Nesta terça-feira (8/12) faz exatamente mil dias que a vereadora Marielle Franco (Psol) e o motorista Anderson Gomes foram assassinados no Rio de Janeiro. O crime ocorreu na noite de 14 de março de 2018 e teve repercussão mundial. No entanto, as investigações do caso que chocou o Brasil demonstram que a solução para identificar os autores, os possíveis mandantes e a motivação do crime, esbarram em interesses difusos. Marielle e Anderson sofreram uma emboscada na Rua Joaquim Palhares, bairro do Estácio, região central da capital fluminense. O carro em que estavam foi abordado por outro veículo e alvejado por vários disparos, que atingiram a vereadora e o motorista.
As dificuldades para elucidar o crime, os erros primários e inexplicáveis, além do desleixo em relação a provas que seriam fundamentais na investigação são alguns dos temas analisados no livro-reportagem Mataram Marielle. Os jornalistas Chico Otavio e Vera Araújo, de O Globo, analisam os bastidores da investigação mal conduzida. Recém lançado, o livro não traz os nomes dos responsáveis pelo crime, mas descreve os bastidores da investigação policial descrita “como quase amadora”, repleta de erros primários e com desperdício de provas potencialmente reveladoras.
NOVAS PISTAS
O jornal O Globo publicou matéria contendo novas pistas para o caso. Na emboscada, foi usado um Chevrolet Cobalt clonado e os investigadores descobriram que Eduardo Almeida Nunes de Siqueira, morador da Muzema, favela dominada pela milícia, clonou um veículo do mesmo modelo, entre janeiro e fevereiro de 2018. Além disso, outro fato que chama a atenção é que o advogado Bruno Castro, que representa Siqueira, é o mesmo que atua para o sargento reformado da Polícia Militar Ronnie Lessa, acusado de executar Marielle e Anderson. O jornal faz uma importante associação, revelando que em depoimento prestado à Delegacia de Homicídios (DH), em 2018, Siqueira havia dito que clonou um carro igual ao usado no crime, mas as afirmações “foram esquecidas no processo”. Eduardo “não sabia informar” se o carro tinha sido utilizado no assassinato, mas viu grande semelhanças com o veículo que clonou.
SUSPEITOS
A polícia do Rio segue outras linhas de investigação. Uma das versões acredita que o ex-bombeiro, ex-vereador e miliciano Cristiano Girão ordenou a morte de Marielle, com o objetivo de se vingar do deputado federal Marcelo Freixo (Psol). Girão era um dos nomes na lista da CPI das Milícias, em 2008, presidida por Freixo. O miliciano ficou preso até 2017, um ano antes do crime. O ex-bombeiro diz que possui um álibi, mas o Ministério Público solicitou ao Google o fornecimento da localização de Girão no momento do crime. O MP aguarda o julgamento de três recursos extraordinários no Supremo Tribunal Federal (STF). O Google recorreu da decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que determinou o fornecimento de informações às autoridades fluminenses. Em março de 2019, Lessa, de 48 anos, e o ex-policial militar Élcio Vieira de Queiroz, de 46, foram presos. A força-tarefa que levou à Operação Lume diz que eles participaram dos assassinatos de Marielle e Anderson. Segundo as autoridades, Lessa efetuou os 13 disparos, enquanto Élcio dirigia o Cobalt.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO RJ A investigação do caso Marielle não chegou a uma conclusão sobre a existência ou não de um mandante, mas revelou uma estrutura sólida de atuação de milicianos e assassinos de aluguel no Rio de Janeiro. O Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio entrou na apuração do crime em setembro de 2018 e conseguiu, enquanto procurava os assassinos, investigar e prender integrantes da milícia mais antiga do país - de Rio das Pedras, Zona Oeste, e comprovar a existência do Escritório do Crime, grupo de assassinos de aluguel por trás de diversos homicídios não esclarecidos no Rio. O grupo se reunia em uma padaria em Rio das Pedras chamada “Sabor da Floresta” e acertava como executar seus alvos.
Foram essas apurações que jogaram luz sobre nomes como o do ex-PM Adriano Magalhães da Nóbrega, apontado como responsável por unir o comando da milícia à participação em grupo de extermínio. Alvo principal da Operação Intocáveis, deflagrada em janeiro de 2019, ele foi morto em uma operação na Bahia, neste ano, e virou assunto nacional quando vieram à tona as informações de que ele empregou parentes no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro na época em que, segundo o MP, existiria um esquema de desvio de dinheiro (as “rachadinhas”).
LIGAÇÕES PERIGOSAS
As duas investigações se conectaram. Foi durante o cumprimento de um dos mandados de busca e apreensão da Intocáveis, que mirou a milícia de Rio das Pedras, que foram encontradas, em um celular, mensagens usadas como prova do esquema das rachadinhas. A conversa é da ex-mulher de Adriano e ex-funcionária de Flávio Bolsonaro, Danielle da Nóbrega, com Fabrício Queiroz, apontado como “operador” do esquema das rachadinhas. Amigo e policial ao lado de Queiroz, em vida, Adriano fez fortuna com fazendas, cavalos e imóveis - objeto de disputa familiar e alvo de outras investigações ainda em curso.
PRIORIDADE A Polícia Civil prendeu dois suspeitos de terem atirado contra as vítimas. Os ex-policiais militares Ronnie Lessa e Élcio Queiroz foram presos em março de 2019. Até agora, no entanto, as investigações não conseguiram identificar se houve um mandante, quem seria essa pessoa e quais seriam suas motivações. Por meio de nota, a Polícia Civil informou que as investigações da Delegacia de Homicídios da Capital continuam. A nota diz ainda que a elucidação dos assassinatos de Marielle Franco e de Anderson Gomes “é uma das prioridades da atual gestão”.