Democracia em Vertigem, da cineasta brasileira Petra Costa, lançado pelo Netflix, em junho de 2019, mostra ao mundo o golpe contra a democracia brasileira, que derrubou a presidenta Dilma Rousseff por meio de um impeachment forjado a partir da violação de princípios legais. O golpe, que ainda hoje segue em curso no país, faz parte de uma trama muito bem executada para retirar Dilma da Presidência da República e para impedir Lula de concorrer nas eleições de 2018. O golpe foi arquitetado pelos setores mais conservadores da sociedade, com apoio do Judiciário, por meio da Operação Lava Jato; da chamada grande imprensa e pelo uso criminoso de fake news. Nem mesmo as revelações publicadas no site The Intercept Brasil, comprovando a relação perversa de procuradores e do ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sérgio Moro, foram suficientes para desmascarar o impeachment de Dilma. O documentário de Pietra Costa escancara para o mundo o golpe que contra a democracia no Brasil.
Desde que Democracia em Vertigem foi anunciado como um dos filmes concorrentes ao Oscar de 2020, a disputa ideológica reacendeu no país. Se por um lado a cineasta brasileira recebe elogios e apoio ao seu trabalho; por outro, Petra tem sido alvo de inúmeras críticas.
Algumas destas recentes manifestações sobre o filme são lastimáveis, como é o caso da Secretaria de Comunicação que atacou a cineasta pelas redes sociais: “A cineasta Petra Costa desempenhou o papel de ativista anti-Brasil e manchou a imagem do País no exterior com uma série de notícias falsas em uma entrevista na televisão americana". A Secom passou por cima dos princípios legais relacionados à sua função.
A declaração do apresentador Pedro Bial, durante entrevista ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha, nesta segunda (3/2), serviu para colocar mais lenha na fogueira. Bial disse, entre outras coisas sobre o documentário: “É um filme de uma menina dizendo para a mamãe dela que fez tudo direitinho, que ela está ali cumprindo as ordens e a inspiração de mamãe, somos da esquerda, somos bons, não fizemos nada, não temos que fazer autocrítica. Foram os maus do mercado, essa gente feia, homens brancos, que nos machucaram e nos tiraram do poder, porque o PT sempre foi maravilhoso e Lula é incrível.”
Mas Petra recebeu apoio de muitos artistas, do Brasil e de todo mundo, como Caetano Veloso e Chico Buarque

. Ainda no ano passado, o cineasta Spike Lee destacou a importância de Democracia em Vertigem durante exibição do documentário no Museu de Arte Moderna de Nova York. “Esse filme, do grande país Brasil, nos dá um outro olhar para a ascensão do fascismo. Que é global. E liderado pelo ‘agente laranja'(eu não o chamo pelo nome)”, disse o cineasta norte-americano.
Assista:
Rombo de R$ 55 bi mostra atualidade de Democracia em Vertigem
O Nestes dias em que Petra Costa disputa o Oscar, o déficit-monstro nas contas de Guedes-Bolsonaro mostra a ligação entre o desastre de hoje e o golpe de 2016", escreve Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia.
O rombo de 55 bilhões nas contas de 2019 confirma o caráter insustentável de uma política econômica baseada no corte de investimentos e arrocho no emprego e nos salários. O saldo é um país parado, que produz pouco e consome menos ainda. Resultado: déficit. Em 2019, primeiro ano de Bolsonaro, o país teve a pior balança comercial em cinco anos.
Nestes dias em que, na reta final do Oscar, o filme Democracia em Vertigem disputa o premio de Melhor Documentário com uma contundente narrativa sobre o golpe de 2016, o buraco de 55 bilhões ajuda a reavivar a memória dos brasileiros.
O rombo ressalta a perversidade de um golpe organizado a partir do pretexto de que Dilma havia cometido um crime de responsabilidade para esconder um estouro no orçamento. Falso.
Do ponto de vista técnico, essa denuncia nunca parou de pé. É o que fica claro, por exemplo, numa extensa nota técnica (número 109/2016), do Senado Federal, chamado a formular um parecer sobre a denúncia contra Dilma, que tinha como base o artigo 85 da Constituição, que descreve os crimes de responsabilidade.
"Estando os procedimentos analisados de acordo com as leis orçamentárias, não foi constatada qualquer afronta (...) que habilitaria fazer uso do disposto no artigo 85 para abrir o procedimento de impeachment ou dar-lhe seguimento", diz o documento, em suas conclusões, que afastam qualquer justificativa jurídica para o afastamento de Dilma. "Não foi constata qualquer afronta", é bom repetir.
Do ponto de vista da origem, não custa recordar o caráter promíscuo do ambiente que produziu a denuncia. Já na fase final do processo, durante os depoimentos no Senado, foi revelado que o auditor do Tribunal de Contas da União, Antonio Carlos D'Ávila, teoricamente encarregado de fazer um exame final -- imparcial e isento -- das acusações, participou ativamente da elaboração da própria peça inicial apresentada pelo Ministério Publico.
Em condições normais, era óbvio que uma denuncia elaborada em tais circunstâncias nem deveria ter sido considerada. Nada ocorreu -- além de um fugaz constrangimento.
No capítulo da comédia, nada foi tão grotesco como o muro de proteção erguido em torno do vice-presidente, Michel Temer. A dificuldade aqui era de lógica.
Se ocorreram operações criminosas, chamadas imprecisamente de "pedaladas," expressão que ninguém sabe direito o que quer dizer, pelo menos o vice-presidente deveria ser considerado tão culpado quanto a titular. Caso só ele fosse inocentado, um inaceitável espírito de perseguição estaria escancarado.
Durante as viagens de Dilma ao exterior, Temer colocou seu autógrafo em quatro decretos que totalizaram gastos de R$ 10,7 bilhões. Nada lhe aconteceu, e o vice pode completar o mandato e entregar a faixa presidencial a Bolsonaro em 1 de janeiro de 2019.
"Ao assinar atos governamentais cujos prazos expiram em sua interinidade, o vice-presidente não formula a política econômica ou fiscal", tentou justificar-se Temer, na época. Ele sequer foi chamado a explicar-se, embora houvesse uma determinação nesse sentido do ministro Marco Aurélio Mello, no STF.
Um dos operadores do golpe, titular de um governo que instalou o neoliberalismo como política-economica oficial desde então, é claro que Temer não poderia responder pelas mesmas denúncias que atingiram Dilma -- ela e o projeto que representava constituíam o alvo final da operação de desmonte da democracia.
Alguma dúvida?