
Francisco Walter Correa Pereira conhecia a floresta amazônica, foi seringueiro, como Chico Mendes, e, também, poeta. Poeta de cordel em meio aos seringais dos tempos de muito atrás. Cheguei a uma de suas escritas através da Conceição, sua filha, quando Fabi e eu estivemos por alguns dias vivenciando, respirando e nos encantando com a beleza da floresta na sua pousada no meio da mata, às margens do rio Tupana, em meio aos igapós. Conhecer e sentir a Amazônia, mesmo virtualmente, tinha que estar nos programas de ensino, quase como uma obrigação escolar desde o fundamental até a colação de grau na universidade e podendo seguir o barco. Fosse assim, dificilmente alguém defenderia as queimadas, o garimpo irresponsável e contaminador de rios, a invasão de aldeias indígenas, a banimento das comunidades ribeirinhas. A floresta é ameaçada dia e noite pelas políticas ambientais nocivas do governo federal, pelas barragens, pelos garimpos devastadores e genocidas, pelas madeireiras, por boa parte do agronegócio. Os interesses privados e predatórios privilegiados por sucessivos governos. Que se danem os igarapés, os igapós, a fauna, os biomas, a biodiversidade, os habitantes que não dão lucros. Se o poder do capital se nega a respeitar e compreender o horizonte de vida de indígenas, ribeirinhos e demais povos da floresta, ele impõe em sua crueldade institucional a difamação, a expulsão e o extermínio. Gente, a beleza que nós vimos e vivemos não pode ser destruída. No cordel “A vida de um seringueiro”, Francisco conta de seu olhar em 40 estrofes de 6 versos. Compartilho alguns recortes: “Nasci na grande floresta, brinquei, lutei, fui feliz. (...) Seguia ao romper da aurora, na vida dos seringais, cortando árvore por árvore no meio dos matagais. (...) Solitário na floresta, no meio da solidão, tirava do peito um grito, rasgando a imensidão, procurando um companheiro para comunicação. Aqui, acolá, um grito, o que outro respondia. Dentro daquelas montanhas, embaixo da mataria, ouvir grito um do outro, pra nós, era alegria. (...) A floresta era o meu mundo, o Juruá, a minha estrada, esse rio sinuoso de muitas encruzilhadas, que se tornava tão belo com o cântico das passaradas. (...) Quando chegava o domingo, em vez de culto e orações, íamos remar várias horas, puxar cisgas e varejões, para levar nossa borracha para a casa dos patrões. (...) O patrão representava o Senhor da região, era padre, juiz, médico e tabelião, delegado justiceiro daquela população. (...) Como uma sociedade, tinham força e união, elegiam mandatários, governos da região, era o voto do curral que eles tinham nas mãos. (...) O nosso irmão nordestino abandonou o sertão. Ao chegar no amazonas, viu que tudo era ilusão. (...) O progresso foi chegando. Trouxe a devastação, destruindo o que era belo em forma de opressão. (...) Os famosos seringais foram todos abandonados, transformando a floresta em campo dos desolados, onde o homem sem destino foi sempre discriminado. (...) Hoje eu vejo com tristezas como está o interior. E me lembro, com saudades, do tempo que se passou. Ficando só as lembranças de tudo que terminou / Agora fico esperando a última luz se apagar. E dou adeus à floresta, pensando no que vai restar desse belo santuário, onde eu tive o meu lar”. O poeta seringueiro faleceu em 2017. Sua neta disse que o avô deixou muita coisa escrita que é preciso conhecer. Os dias vividos na pousada da Conceição serão inesquecíveis: sem sinal, às vezes, sem luz (gerador), mas com uma acolhida e generosidade sem igual. Como é a floresta onde correm os rios em seus silêncios de beleza e abraços.
Paulo Gaiger é artista professor do Centro de Artes – UFPel (*).