O HOMEM QUE SOU EU, POR PAULO GAIGER (*)
- Alexandre Costa
- 19 de nov. de 2021
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Nossa sociedade da moral e dos bons costumes, dos homens de bem, dos falos de Camboriú, do Jesus de Encantado, das réplicas baratas da estátua da liberdade, das tradições, dos crentes em deus-pai todo-poderoso, do desmatamento e das startups, autoriza e naturaliza a piada sexual, o toque não consentido, o assédio, a olhada raio-x, o fsssssssssss, os elogios babões, a invasão, o preconceito: ó, menina, estás nos trinks; se fosses solteira, eu te pegava; que peitos; essa bunda é de parar o trânsito; só em te ver tive uma ereção; bati uma punheta pensando em ti; como uma gostosa como tu ainda está solteira; se está bebendo sozinha é porque quer companhia e tá louquinha para dar; andando na rua sem companhia, tá pedindo; aquela dá pra todo mundo, uma piranha; com essa minissaia, nem pode se queixar depois; tu não entende nada; não tem porquê saíres se podes ficar comigo; tuas amigas são umas idiotas; teus amigos só querem te comer; uma mulher linda como tu tinha que ficar em casa; o feminismo é coisa de mulher mal comida; tu precisa de um homem ao teu lado; não vai dar pra mim? Vagabunda, freezer; cabeluda, sapata, feminazi, o que faz a falta de um pau; que boceta linda, eu chupava; tu precisas é de um caralho no meio das pernas, putinha; se tem dia internacional da mulher, tinha que ter dia internacional do homem; cotas para mulheres, onde já se viu; mulher é bicho burro; amor, nós já falamos sobre isso; não vais sair com essa roupa, de jeito nenhum; reparou que teu filho é a minha cara, gostosinha; prefiro duas de quinze a uma de trinta; mulher que chupa o meu pau eu não beijo; se tu me ama, é sem camisinha; tu vais ser a mãe dos meus filhos; ter uma filha é mau presságio; tu nem merece ser estuprada de tão feia; mulher bêbada tá pedindo pra ser estuprada; abre a porra dessas pernas, sou teu marido; quanto mais filhos, mais a vagabunda fica em casa; a mulher foi feita para servir o homem; cala a boca que tu só fala besteira, sua idiota; é uma potranca; vaca, tu é uma vaca; oiê, pra que tanta raiva se eu só fiz um carinho na tuas tetas; mal amada; mulher que sai dando não serve para casar; gorda, escrota; quando tu crescer vou comer a tua bundinha; piranha, gosta de dar o cu; esse papo de empoderamento é coisa de mulher histérica... a lista de obscenidades não tem fim. Mas a sociedade orgulhosa de seus valores cristãos, não só autoriza e naturaliza as diversas formas de violência contra as mulheres, como protege os babacas. Temos um presidente babaca e imbecil. Raramente um homem tem a coragem de enfrentar um babaca que diz merda para uma mulher: só foi uma brincadeira, uma piada de mau gosto. Solidariedade entre medíocres, imbecis e covardes. Não é de hoje, vem de muito tempo. Uma força tarefa das igrejas, dos Estados e do capitalismo nascente para o emudecimento, desprezo e submissão das mulheres. Queimadas e torturadas em praça pública, perseguidas até a morte. Deus e terror. Leiam os livros “O homem infelizmente tem que acabar, da Clara Corleone, e Mulheres e caça às bruxas, da Sílvia Federici. Mas o pior, o pior mesmo, é que muitas vezes me vejo ainda entre os homens babacas. Triste!
Paulo Gaiger é artista professor do Centro de Artes - UFPel