Ser feliz é complicado, bem mais fácil é sofrer, por Paulo Gaiger*
- Alexandre Costa

- 16 de ago. de 2024
- 3 min de leitura

Quando abriu a porta com todo o cuidado, Yasmim viu que sua mãe ainda se encontrava lamentando a enxaqueca que a perseguia desde o divórcio. A mãe que protegia a cabeça entre os dois travesseiros a pressentiu: “Yasmim? Que tu queres?”, e sem abrir os olhos, completou com enfado, “Por favor!”. Yasmim ficou na porta imobilizada em seus catorze anos. Só queria saber se a mãe precisava de algo. “Sai e fecha essa porta! Ai, pelo amor de deus, não me incomoda!” Sentia uma dor de cabeça do cão e tudo o que queria era que sua filha sumisse, a única coisa que restou de seu casamento e da vergonha da separação acontecida há dois anos. Por outro lado, o único lado bom, pois era a única forma de rever seu ex-marido e lhe fazer cobranças. Permaneceu deitada ajeitando o travesseiro sobre a face voltada para cima. Algo ao longe lhe dizia que o melhor a fazer era levantar-se e dar atenção a Yasmim. Desde o divórcio, havia adotado a enxaqueca como a parceira substituta e multiuso que servia para dar o pretexto às suas queixas, infelicidades, esperanças repisadas e justificar a total inação. Sair da cama e de casa eram desafios que a fariam repensar e responsabilizar-se da vida, coisa para as quais não havia sido preparada e não tinha mais idade nem tempo, julgava. Ao marido, depois do próprio pai, cabia esta tarefa de presentear pequenas alegrias à esposa e dar-lhe sopros de vitalidade e serventia. Em sua ausência, era preciso seguir o manual, deixando-se abater pela tristeza imensa do abandono e da injustiça, mostrando ao mundo que ela, esposa preterida, aguardaria por toda a vida que nunca foi sua, o regresso do marido como prova de amor único e definitivo. Este era o tema preferencial quando das visitas das poucas amigas solidárias porque vivendo uma condição semelhante: falava do ex-marido com a intimidade de que certamente o tinha ainda dentro de casa, o de sempre e sem o ex, e de que era uma questão de tempo contado para a volta ao lar. Se não por ela, pela filha que ele tanto amava. Enquanto isso não acontecia, não por seu desejo ou desejo do marido, que este, segundo suas suspeitas, estaria arrependido e louco para retornar à verdadeira família e a provar de seu arrozinho e de seu macarrão, mas não o fazia pelos ciúmes doentes da outra, a cachorra intrometida. As promessas no altar não poderiam ser anuladas nunca, mesmo com a infelicidade tomando conta de todos os espaços e tempos de convivência. A família tradicional deveria ser preservada a qualquer custo. As mulheres devem obediência aos maridos e devem nutrir o amor mesmo depois de puladas de cerca e, se acontecer, até de uma separação. As amigas de lamúrias admiravam sua renúncia e sacrifício. Sim, deixar de ser mulher e converter-se em esposa termina quase sempre anulando a primeira e santificando a segunda. O que pode significar isso? A modorra da mãe de Yasmim é o peso da auréola. Ser feliz é complicado, bem mais fácil é sofrer, diz a canção do Nico Nicolaiewsky que ela nunca ouviu. É vero, é fácil ser infeliz, culpar os outros e queixar-se da vida que não se quer assumir. A beleza da vida exige esforço e não homilias e promessas. Ela, em um dia de revolta, chegou a pensar em deixar a letargia, abrir os olhos, reencontrar a mulher que acreditou poder ser um dia, mas iria se queixar do que e de quem? Yasmim fechou a porta com cuidado e refletiu com decisão: “nunca vou querer isso para mim”. E sem que sua mãe suspeitasse, ligou para a sua namorada para irem ao parque e aproveitar a tarde de sol.








