PL DA DOSIMETRIA E AS CONEXÕES ENTRE CRIME ORGANIZADO, MERCADO FINANCEIRO, MÁFIA POLÍTICA E OS GOLPISTAS DO 8 DE JANEIRO
- Alexandre Costa

- há 22 minutos
- 6 min de leitura

por Alexandre Costa | jornalista
As manifestação em defesa da democracia e contra a anistia para os golpistas, marcadas para amanhã, domingo (14/12), em diversas capitais e grandes cidades espalhadas de norte a sul do Brasil, são uma amostra do que virá pela frente em 2026. A mobilização nas ruas serve como termômetro em relação à força e à capacidade do país resistir e frear o ímpeto fascista da extrema direita golpista.
Em um ano de disputa eleitoral, é imprescindível ficar atento ao tabuleiro político e as diversas instâncias derivadas do poder das urnas no país. Além de participar das manifestações deste domingo, é preciso compreender o atual cenário político no Brasil: o país vem sendo capturado por um crime organizado de colarinho branco entranhado nas instituições, alimentado e protegido pelas teias do centrão e da extrema direita.
DEMOCRACIA X ECOSSISTEMA DE PODER
O que está em jogo, mais uma vez, não é "apenas" o destino de um projeto de lei, mas a definição de quais interesses prevalecem na República — se os da Constituição e da soberania popular ou os de um ecossistema de poder que articula crime de colarinho branco e máfia política, além beneficiar líderes de facções com a redução de suas penas.
Especialistas alertam sobre a importância de barrar o projeto de lei da dosimetria, aprovado pela Câmara dos Deputados e que pode reduzir penas de pessoas condenadas pelo episódio antidemocrático de 8 de janeiro de 2023. Porém, as alterações atingem também autores de crimes hediondos e feminicidas, pois reduzem de forma significativa o tempo mínimo de permanência em regime fechado. O PL da dosimetria também beneficiará nomes como Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, e André de Oliveira Macedo, o André do Rap, que terão suas penas reduzidas de um terço para quase a metade o tempo de cumprimento em regime fechado, antes da progressão ao semiaberto.
Embora o debate público tente enquadrar o tema como “ajuste técnico”, a mobilização aponta para algo maior: a disputa sobre a responsabilização do maior ataque institucional da história recente e sobre quem, de fato, financia e protege a engrenagem golpista.
A criação do consórcio para financiar o projeto político dos golpistas é parte de um ecossistema que conecta empresários corruptos, inescrupulosos operadores financeiros, além de parlamentares e agentes públicos que trabalham contra os interesses do próprio país, ligados a milícias e a facções e lideranças dos maiores criminosos do país.
O QUE É O PROJETO DE DOSIMETRIA
A Câmara informou que aprovou proposta que “reduz penas dos condenados pelo 8 de janeiro” e que o texto segue para o Senado. Portal da Câmara dos Deputados+1
Segundo a convocatória da CUT (que integra as frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo), o projeto muda a forma de cálculo das penas para crimes como golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito e, na prática, reduz o tempo de reclusão ao alterar a lógica de acumulação aplicada nas condenações. CUT - Central Única dos Trabalhadores
No Senado, a Agência Senado registrou que a matéria será relatada por Esperidião Amin e deve tramitar na CCJ antes de deliberação. Senado Federal+1 Veículos de imprensa também publicaram guias explicativos sobre o conteúdo e os efeitos pretendidos do projeto. CNN Brasil+1
PL BENEFICIA BOLSONARO, GOLPISTAS E INTEGRANTES DE FACÇÕES
Além de seus efeitos diretos sobre os condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro, o chamado PL da Dosimetria produz consequências muito mais amplas e preocupantes. As mudanças aprovadas pela Câmara desmontam pontos centrais da chamada Lei Antifacção, votada pelo Senado poucos dias antes, ao reduzir significativamente o tempo mínimo de permanência em regime fechado para chefes do crime organizado, milicianos, autores de crimes hediondos e feminicidas.
O movimento, articulado para aliviar a situação do ex-presidente Jair Bolsonaro e de oficiais-generais envolvidos na tentativa de golpe após as eleições de 2022, acaba por beneficiar também lideranças históricas de facções criminosas como o PCC e o Comando Vermelho.
O projeto reduz de forma expressiva o tempo de cumprimento da pena antes da progressão ao regime semiaberto, revertendo dispositivos endurecidos da própria Lei de Execuções Penais aprovados dias antes. Ao restabelecer como regra geral a progressão com apenas um sexto da pena, o PL cria exceções seletivas e contraditórias, deixando de fora, por exemplo, crimes contra a administração pública, a fé pública e a saúde pública — o que amplia ainda mais o afrouxamento penal em relação ao texto anterior.
O recuo é ainda mais evidente nos crimes hediondos. Enquanto a Lei Antifacção previa o cumprimento de até 75% da pena em regime fechado, a dosimetria reduz esses percentuais para faixas entre 40% e 55%, inclusive para líderes de organizações criminosas, milicianos e autores de feminicídio.
Especialistas alertam que o impacto vai muito além do discurso político: a mudança pode desencadear milhares de revisões de pena em todo o país. Um exemplo importante seria a aplicação do princípio jurídico da analogia em benefício do réu. A norma tende a alcançar condenados por múltiplos crimes, abrindo uma brecha estrutural que favorece justamente os elos mais poderosos do crime organizado e do crime de colarinho branco.
INVESTIGAÇÕES APONTAM FINANCIAMENTO E ARTICULAÇÃO
A Polícia Federal, por meio da Operação Lesa Pátria, identificou que os ataques foram precedidos por financiamento empresarial, logística organizada e apoio político.
Fonte: Polícia Federal; Ministério da Justiça; Agência Brasil.
Empresários são investigados por custear transporte, alimentação e manutenção de acampamentos golpistas em frente a quartéis do Exército.
Fonte: Polícia Federal; STF; CPMI do 8 de Janeiro.
A Advocacia-Geral da União (AGU) obteve decisões para bloqueio de bens de investigados apontados como financiadores dos atos antidemocráticos.
Fonte: AGU; STF.
CHAMADO ÀS RUAS
Após a aprovação do projeto, frentes populares, sindicatos, movimentos estudantis e entidades de direitos humanos convocaram manifestações nacionais para domingo, 14 de dezembro, sob o lema “Sem anistia para golpistas”.
Fonte: CUT; Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo; convocações públicas.
As entidades relacionam diretamente o projeto da dosimetria ao risco de impunidade dos financiadores e articuladores do golpe.
Fonte: Notas públicas das frentes; entrevistas; materiais de convocação.
CONEXÕES APONTADAS PELA CPMI
O relatório final da CPMI do 8 de Janeiro conclui que houve tentativa de golpe de Estado e aponta conexões entre articulação política, apoios institucionais e financiamento dos ataques às sedes dos Três Poderes. Senado Federal+2Senado Federal+2
A CPMI também registra a existência de financiadores (pessoas físicas e jurídicas) e determina o envio do relatório a órgãos como PF, MPF e PGR para providências. Senado Federal+2Senado Federal+2
Na investigação policial, a Operação Lesa Pátria teve fases com foco em financiadores e em suspeitos de sustentar acampamentos golpistas, incluindo empresários alvo de prisões e mandados autorizados pelo STF. Agência Brasil+2Agência Brasil+2
A AGU pediu à Justiça o bloqueio de bens de pessoas e empresas apontadas como financiadoras, com o objetivo de ressarcir danos ao patrimônio público. Agência Brasil+2Serviços e Informações do Brasil+2
No STF, a responsabilização pelos atos de 8 de janeiro foi tratada como resposta institucional necessária e já resultou em centenas de condenações, com tipificações ligadas aos crimes da Lei 14.197/2021 (crimes contra o Estado Democrático de Direito). Notícias STF+2Planalto+2
O STF também consolidou a leitura de que a cadeia de responsabilização não se restringe ao “vandalismo”, mas envolve crimes como golpe de Estado e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito em julgamentos e comunicados oficiais. Notícias STF+2Notícias STF+2
No plano político-institucional, a aprovação do PL da dosimetria foi registrada pela própria Câmara como proposta que reduz penas de condenados do 8 de janeiro, acirrando o embate entre quem defende “revisão” e quem denuncia “benefício a golpistas”. Portal da Câmara dos Deputados+2Agência Brasil+2
No Senado, a tramitação do PL foi noticiada com o alerta de que ele “também pode reduzir penas de condenados por crimes contra a democracia”, reforçando o caráter sensível do debate. Senado Federal
A DEMOCRACIA EM JOGO
A disputa em torno do chamado PL da Dosimetria não é um embate técnico isolado, nem pode ser compreendida fora do contexto das investigações e condenações relacionadas ao 8 de janeiro de 2023. Como demonstram decisões do STF, operações da Polícia Federal, ações da AGU e o relatório final da CPMI do 8 de Janeiro, os ataques às instituições foram parte de uma ação organizada, sustentada por financiamento, logística e articulação política.
É nesse cenário que setores do Congresso passaram a defender mudanças na legislação penal sob o discurso da “pacificação”. Para movimentos sociais, entidades jurídicas e parte expressiva da sociedade civil, no entanto, a tentativa de reconfigurar a dosimetria das penas após os julgamentos representa casuísmo legislativo e risco de impunidade, sobretudo para os elos mais poderosos da cadeia golpista.
As manifestações convocadas para o domingo, 14 de dezembro, expressam essa leitura crítica: ao ir às ruas, os organizadores afirmam que não há democracia possível sem responsabilização, e que a conciliação proposta por setores políticos não pode significar blindagem a crimes contra o Estado Democrático de Direito.
Enquanto defensores do PL falam em “virar a página”, movimentos sociais e entidades afirmam que não há pacificação possível sem justiça — e que reduzir penas ou reconfigurar a dosimetria equivale a normalizar a impunidade diante do maior ataque institucional desde a redemocratização. O que está em jogo, portanto, não é apenas o destino de um projeto de lei. E, sim, se o que vai prevalecer é a soberania popular ou o ecossistema de poder que articula os mais diferentes crimes no país e que tem bases sólidas no Congresso Nacional.
Alexandre Costa é responsável pelo www.esquinademocratica.com.br







