Companhia Zaffari denunciada por submeter funcionários a jornadas de trabalho desumanas
- Alexandre Costa

- 9 de dez. de 2024
- 5 min de leitura

Enquanto as discussões sobre o fim da escala 6x1 ganham espaço na sociedade, por ser considerada nociva à saúde das trabalhadoras e trabalhadores, a 12ª maior rede de hipermercados do Brasil e uma das maiores e mais conhecidas marcas no setor em Porto Alegre, foi denunciada por submeter funcionários a jornadas (10x1) desumanas de dez dias seguidos e uma folga. , em reportagem do jornal Brasil de Fato-RS,
A denúncia, feita, atinge em cheio a imagem da Companhia Zaffari, uma das maiores e mais conhecidas marcas no setor em Porto Alegre, com faturamento de R$7,6 bilhões, em 2023, e quadro de aproximadamente 12,5 mil trabalhadores com salários líquidos de cerca de R$ 1,2 mil. Além de jornadas exaustivas, os funcionários afirmam que são obrigados a fazer horas extras em todos os finais de semana, sem compensação salarial e com manipulação de banco de horas.
Nas redes sociais, a ex-deputada Manuela d'Ávila adverte que a CLT prevê, no seu artigo 386, que as empresas que trabalham aos domingos devem empregar a jornada 1x1 de descanso dominical para as mulheres. Manu lembra que em 2023, o STF reconheceu a atualidade do art 386, justamente porque as leis devem ser interpretadas à luz da realidade brasileira. "Não há igualdade no mundo do trabalho entre mulheres e homens. O Zaffari emprega a jornada 10x1 igualmente entre homens e mulheres, ferindo também o art. 386 da CLT. Isso é mais uma prova da atualidade da luta pelo fim da jornada 6x1 no Congresso Nacional", apontou a ex-deputada que atualmente está sem partido.
Além do relato dos funcionários, a matéria do Brasil de Fato, publicada no dia 5 de dezembro, de autoria de Theo Dalla, traz à tona um acordo entre o Zaffari e o Sindec-POA, que permitiria as condições degradantes que são impostas aos trabalhadores. "De acordo com Valdete Souto Severo, doutora em direito do trabalho pela Universidade de São Paulo (USP) e juíza do trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, a combinação de violações de direitos como a jornada de 10 dias (ou mais), trabalho em três domingos consecutivos, condicionamento do auxílio-alimentação ao consumo interno, restrição e constrangimento ao adoecimento dos funcionários, em tese, pode vir a ser enquadrado como trabalho análogo à escravidão", diz a reportagem.
LEIA ALGUNS TRECHOS DA MATÉRIA DO BRASIL DE FATO
(...) “Isso é exatamente o que se considera trabalho análogo à escravidão, se usar o texto do artigo 149 do Código Penal, que fala sobre a condição degradante de trabalho e jornada extensa”. A combinação destas violações tem dois fatores principais: “é uma condição degradante porque impede que a pessoa tenha uma ‘vida de relações’, ou seja, tenha tempo pra estudar, se divertir, estar com a família. Outro fator é a extensão da jornada, que não são só as dez horas por dia, mas também a quantidade de dias na semana, porque, sobre isso, a Constituição é clara ao dizer que deve haver um descanso semanal, ou seja, não pode passar de 6 dias de trabalho consecutivo”.
(...) Ainda assim, parte destas condições consideradas degradantes foram normatizadas e estabelecidas no último Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) entre a empresa e o Sindicato dos Empregados no Comércio de Porto Alegre (Sindec-Poa), entidade que deveria atuar em defesa dos trabalhadores. Na trigésima primeira cláusula do acordo, que fala sobre o repouso semanal remunerado no domingo, em evidente oposição à Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), diz o seguinte:
“Estando as empresas autorizadas a trabalharem com a utilização de empregados em domingos, ajustam as partes que, independentemente do gênero, a cada quatro semanas o repouso semanal remunerado deverá coincidir com o domingo, ou seja, após três domingos trabalhados o outro será necessariamente de repouso, hipótese em que a concessão do repouso semanal remunerado previsto no art. 7º, XV, da CF poderá ocorrer antes ou após o sétimo e até o décimo dia consecutivo de trabalho, não importando no seu pagamento em dobro desde que garantido o repouso remunerado em um único dia da semana iniciada na segunda-feira e finalizada no domingo. (...)
(...) Ainda que a Reforma Trabalhista de 2017 tenha instituído a prevalência do acordo coletivo sobre o que está definido na lei, o que colocou em xeque diversos direitos trabalhistas, ela ainda veda a possibilidade de alteração, por meio de ACT, de diversos direitos mínimos, como o repouso semanal remunerado após o sexto dia consecutivo de trabalho. Não bastasse esta definição, o Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul (MPT-RS), em fevereiro de 2024, noticiou o resultado de uma ação em que pedia a nulidade de uma cláusula idêntica à citada acima, porém, que constava noutro acordo, no caso, entre o Sindec-Poa e o Comercial Zaffari. (...)
(...) "Na ação, argumenta o MPT-RS: “Ao prever a possibilidade de concessão do repouso semanal remunerado após o sétimo dia consecutivo de trabalho, não importando no seu pagamento em dobro, o caput da Cláusula Trigésima da norma clausulada afronta duplamente a ordem jurídica e extrapola os limites da autonomia coletiva” .... Os nomes parecidos confundem, mas são empresas distintas. Enquanto a Companhia Zaffari é o maior monopólio de hipermercados e shoppings gaúcho, o Comercial Zaffari pertence a um primo de segundo grau dos gestores do Grupo Zaffari, mas que também figura entre as principais empresas do setor, ocupando o segundo lugar no ranking da Associação Gaúcha de Supermercados (AGAS) (...)
Tanto a Companhia Zaffari, quanto o Sindec-Poa insistiram em manter a mesma cláusula julgada inconstitucional nos termos da vigente decisão tomada pelo Tribunal Superior do Trabalho há 14 anos atrás, onde se afirma categoricamente que “viola o art. 7º, XV, da Constituição Federal a concessão de repouso semanal remunerado após o sétimo dia consecutivo de trabalho”, tese que embasou o já citado processo perpetrado pelo MPT-RS.
Este novo acordo com a Companhia Zaffari foi protocolado exatamente 5 dias após a divulgação do resultado do processo do MPT, o que poderia indicar que a decisão fora observada e, mesmo assim, ignorada pelo sindicato, o que também poderia sugerir intenção em driblar as determinações da justiça, por meio de acordos específicos entre a entidade e a empresa em particular. (...)
(....) Recentemente, com o avanço da PEC pelo fim da escala 6x1 e a inevitabilidade deste debate na esfera pública, o Sindec-Poa se pronunciou sobre o tema por meio de um texto de assinado por Nilton Neco, atual presidente do sindicato e membro da direção do Partido Solidariedade:“A luta pelo direito a uma jornada de trabalho digna é uma luta antiga e uma pauta que o Sindec-POA sempre fez questão de incluir nas convenções coletivas. Ao longo da nossa história, buscamos incessantemente condições que assegurem não só um descanso adequado aos trabalhadores, mas a valorização da sua qualidade de vida. (...)
Cabe ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) investigar o caso com urgência, assegurando os direitos desses trabalhadores. Se soma à denúncia do jornal Brasil de Fato - RS, outras duas anteriores envolvendo devastação ambiental promovida pelos supermercados em Porto Alegre. Uma delas é o erguimento de uma torre de 130 metros no bairro Menino Deus em exame pelo Conselho do Plano Diretor da cidade. A outra aponta para a derrubada dos últimos resquícios de Mata Atlântica no bairro Jardim Itu Sabará.







