O TROPICALISTA GLAUCO RODRIGUES, POR NORA PRADO (*)
- Alexandre Costa
- 1 de jul. de 2022
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Ontem à noite, na Casa de Cultura Mário Quintana, por ocasião da abertura da mostra, ARTISTAS VISUAIS NA TELA, evento realizado pelo Instituto Zoravia Bettiol, com apoio da Cinemateca Paulo Amorim e curadoria do fotógrafo Gilberto Perin, tive o prazer de apresentar o longa-metragem “GLAUCO DO BRASIL”, do cineasta Zeca Brito. Por razões alheias à vontade do instituto e, sua presidente, Zoravia, não foi possível apresentar o curta-metragem ALIENADOS, da cineasta Marta Biavaschi. A sessão de estreia, na sala Eduardo Hirtz, contou com a presença de Rosane Moraes, Daniela Salet, Ines Pagnocelli, Miguel Rossetto e Glênio Póvoas, além do jovem cineasta, Zeca Brito, entre outras personalidades do meio cultural gaúcho.
Bem, feitas as honras da casa, me detenho ao recorte da obra e da vida do pintor, Glauco Rodrigues, proposto por Zeca Britto. Impossível falar do primeiro, sem citar o segundo. Pois desse inusitado destino, que Zeca constrói a sua narrativa singular. Com o seu aguçado senso de observação, de jovem cineasta, brincando de entrevistar o ilustre convidado da família. Glauco Rodrigues, nascido e criado em Bagé, mas morando no Rio de Janeiro, passava férias no interior gaúcho matando a saudade dos amigos queridos. Não por acaso, a imensidão gaudéria do pampa é semelhante ao mar sem fim. Com suas tonalidades azuladas no inverno, rigoroso, e amareladas no verão abrasador. Mas a pampa latino-americana é essencialmente verde. Das raízes profundas até as folhas das copas das figueiras. Viver na pampa gaudéria, congelando no inverno e torrando no verão, nunca foi para os fracos. Tampouco para as criaturas mais sensíveis, cuja natureza, suscetível, precisa de sol e calor para desabrochar. E Glauco tinha sede da agitação da cidade grande, da vida cultural cosmopolita que, certamente, conheceu através da literatura. Desejava, simplesmente, ampliar os seus horizontes feito marinheiro, ávido por desbravar fronteiras e chega ao novo mundo através do mar real.
E assim, semelhante à Carlos Drummond de Andrade, Érico Veríssimo, Vasco Prado e os seus colegas do Clube da Gravura, ele decidiu se aventurar no mundo. Seguiu o chamado da metrópole, das ondas do rádio e das imagens das telas de cinema, indo em direção à capital cultural e política do Brasil, na época. Com sua diversidade, riqueza e pluralidade de uma vida, verdadeiramente, cosmopolita. Glauco apenas nasceu no interior, na província, mas jamais foi um “provinciano”, no sentido pejorativo do termo.
Homem de feições bonitas, aparentemente, manso e com uma capacidade de concentração impressionante virou o Brasil de ponta cabeça revelando o que seria um processo da carnavalização. É o mais figurativo dos pintores e ao mesmo tempo o mais abstrato de todos. Revelou o Brasil para mim, que sou filha de artistas, mas só o conhecia de ouvir meus pais falarem e, da capa do disco do João Bosco, “Galo de Briga”. Essa intrigante capa me chamou atenção pela vitrine. Eu andava distraída pelas calçadas da Rua da Praia, no centro de Porto Alegre. Depois de admirar as roupas, exuberantemente, expostas na vitrine da Falk`s, parei em frente ao lançamento mensal da loja. Naquela semana o Galo de Rinha bombava na rádio e me hipnotizou.
Eu também sou provinciana, e me comovi às lágrimas, ouvindo a trilha sonora magistral do mestre João Bosco.
É melancólico pensar que, um artista da grandeza de Glauco Rodrigues, seja lembrado apenas pelas suas capas de livros, discos ou através do depoimento de artistas, como o escritor Luiz Fernando Veríssimo, ou dos saudosos Ferreira Gullar e Camila Amado. É triste desconhecer a própria história, ficando à mercê de um estado omisso e ignorante dos próprios valores.
Glauco Rodrigues só é um mistério para nós, brasileiros subdesenvolvidos. Sua obra monumental segue sendo admirada e celebrada no exterior, especialmente. É vergonhoso para mim, inclusive, que Glauco Rodrigues, um dos maiores pintores brasileiros, cuja carreira luminosa, tão bem retratou as mazelas e desgraças brasileiras, seja considerado um “mistério”. Seu legado a partir das areias de Copacabana, Leblon e Ipanema, entre outros pontos turísticos do Rio de Janeiro, e os seus personagens antológicos, moldou para sempre o inconsciente coletivo brasileiro.
Vale a pena conferir esta aula de História do Brasil, através do ponto de vista de um rapaz latino-americano, de 36 anos, que levou anos tecendo essa joia primorosa. A atriz, Camila Amado, que o diga, pois comprou a exposição inteira, numa retrospectiva do Mestre, quando poderia ter comprado um novo apartamento. O poeta Ferreira Goulart, testemunha ocular da história e um dos admiradores da obra de Glauco Rodrigues, sentenciou perfeitamente: "Glauco Rodrigues foi o primeiro grande tropicalista. Antes de todos e sem, nem, saber o que seria isto." Nora Prado.
(*) Nora Prado é atriz, poeta, professora de interpretação para Teatro e Cinema, atuou na Escola das Artes do Palco - SP.