O desgoverno Bolsonaro inaugurou a escuridão no Brasil em todos os setores. Mas a educação pública brasileira talvez seja o segmento que mais acumula ataques, críticas estapafúrdias, desprezo e ignorância por parte daqueles que deveriam pensar a educação. Esses quatro últimos anos têm passado tão devagar que temos a sensação de que estamos vivendo uma nova Idade das Trevas.
Tenho convicção de que retrocedemos, no mínimo, 70 anos. Nunca antes na história desse país se viu um descalabro tal com o segmento educacional.
Se durante a época de FHC vivemos a influência direta do neoliberalismo advindo do Thatcherismo britânico, que chegava atrasado uma década pelas terras tupiniquins, pelo menos sabíamos contra o quê lutávamos. Tínhamos argumentos, dados, estudos, nos contrapondo à privatização do ensino público e ao gerencialismo tecnicista imposto pelo Banco Mundial e FMI.
Agora, a educação vive uma ‘espiral da morte’. Um sufocamento progressivo por todos os poros da educação, a começar pela escolha dos ministros. O desprezo pelo setor é tanto, que todos os escolhidos para chefiar o Ministério da Educação parecem saídos de um filme de horror. O primeiro nem brasileiro era. O segundo era mal-educado, falastrão e desequilibrado. O terceiro fraudou currículo. O quarto é mais afeito à fé do que aos livros. Nenhum deles tinha a mais remota ideia do que fazer no MEC. Nenhum deles sequer trouxe propostas, programas ou projetos para melhorar o que já tínhamos construído. Não estudaram números ou estatísticas da educação pública brasileira. Para quê, não é? Já que o único objetivo é destruir o que já foi realizado anteriormente.
Os números não mentem. Ao invés de cortar dinheiro do tal orçamento secreto (que é um escândalo), o governo se especializou em cortar verbas da educação, ciência e tecnologia. Só no MEC, se compararmos os anos de 2014 e 2022, o orçamento se equivale em números. Em 2014, o orçamento da educação era de 126 bilhões e em 2022 será de 127 bilhões. Em 8 anos, não houve sequer o reajuste inflacionário. Se levarmos em conta a corrosão do valor de compra do real (a inflação do período foi de aproximadamente 57%, com ênfase nesses penosos últimos anos), teremos um processo de encolhimento orçamentário, significando que os recursos deste ano serão menos da metade do que foram em 2014.
Mas avancemos além dos números. Qual foi a política pública vinculada ao mundo educacional nos últimos quatro anos? A única, mais relevante, da qual consigo me lembrar é a da Escola Cívico-Militar. Uma fraude marqueteira com as pessoas mais humildes, que caíram na ilusão de que essas escolas se equivalem em termos de qualidade às verdadeiras (as que possuem professores com dedicação exclusiva, com mestrado e doutorado e mantidas com um orçamento razoável do governo federal). Na realidade, o que o desgoverno federal faz é intervir diretamente nas escolas estaduais e municipais, aparelhando a instituição com militares ou policiais militares aposentados, na tentativa de interferir pedagogicamente no currículo e no que chamam de comportamento esquerdista dos professores (como se eles não tivessem sido eleitos por muitos desses). Uma mentira e outro escândalo. E por falar em intervenção, como classificar o descaso com as universidades federais? A nomeação de interventores que se especializaram em perseguir servidores e descontruir suas lutas e conquistas é um desvario.
Se a Covid-19 permitiu que as pessoas comuns compreendessem minimamente a importância do SUS, na seara educacional ficamos reféns de um governo sem política, sem rumo e sem liderança, investindo de autoridade os boçais contra o serviço e os servidores públicos. O MEC esqueceu (contém ironia) que as instituições federais de ensino foram responsáveis pelas pesquisas de ponta durante a pandemia. Fez de conta que não trabalhamos incansavelmente em projetos de extensão para poder levar conhecimento, suporte alimentar, psicológico e financeiro às famílias de nossos alunos no país. Desconsiderou o esforço dos nossos professores e servidores (em todas as esferas) para se adequar ao ensino remoto, mesmo sem condições técnicas ou pedagógicas para tal.
O cenário é esquizofrênico e desolador em todos os níveis e modalidades da educação. Tenho conversado com muitos, do setor público e privado. Todos eles desanimados e desencantados com o momento que vivemos. Não sobrou pedra sobre pedra, como profetizou Dilma Rousseff. Na verdade, não sabemos sequer contra o que estamos lutando, tamanha a ausência de teorização e concepção.
Contudo, esta é a hora de termos força e de nos posicionarmos mais enfaticamente. É preciso um iluminismo à brasileira. É preciso trazer a esperança. É preciso fazer com que as pessoas sonhem novamente com o futuro. Este é o nosso chamado à ação. Temos uma missão como professores e servidores da educação, ampliarmos nossa base de apoio no Congresso Nacional e voltarmos ao tempo em que a educação era investimento e não uma despesa.
(*) Claudia Schiedeck - foi a primeira reitora do IFRS (2008-2016), coordenou a Câmara de Relações Internacionais do CONIF, possui doutorado em Educação e pesquisa a internacionalização da educação.