
Tenho duas amigas que não entram mais no facebook há alguns anos. Desiludidas com as acaloradas discussões político partidárias que, na maioria das vezes terminam em grosseria chegando, inclusive, às vias de fato, quando, finalmente, se torna necessário romper com a amizade ou bloquear o desafeto. Reconheço que a intolerância digital na rede social se intensificou nos últimos anos. Eu mesma já entrei nestes debates intermináveis, discutindo com gente irascível, cuja opinião jamais mudaria por conta dos meus argumentos. Enfim, o facebook pode, sim, ser tóxico e devemos ter cuidado no manejo e tempo dispensado a ele. Já foi provado: rede digital em excesso, vicia. Mas percebi, por experiência própria, que utilizado com parcimônia e inteligência pode ser uma ferramenta muito útil para rever amigos, manter contato com gente interessante e trocar conteúdos diversos com pessoas dos mais variados campos do conhecimento.
Considero as trocas de saberes fundamentais para o nosso desenvolvimento pessoal e alargamento das fronteiras do pensamento. Neste sentido, o facebook pode ser um verdadeiro banquete de ideias. Alimento saboreado em porções generosas e sem contraindicação. Sou usuária assídua há dez anos e confesso que sou fã apaixonada pela plataforma que me traz surpresas e alegrias diárias.
Minha lua em conjunção com mercúrio no ascendente em libra me fazem uma pessoa curiosa e ávida por trocar e aprender com o outro. Acho que fazem bem ao meu sol em escorpião, cuja tendência ao isolamento, introspecção e profundidade, talvez, me consumisse sem a leveza própria dos elementos aéreos que vêm em meu auxílio. Gosto de gente, gosto de como cada um pensa, de como se expressam e vivem a sua vida. Essa riqueza da fauna humana sempre me fascinou e me intriga até hoje. Não por acaso, sou atriz, e não há nada mais deslumbrante e misterioso do que o caráter e a personalidade humana. Em todos os seus aspectos e sua variedade tão impressionante, como as estrelas no céu, não me canso de olhar e aprender com elas. A raça humana, apesar das suas doenças, perversões, abismos e dimensões diabólicas é de uma complexidade maravilhosa e digna de apreço. Talvez eu escreva poesia e crônica por necessidade. Transformo a minha vivência e percepção da realidade em texto ou, pelo menos, procuro transformar em estética toda a dor e a delícia de me reconhecer humana. Com minhas qualidades, defeitos e idiossincrasias, como qualquer outra. E, por isso, me identifico com a fauna diária do face quando transito interagindo com os meus amigos, conhecidos e ilustres desconhecidos. Também devo ser um bicho ou ave rara, tanto quanto qualquer um deles.
Já experimentei o linkedin, mas, além de dificílimo de manejar, me pareceu como se eu tivesse entrado num labirinto, como numa fila de espera com a ilusória promessa de inclusão num catálogo de um clube restrito e, estranhíssimo, mas que nunca chega a sua vez. E você fica ali mofando naquela prateleira fria e inóspita. Fugi para nunca mais voltar. Volta e meia, ainda me enviam uma mensagem através do e-mail, dizendo que o meu perfil foi visualizado por três pessoas naquela semana. Me sinto como uma escrava à espera de um senhor Marciano que reconheça a minha bela dentadura e a musculatura firme, me dando a chance de um trabalho provisório em Marte. Simplesmente bizarro.
Ao longo dos anos assisti a uma série de despedidas, de gente desanimada com o facebook e vários amigos migrando para o Instagran. Muitos, aliás, me recomendaram como sendo um lugar onde todos são muito mais vistos, há muitas fotografias, pouco texto e possui um imenso poder de penetração. Confesso que minhas expectativas foram frustradas. Achei muito mais complicado de utilizar, com muito menos recursos de postagens do que o face e, justamente, com uma escassez de texto, de ideias. Resumindo, não abandono o meu torrão do facebook por nada e descobri que estou ali por conta dos textos, das opiniões convergentes e divergentes das minhas e pela possibilidade de ler matérias de jornais, revistas, filmes, assistir “lives” e acessar conteúdos incríveis dos jornalistas Bob Fernandes, Moisés Mendes, Eliane Brum, Márcia de Almeida, Lelei Teixeira, Alexandre Costa, Marco Lacerda, Luiz Gonzaga Lopes e Fátima Torri. Ler os textos maravilhosos do psicanalista Abrão Slavutzky, da cronista e poeta Martha Medeiros, da escritora Cintia Moscovich, do ator e cronista Roberto Camargo, do marchand Renato Rosa, do cineasta Carlos Gerbase, da jornalista Claudia Laitano e dos professores Luiz Augusto Fischer e Francisco Marshall entre outros. Ler os poemas do Mário Pirata, Liana Timm, Ines Lembek, Celso de Alencar, Raquel Naveira, Adriana Azenha, Leca Machado e Natália Barros. As recomendações literárias da Tânia Carvalho e do Luiz Fernando Leães. Curtir as pinturas da Graça Craidy, Maria Tomaselli, Clara Pechansky, Simone Bernardi e do Pena Cabreira. Morrer de rir ou chorar com as charges geniais do Celso Augusto Shröder, Santiago Neltair Abreu e Edgar Vasques. Se deliciar com as lives literárias do Sérgius Gonzaga, do banquete oferecido em mais de cinco atrações semanais pela RED - Rede estação Democracia, da qual eu contribuo com o Estação Prata da Casa. Rir e aliviar a dor com as atuações da Keila Mallman, Sofia e Wilson feitas pela Ilana Kaplan, as performances impagáveis de Antônio Carlos Falcão e as loucuras e irreverências da Claudia Campolina. Me comover com os vídeos poemas do Fernando Vieira, Gabriel Guimard, Patrícia Gaspar e a Renata Melo. Me divertir à beça com as mais de 300 tias do ator e diretor Zé Adão Barbosa, as canções da Renata Maciel e Livia La Gatto os memes e piadas de tantos amigos. Assistir aos programas excelentes de Juliana Wolkmer sobre a história do Teatro Gaúcho. As colunas astrológicas da Amanda Costa e do Oscar Quiroga. Me encantar com as obras da artista visual Zoravia Bettiol, as esculturas do Irineu Garcia e Gustavo Nakle, dos espetáculos do Grupo Sobrevento da Sandra Vargas e do Luiz André Cherubini, do Gerald Thomas e tantos colegas em todo o Brasil. Ouvir as músicas de Laura Finocchiaro, Nei Lisboa, Bebeto Alves, Glau Barros e Totonho Villeroy. Passear pelas alamedas floridas nesta primavera festiva nos faz acreditar que esse país tem jeito apesar de tudo. Olhar as fotos da gente batendo panela ou lotando as avenidas para pedir pelo impeachment do Bolsonaro em tantas manifestações é outra dos prazeres oportunizados em rede. Como vêem, há mais vida inteligente e palpitante na rede do que sonha a nossa vã filosofia, parodiando o bardo. Outra coisa boa é rever amigos por novas fotografias e recordar momentos inesquecíveis. Ver como ficarão grandes os filhos e filhas dos outros e se espantar como os meus cresceram e estão tão diferentes. Mas dentre tantas coisas boas, o mais importante para mim é receber o carinho de centenas de amigas e amigos por algum poema ou crônica postada e depois ler com prazer cada uma das considerações. Responder cada um e desejar profundamente que possamos nos reencontrar ao vivo. Outra coisa que eu amo fazer é escolher uma imagem específica para os aniversariantes do dia, passar na sua linha do tempo e desejar saúde, amor, alegria, boa companhia, inspiração e arte! Pois de alegria e prazer é feita a vida, e com amor e generosidade se torna melhor e aprazível viver. Desejo a todos exatamente isso e que apesar das diferenças, ou melhor, justamente por causa delas, a gente siga caminhando de mãos dadas. Um beijo enorme, Nora.
Porto alegre, 17 de setembro de 2021.
(*) Nora Prado é atriz, poeta, professora de interpretação para Teatro e Cinema, atuou na Escola das Artes do Palco - SP.