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RINGO, POR PAULO GAIGER (*)


Minha mãe sempre dizia pra eu não dar conversa pra estranhos, ficar de tralalalá. Estranhos para a minha mãe, provavelmente, eram as pessoas dissimuladas, lobo em pele de cordeiro, pregadores de calças curtas, que eram uma ameaça. As advertências para minhas irmãs eram bem mais contundentes, o lobo dissimulado, o tarado que distribuía caramelos, o pastor com uma Bíblia na mão e o pau na outra, poderiam estar em qualquer esquina. Ser mulher nunca foi fácil em territórios tomados pela aridez masculina, onde meninas estupradas são acusadas de assassinas por pedirem na justiça o direito ao aborto. Já quando jovem, aprendi a não aceitar convites para cafezinhos, jantas ou almoços com pregadores da família, da moral e dos bons costumes. Nem abria a porta para quem se dizia enviado de Jesus ou de Deus. Xô, satanás! Aí tem coisa! A cautela, o olhar mais atento e os latidos do guaipeca, então, não permitiram que adentrassem em nossa casa terroristas, ladrões de colarinho branco, malfeitores, abusadores, estúpidos, vendedores de lugares no céu ou de seguro, defensores da ditadura, gente ruim e esperta. Quando adulto é que me dei conta de que a gente ruim e esperta, de fato, é muito mais ruim e esperta do que registrei em minha memória e imaginação. Daquelas coisas dificilíssimas de entender, como uma meta-realidade que corre por fora da realidade, essa mesma, cotidiana, que nunca sabemos exatamente como é, se é ou se está sempre sendo. Poucos anos atrás, movimentos religiosos, capitaneados pela pastora e ministra Damaris, se escabelaram porque a justiça autorizou o aborto em um caso de uma menina violentada. E pelo tio. Não foram pra frente da casa do tio estuprador, foram pra frente do hospital e difamaram os médicos e a menor nas redes o quanto puderam. Na campanha pró-armamento de Bolsonaro, muitos de seus fiéis postaram fotos dos filhos pequenos empunhando fuzis e pistolas. Os movimentos religiosos, em nome de Jesus, a paz do mundo, calados em sua mediocridade e esperteza. Gente com o coração cheio de pus. Tempos antes, no governo Lula, o terrorista italiano Battisti recebeu o status de refugiado político. Algo sem noção. Um caso nebuloso que gerou apoios, controvérsias e protestos. Como assim, acolher um assassino? Hoje, está na Sardenha, desfrutando da prisão perpétua e escrevendo livros. Os inimigos de Lula ainda colocam o dedo em seu nariz acusando-o de proteger bandidos. Ok! Ao debate! Pela metade dos anos 80, o plano terrorista Beco sem Saída, que foi desenhado para explodir adutoras do Rio de Janeiro, não alcançou o objetivo sonhado. Felizmente. Com vários casos de indisciplina e deslealdade no exército, o mentor do ato terrorista, curtiu apenas 15 dias de xilindró e foi absolvido pelo STM, corporativamente atuante, e aposentado/reserva do exército, como capitão, aos 33 anos, levando o soldo de R$ 10.000,00, que é o que importa. Você se imagina aos 33 anos com essa grana caindo na conta bancária sem precisar mais trabalhar? Aproveita a praia. O próprio projeto de terrorista, frustrado e irado, se lançou na política e ao longo de quase 30 anos, nada fez. Apresentou projetos mal elaborados e sem fundamento. Em 2018, foi eleito presidente, sem projeto e sem alicerce, a não ser os gritos pela família, armas, contra a corrupção, contra gays, trans, negros e mulheres. Battisti teria muito o que aprender se quisesse ser um nota 17. Um dos filhos comprou uma casa de 6 milhões, embora receba um salário de aproximadamente R$ 25.000,00 como senador. Se você recebe um salário de R$ 5.000,00, faça as contas do valor da mansão que pode adquirir. Uma regrinha de três. A gente sempre pode aprender a fazer bons negócios com a quadrilha do Planalto. Dilma era a presidente na época do mensalão. Alguns de seus colegas de partido foram pra trás das grades. No entanto, Dilma não fez uso da prerrogativa presidencial de indultar quadrilheiros. Bolsonaro indultou seu parceiro de delinquência, Daniel Silveira. Os fiéis nem vergonha têm, porque o mito não sofre de remorso, nem sabe o que é autocrítica. Bandido profissional, a sangue frio. Na minha casa não entrava bandidos. Bueno, tínhamos um guaipeca, chamado Ringo, em homenagem ao baterista Beatle. Já faleceu faz muitos anos. Ele não pode estar aqui, em 2018, para avisar de que os bandidos tomariam conta do país. Ringo farejava as meta-realidades e a gente ruim com o coração cheio de pus..


(*) Paulo Gaiger é Artista professor do Centro de Artes – UFPel

 
 
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