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A Debilidade do Macho, por Paulo Gaiger*

Santo Agostinho, lá pelas tantas, começou a temer as mulheres e atribuir a elas a razão de suas atribulações, calores, fantasias mundanas, ereções e impulsos sexuais. Tudo aquilo que ele não controlava e, a esta altura, já suspeitava ser coisa do demo. Boa parte dos concílios da igreja ao logo dos séculos referendou os delírios do Santinho da Numídia, construindo dogmas e bases de fé religiosa que condenaram mulheres do mundo inteiro a um cantinho secundário, de submissão doméstica e de invisibilidade, quando não à manifestação viva do demônio. À fogueira as bruxas, gritavam machos perturbados. Antes de Agostinho, em muitas sociedades, a mulher já era considerada qualquer coisa e bem menos. Aristóteles, um dos grandes nomes gregos da filosofia, entre achados e perdidos, julgava as mulheres inferiores, mais aguadas e, por isso, um tanto sem cérebro, incapazes de participar da vida política da polis. O nascimento de um varão era aplaudido; porém, se nascia uma menina, desgosto e resignação com o defeito na fabricação. Tem um ex-presidente fascista que confessou algo assim. Mas o Agostinho de Hipona, seguindo Clemente de Alexandria, que vinculou o pecado original à descoberta do sexo por Eva e Adão, concluiu que o desejo sexual era o próprio pecado original. Sexo e pecado passaram a ser quase a mesma coisa. À mulher, Eva, responsável por despertar os desejos, a culpa por retirar o homem da retidão, da vida de oração. Ártemis, a deusa da vida selvagem, do luar, da dança, foi substituída em Éfeso, onde ficava seu templo, pela Virgem Maria, santa assexuada, submissa e conformada. Diante do medo, Paulo de Tarso dizia que o celibato era a forma mais elevada de vida, e que o casamento, quando inevitável, era uma alternativa inferior tolerada. O sexo dentro do casamento deveria ser tão somente para procriação, sem prazeres e sem orgasmos, especialmente os femininos, uma intromissão do coisa-ruim. São Jerônimo, no século IV, vá saber o que se fumava naqueles tempos, chegou a afirmar que “um homem que está ardentemente apaixonado por sua esposa é um adúltero”. A loucura coletiva que se estabeleceu no mundo medieval, por exemplo, a partir do fake news da chegada do fim do mundo, da volta de Cristo, de um tribunal para julgar os impuros, gerou perseguições entre cristãos, de cristãos a não cristãos, como também, vidas dedicadas à penitência, à peregrinação e ao ascetismo. Era imperativo rejeitar as coisas do mundo, o corpo e, é claro, o sexo. Mulheres teriam que se sujeitar a garantir a espécie. Nem todo mundo caiu nessa, mas foi preciso ter cuidado com os alucinados. Em tempos de crise, estas bobagens reaparecem como zumbis. Nas mesquitas, as mulheres não compartilham do mesmo espaço privilegiado dos homens. Orando em direção à Meca, suspeito que os machos temem a presença da mulher ao seu lado, como um risco desviante: um adeus a Meca em troca da vida dedicada à beleza, ao sexo e à equidade de gênero. Encobrir as mulheres com burkas, obrigar as saias e cabelos longos, determinar modos de ser e estar, reduzi-las à maternidade, impedi-las da masturbação, acusá-las como responsáveis pela minha tara e psicopatia; babar-se com fotos de nu feminino, pagar salários mais baixos, são a revelação estrondosa da debilidade do macho: um covarde, um psicótico, uma besta furiosa e burra. A repressão às mulheres e ao sexo consensual é invenção masculina. E todos estes machos conhecem uma mulher que é sua mãe, outra mulher que é esposa, namorada ou filha ou amiga. Estamos em 2024. Basta, né?


(*) Revisitado. Publicado no livro “Não vá ao supermercado nos domingos” (ed. Traços&Capturas – 2019)


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