top of page
Foto do escritorAlexandre Costa

Homa Dulcis Pelothensis, por Paulo Gaiger*

Duas descobertas realizadas por cientistas das Universidades de Hebei GEO University, Universidade de Tel Aviv e Universidade Hebraica de Jerusalém estão a balançar os alicerces dos percursos e evolução humanas. Quem sabe, a partir disso, os cientistas irão desvelar a razão pela qual, embora tenhamos a arte, o parafuso, a ambrosia, o smartphone e o livro à mão, ainda alimentamos xenofobias, misoginias, racismos, homofobias, bolsonaros e atrasos evolutivos humanos que deixariam a bisa australopithecus de pelos em pé de tanta vergonha se ela soubesse o que netos e netas vêm fazendo com a humanidade. O Homo longi ou Homem dragão, data de mais ou menos 146 mil anos. Descoberto na província de Heilongjiang, no nordeste da China, nosso Homem dragão parece estar entre o Homo erectus e o sapiens. Bem pode ser uma nova linhagem humana do Leste Asiático. O Nesher Ramla Homo foi descoberto em um sítio arqueológico em Israel. Aparentado ao neandertal, nosso vovô data de entre 140 e 120 mil anos, é considerado fonte e, ao mesmo tempo, população perdida. Nem conseguimos imaginar isso no tempo. Mas nossos avôs desbravaram e perambularam nas terras de nosso planeta redondinho bem antes da invenção da bíblia, do judaísmo, dos cristianismos e do islamismo. Isso é, muito antes da invenção de um deus, do pecado e da ideia de que mulheres valem menos. Mas o que virá a surpreender o mundo, será a descoberta na região denominada Costa Doce, mais precisamente nas terras que conformam o município conhecido como Pelotas, de um fóssil humano daqueles de derrubar colunas, templos, convicções e dogmas:  Homa dulcis pelothensis. Diferentemente da denominação Homo, esta levará Homa porque trata-se de uma mulher. Em seus restos a serem localizados nas profundezas do lago do Sítio Panamar, encontrarão um bilhete escrito provavelmente pela defunta: “Caros descobridores, não me venham chamar de Homo, sou Homa, mulher da porra!”. Datando de aproximadamente 50 mil anos, será um dos fósseis mais bem preservados de todo esse continente banhado pelo Pacífico e Atlântico. Depois do árduo trabalho de retirar os ossos e os pertences da Homa, os cientistas irão se debruçar sobre os materiais surpreendentes que encontrarão em sua bolsa artesanal. A tarefa de compreensão dos objetos, das anotações e do diário guardados cuidadosamente no interior da bolsa pedirá um esforço sem igual. Cientistas irão se revezar neste trabalho dificílimo, chegando ao desânimo e a chutar o balde: “chega, é impossível entender essa Homa!”, dirão aos jornalistas que acompanharão a empreitada. Tudo considerado perdido, não fosse pela intervenção de mulheres cientistas que assumirão a tarefa de desvendar os mistérios, se é que serão mistérios ou apenas um conjunto de preconceitos e repressões incutidos no olhar masculino. A Homa escreveu em seu diário: “neste paleolítico em que vivo, mulheres e homens dividem tarefas e decisões, somos não-monogâmicas, sem ciúmes e sem possessão. Todas e todos cuidam dos rebentos e nós, mulheres, somos como deusas. Uma força de expressão porque nessa época nem religião nem deuses foram inventados. Geramos e alimentamos e não sabemos ainda como explicar. Ninguém me chama de baixinha porque eu tenho 1,5m. Mas, como irá escrever o poeta Fernando Pessoa, sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura. Deve ter alguém por aí, fortinho, altinho, arminha na mão, machistinha, mas que, certamente, vê muito pouco e odeia mulheres”.

 

(*) Conto publicado no livro Metáfora das Flores



*Paulo Gaiger é artista, cronista, Prof. da UFPel e autor de A METÁFORA DAS FLORES (Ed.Viseu)

bottom of page