcio Gordo – que teria retirado as armas de endereços ligados ao policial militar reformado Ronnie Lessa, apontado como o autor do crime – o contratou para um passeio até as Ilhas Tijucas, para a prática de pesca submarina. Segundo a polícia, além de Márcio, participaram da ação a mulher de Lessa, Elaine, o irmão dela, Bruno, e um homem chamado Josinaldo.
Conforme o depoimento do barqueiro, o contratante colocou no barco uma caixa de papelão pesada, dentro da qual havia caixas menores, e uma mala de viagem. Então o homem abriu a mala, tirou seis fuzis e jogou as armas e a caixa ao mar. Depois ele deu trezentos reais ao barqueiro para pagar o transporte, chamou um táxi e foi embora. A polícia sabia que se tratava de um amigo de Lessa. Ainda em julho de 2019, o ministro e presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, suspendeu a investigação referente ao assassinato da vereadora. A Decisão de Toffoli atingiu temporariamente todos os inquéritos do país, com o argumento de que eram fundados em relatórios de inteligência financeira feitos com informações obtidas sem autorização judicial. Ou seja, eram informações compartilhadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e pelo Fisco, sem autorização da Justiça.
Até setembro, sabia-se, conforme um relatório da Coordenadoria de Segurança e Inteligência do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, que o sargento da reserva da Polícia Militar Ronnie Lessa, acusado do assassinato, era chefe de milícia na zona oeste carioca, foi dono de um bingo clandestino na Barra da Tijuca e planejava, antes de ser preso, expandir seu negócio de distribuição de água para áreas dominadas por traficantes de drogas na cidade. O relatório fundamentou o pedido aceito pela Justiça do Rio de Janeiro, a fim de transferir Lessa para o sistema penitenciário federal.
A MORTE DE ADRIANO DA NÓBREGA
Tendo estado foragido desde a deflagração da Operação Intocáveis o miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega estava sendo procurado por equipes policiais do Rio de Janeiro e da Bahia, que estavam alertas para a possibilidade de prendê-lo. Adriano tinha conseguido escapar de um cerco montado pelas policias do Rio de Janeiro e da Bahia em um resort no final de janeiro de 2020, mas em 9 de fevereiro de 2020 foi cercado pela Polícia num sítio no município de Esplanada e acabou morto em confronto com a Polícia no interior da Bahia. O Capitão Adriano e era apontado como o chefe do grupo de assassinos profissionais chamado Escritório do Crime, o qual reunia policiais e ex-policiais que cometiam homicídios em troca de dinheiro, e também chefe de uma milícia no Rio de Janeiro. Ele era ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi um dos denunciados da Operação Intocáveis e teve familiares próximos envolvidos, como sua ex-esposa e sua mãe, no esquema das rachadinhas do gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro.
As autoridades citaram Adriano no assassinato de Marielle Franco, mas ele não constava do inquérito que investigava a morte da vereadora. Embora tenha sido ouvido no inquérito, não figurava como suspeito. Em 30 de junho, o delegado responsável pela investigação da morte de Marielle, Daniel Rosa, colocou fim à suspeita que pairava sobre a organização de milicianos chamada Escritório do Crime.
O “Escritório” já sofria uma investigação devido à suspeita de ter realizado muitas execuções e se acreditava que a execução da vereadora poderia ser uma dessas, devido à proximidade do grupo com Ronnie Lessa, mas não foi comprovado que este teria integrado a organização criminosa. Ainda assim, a investigação tomou tal rumo a partir do depoimento de Orlando Curicica, este sim preso por suspeita de participação no crime da vereadora.
Segundo Rosa, os membros do grupo miliciano realmente praticaram uma execução naquela noite, mas de outra pessoa, Marcelo Diotti. O crime ocorreu em um restaurante da Barra da Tijuca, e uma minuciosa perícia, com o confronto de horários, afastou a possibilidade de que esses homens tivessem participado do assassinato da vereadora.
PROCURADOR NÃO ACEITOU O ARQUIVAMENTO DAS INVESTIGAÇÕES Em meados de julho de 2020, após dois anos sem respostas sobre como os executores da vereadora tiveram acesso a munições de uso restrito da Polícia Federal, o delegado encarregado do caso requereu o arquivamento do processo, que havia sido aberto a pedido do Ministério Público Federal. Entretanto, o procurador Eduardo Benones não aceitou o arquivamento e solicitou o aprofundamento da investigação, com o argumento de que esta não se destinava apenas à responsabilização de agentes públicos, mas que principalmente se destinava a ser uma resposta do Estado Brasileiro às muitas perguntas sobre um crime "cujo caráter é notoriamente transcendental”. Com esse propósito, o Ministério solicitou um exame pericial na munição, para saber se era uma carga original, e um pedido de explicação para a fabricante dos projéteis, que teria produzido um volume superior ao permitido pelo Exército.
Em meados de dezembro, a Polícia Civil e o Ministério Público acharam uma importante pista para solucionar o crime. Conforme o relato, Eduardo Almeida Nunes de Siqueira, morador da Muzema, favela dominada pela milícia, clonou um carro do mesmo modelo que foi usado no homicídio. Além disso, Siqueira era defendido pelo mesmo advogado de Ronnie Lessa, considerado o executor da vereadora. Ele confessou que clonou muitos veículos, incluindo um Cobalt prata, ano 2014, que foi exatamente o tipo de automóvel usado pelos pistoleiros.
Siqueira não sabia como o carro foi usado, mas viu muita semelhança entre o que ele clonou e o que foi usado no crime. A polícia também seguia outras linhas de investigação, como a confirmação de que a ordem para matar Marielle partiu do ex-bombeiro, ex-vereador e miliciano Cristiano Girão, com o objetivo de se vingar do deputado federal Marcelo Freixo, pois Girão era um dos nomes constantes da lista da CPI das milícias confeccionada pelo parlamentar.
TROCAS NA ESQUIPE DE INVESTIGAÇÃO Em julho de 2021, houve importantes trocas na equipe de investigação do crime. Na Polícia Civil, Edson Henrique Damasceno, sem explicação oficial, passou a ser titular da Delegacia de Homicídios, que investiga todas as mortes violentas no estado. Damasceno era o quarto responsável na linha de tempo da apuração policial. Ao mesmo tempo, as promotoras Simone Sibilio e Letícia Emile saíram da força-tarefa do Ministério Público do Rio de Janeiro, que também investigava o atentado. Elas relataram receio e insatisfação com “interferências externas”, mas não deram detalhes sobre essas forças. Além disso, foi feita a exumação do corpo de Adriano da Nóbrega, e a perícia encontrou contradições entre os achados da necropsia e os relatos dos policiais militares que o mataram em ação oficial.
Em julho de 2023, Élcio de Queiroz firmou uma delação premiada com a Polícia Federal e o Ministério Público e contou em detalhes como foi cometido o crime. Segundo informações veiculadas na imprensa, o crime estava premeditado desde 2017 e até teria havido uma tentativa frustrada no mesmo ano. Quando o homicídio efetivamente ocorreu, tudo começou com um encontro entre Lessa e Élcio no condomínio deste. Eles se posicionaram estrategicamente em um carro e partiram em perseguição ao carro da vereadora, disparando tiros no momento em que o veículo desacelerou.
Após concluído o crime, seguiram para um bar onde ficaram bebendo até três horas da madrugada. No dia seguinte, concluíram a operação se livrando do carro usado no crime, antes tomando o cuidado de adulterá-lo Em janeiro de 2024, o ex-policial Ronnie Lessa firmou um acordo de delação com a Polícia Federal, afirmando que Domingos Brazão teria sido um dos mandantes e responsáveis pelo planejamento do atentado que resultou na morte da vereadora e de seu motorista. A razão para ele ter ordenado o assassinato seria vingança contra Marcelo Freixo, ex-deputado estadual que presidiu a CPI das Milícias, de quem Marielle foi assessora.
IRMÃOS BRAZÃO Poucos dias depois da delação ser confirmada a imprensa, relatou-se que durante a gestão de Jair Bolsonaro, a Abin foi empregada para espiar e monitorar a coordenadora da força-tarefa encarregada da investigação sobre as mortes de Marielle Franco e Anderson Gomes.
No dia 24 de março de 2024, os irmãos Domingos Brazão e Chiquinho Brazão, juntamente com o delegado Rivaldo Barbosa, foram presos, acusados de serem os mandantes do atentado contra Marielle Franco em março de 2018.
O trio foi alvo de mandados de prisão preventiva na Operação Murder, Inc., deflagrada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) e pela Polícia Federal (PF). Domingos é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ); Chiquinho é deputado federal pelo União Brasil; Rivaldo era chefe da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro na época do atentado e hoje atua como coordenador de Comunicações e Operações Policiais da instituição.
Em 19 de agosto, em depoimento na audiência de instrução e julgamento do caso Marielle no STF, o motorista de aplicativo Otacílio Antônio Dias Júnior, o Hulkinho, de 41 anos, revelou que o bombeiro Maxwell Simões Corrêa, o Suel, pagou 2,5 mil reais pelo Cobalt prata clonado usado por Élcio de Queiroz e Ronnie Lessa no dia do atentado.
PRISÕES E CONDENAÇÕES
Em 30 de maio de 2018, a polícia prendeu Thiago Bruno Mendonça, conhecido como "Thiago Macaco", que era acusado de matar Carlos Alexandre Pereira Maria, "O Cabeça", um colaborador do vereador Marcello Siciliano. Thiago Macaco também é citado no depoimento de um ex-miliciano apontado uma testemunha-chave do caso. Segundo a fonte, Thiago seria ligado a Orlando de Curicica, chefe da milícia da Bna, atualmente preso.
Os dois teriam participado do assassinato da parlamentar, que estaria atrapalhando os negócios do grupo paramilitar na Zona Oeste. Esses negócios também interessariam a Siciliano, que negava as acusações. A testemunha ainda relatou que Thiago Macaco teria sido responsável pela clonagem do Cobalt prata, que foi usado pelos assassinos para cometer o crime. Os agentes já haviam cumprido a prisão temporária de Rondinele de Jesus Da Silva, "O Roni", ocorrido no dia 19 de maio, pelo mesmo delito.
Em 24 de julho de 2018, a polícia prendeu o ex-policial Alan Nogueira, conhecido como Cachorro Louco, e o ex-bombeiro Luís Cláudio Barbosa. Ambos foram denunciados por um delator premiado, que também os envolveu em um caso de duplo homicídio. Eles foram apontados como integrantes do grupo do miliciano Orlando Oliveira de Araújo, conhecido como Orlando da Curicica, que atua na Zona Oeste da cidade. O duplo assassinato teria sido cometido no sítio de propriedade de Orlando.
Um policial militar e um ex-policial militar também integrantes da milícia, segundo a polícia, foram assassinados com tiros na cabeça, por traição. Depois, tiveram os corpos carbonizados. O delegado disse que não podia ainda relacionar os dois à execução da vereadora e que a investigação prosseguia em sigilo. A milícia citada controla, além da Curirica, as regiões da Taquara, da Vargem Pequena, da Vargem Grande e do Terreirão. As atividades dos milicianos são extorsão de comerciantes e moradores, a exemplo da cobrança de taxas pela venda de gás e água mineral, e controle de pontos de caça-níqueis.
Os primeiros mandados de prisão foram expedidos a partir de 13 de dezembro de 2018. Policiais civis da divisão de homicídios executaram quinze mandados no estado do Rio de Janeiro e fora deste, todos dirigidos contra milicianos. Em Angra dos Reis, no Morro da Constância, durante o cumprimento de um desses mandados, a equipe foi encurralada por criminosos. Segundo informação oficial, os agentes ficaram sob forte ameaça, em local de vulnerabilidade e intensa situação de risco, sendo resgatados em ação das polícias civil e militar. Os mandados fizeram parte de um inquérito ligado ao assassinato da vereadora, mas conduzido de forma paralela. Nesse momento, haviam transcorrido nove meses desde o crime.
Em 22 de janeiro de 2019, a polícia prendeu o major da Polícia Militar Ronald Paulo Alves Pereira, por suspeita de envolvimento no assassinato. Além disso, ele seria julgado no caso da Chacina da Via Show, no qual quatro jovens foram executados por policiais militares. O major estava com o processo suspenso, mas este foi reaberto. Conforme a informação oficial, ele vinha sendo investigado com base em suspeita de integrar a cúpula do chamado Escritório do Crime. Ele também foi denunciado por comandar negócios ilegais, como grilagem de terras e agiotagem.
Em 12 de março de 2019, policiais da Divisão de Homicídios da Polícia Civil e promotores do Ministério Público no âmbito da operação Lume prenderam dois policiais militares suspeitos de participação no assassinato. Os mandados de prisão foram executados contra o sargento reformado da Polícia Militar Ronnie Lessa, de 48 anos, e Élcio Vieira de Queiroz, que já fora expulso da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Na casa de um amigo de Ronnie Lessa foram encontrados 117 fuzis M-16 desmontados. O amigo de Lessa disse ter guardado os fuzis sem saber do que se tratava e a apreensão desses fuzis se tornou a maior apreensão de armas da história do Rio de Janeiro. Segundo a denúncia do Ministério Público, Lessa teria sido o autor dos 13 disparos que mataram Marielle e o motorista Anderson e Queiroz teria sido o condutor do veículo usado no crime. Ainda conforme o MP, o crime teria sido meticulosamente planejado, com três meses de antecedência.
Em 31 de maio, a polícia prendeu Rafael Carvalho Guimarães e Eduardo Almeida Nunes, que eram investigados pela possível clonagem do carro Cobalt, usado no assassinato da vereadora. As prisões foram parte da Operação Entourage, a qual teve como alvo a milícia de Orlando Curicica, que dominava regiões da Zona Oeste do Rio de Janeiro. Segundo a polícia, a função dos dois na organização de Curicica era clonar carros para que a quadrilha pudesse se movimentar a fim de praticar crimes sem chamar a atenção. Além disso, foi preso o policial militar Rodrigo Jorge Ferreira, o Ferreirinha, acusado de obstruir as investigações do crime.
A operação contou com trezentos policiais e oito pessoas foram presas. Os depoimentos dados por Ferreirinha a mando da milícia de que Curicica teria sido um dos mandantes do crime provaram-se falsos. Os crimes praticados pela organização, muito bem estruturada, eram, em sua maioria, feitos com o uso de violência, incluindo execução de testemunhas e tentativas de homicídio de autoridades responsáveis pelas investigações.
Em julho de 2020, após a prisão do empresário ligado ao Movimento Brasil Livre, Carlos Augusto de Moraes Afonso, conhecido na Internet como Luciano Ayan, foi descoberto que ele foi o responsável por divulgar uma notícia falsa que acusava Marielle Franco de ter se relacionado com o traficante Marcinho VP, além de ter ligação com a facção criminosa Comando Vermelho.
Em outubro, o ex-policial Elcio Vieira de Queiroz foi condenado a cinco anos de prisão e pagamento de multa pelo porte de munição e pela posse de armas de fogo, munições e carregadores, no dia em que foi preso, em 12 de março de 2019. Nessa data, policiais civis e dois promotores de Justiça foram à casa de Queiroz para cumprir uma ordem de prisão, pela suspeita de envolvimento na morte da vereadora e de seu motorista, e outra de busca e apreensão, para recolher possíveis provas do crime.
Em revista, eles encontraram oito munições de fuzil de calibre 5,56 mm no seu carro e, na sua casa, encontraram uma pistola Glock calibre ponto 380, com cinco carregadores e 46 munições, além de uma pistola Taurus calibre ponto 40, com três carregadores e 72 munições. A pena seria cumprida em regime aberto se Queiroz já não estivesse preso preventivamente em razão dos homicídios, na Penitenciária Federal de Porto Velho. A sentença foi emitida em 11 de setembro pelo juiz André Felipe Veras de Oliveira, da 32ª Vara Criminal do Rio de Janeiro.
Em 7 de agosto de 2022, Ronnie Lessa, que estava preso preventivamente na Penitenciária Federal de Segurança Máxima de Campo Grande, foi condenado a cinco anos de prisão por tentativa de tráfico internacional de armas. Conforme a sentença, ele deveria começar a cumprir a pena já em regime fechado, e a prisão preventiva motivada pelo homicídio seria mantida. A justificativa da condenação foi a quantidade e a finalidade dos equipamentos apreendidos.
Além disso, segundo o texto da sentença, o material importado se destinava a dificultar a identificação da origem dos disparos de fuzis AR-15, ordinariamente empregados por organizações criminosas que controlam vastos territórios da cidade do Rio de Janeiro, onde aterrorizam, ferem e matam moradores e agentes da segurança pública de forma indiscriminada. Por exemplo, esse equipamento serve para reduzir o clarão provocado pelos disparos dos fuzis, geralmente utilizado por atiradores profissionais, com o intuito de chamar menos atenção no momento em que atiram. Em fevereiro de 2023 foi confirmada pela Polícia Militar do Rio de Janeiro a expulsão de Ronnie Lessa da corporação.
Em 7 de dezembro de 2023, Luiz Paulo de Lemos Júnior, o Chupeta, foi preso por ser apontado pelos investigadores como motorista de Ronnie Lessa, réu pela morte da vereadora Marielle Franco, e do Escritório do Crime.
Em 28 de fevereiro de 2024, a Polícia Federal e o Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), prenderam o dono de ferro-velho Edilson Barbosa dos Santos, conhecido como Orelha, acusado de destruir o carro GM Cobalt prata em um desmanche no Morro da Pedreira, na Zona Norte do Rio. O carro era usado no dia do crime.
Em 24 de março de 2024, a Polícia Federal, junto a Procuradoria-Geral da República prendeu o deputado federal pelo Rio de Janeiro Chiquinho Brazão, o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) Domingos Brazão e o policial civil Rivaldo Barbosa, acusados de serem os mandantes do assassinato de Marielle. Barbosa era na época da morte da vereadora, chefe da polícia civil do Rio de Janeiro e teria ajudado a atrapalhar as investigações. Foram encaminhados à Penitenciária Federal de Brasília onde cumprirão prisão preventiva.
Barbosa foi nomeado para o cargo às vésperas do assassinato de Marielle pelo então interventor de segurança do Rio Walter Braga Netto na intervenção federal no Rio de Janeiro em 2018 (apesar das repetidas objeções da área inteligência da polícia do Rio) e naquele cargo investigou, ele mesmo, o assassinato.
No dia 27 de março, os irmãos Brazão foram transferidos para outros presídios, Chiquinho foi levado para o de Campo Grande e Domingos para a de Porto Velho, enquanto o delegado Rivaldo Barbosa continua preso na capital de Brasília. A escolha das penitenciárias foi do Ministério da Justiça.
Também em março de 2024, Giniton Lages, outro delegado de polícia do Rio que também investigou o assassinato de Marielle, foi alvo de um mandado de busca em sua casa, acusado de obstrução à justiça por trabalhar como informante dos mandantes do crime.
Lages supostamente trabalhou para (e eventualmente conseguiu) ganhar a confiança da família de Marielle para obter informações privilegiadas sobre as pessoas mais próximas dela e impedir tentativas de alcançar os verdadeiros mentores do crime, incluindo forçar o depoimento de Rodrigo Jorge Ferreira, o Ferreirinha, um policial militar, no qual ele admite falsamente que outro criminoso, Orlando Curicica, foi o mandante do assassinato. Lages também escreveu um livro sobre os bastidores da investigação intitulado Quem matou Marielle? cujo objetivo era, segundo Lages, “ajudar a sociedade a se preparar melhor para lidar com casos semelhantes no futuro".
Em 9 de maio, a Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão e o delegado Rivaldo Barbosa por mandar matar a vereadora Marielle Franco. Na tarde do mesmo dia, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, suspendeu o sigilo do processo.
Em 28 de maio, a Justiça do Rio de Janeiro condenou o ex-PM Rodrigo Ferreira, conhecido como Ferreirinha, e a advogada Camila Nogueira por obstrução das investigações sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Os dois foram condenados a 4 anos e 6 meses de prisão. Apesar de, com essa pena, estarem autorizados a iniciarem o cumprimento no regime semiaberto, o juiz determinou que a pena seja cumprida no regime fechado.
Em 30 de setembro, a Justiça do Rio de Janeiro condenou o dono de um ferro-velho, Edilson Barbosa dos Santos, o Orelha, a 5 anos e 17 dias de prisão por ajudar os assassinos de Marielle e Anderson a destruir o carro GM Cobalt usado no dia do crime. Esta é a primeira condenação na investigação do atentado.
Em 30 e 31 de outubo, Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz foram levados ao Tribunal do Júri, sendo condenados a 78 anos e 9 meses (Ronnie) e 59 anos e 8 meses (Élcio) pelo homicídio qualificado de Marielle e Anderson além da tentativa de homicídio da assessora Fernanda Gonçalves, além do pagamento de pensão ao filho de Anderson até os 24 anos e de indenização no valor de 706 mil reais por dano moral a cada um dos familiares das vítimas mortas.