
Os comentários dos jornalistas David Coimbra e Kelly Matos, no programa Timeline, da Rádio Gaúcha, sobre o assalto realizado em Criciúma (SC), no início desta semana, geraram indignação e repúdio de ouvintes que rapidamente se espalharam nas redes sociais. A repercussão dos comentários foi tão negativa que levou alguns patrocinadores a romper seus contratos com a emissora. A Rádio Gaúcha perdeu os anúncios da Unicred, Biscoitos Zezé, Santa Clara, Salton, Sebrae-RS e Shopping Total.
O assalto a banco que apavorou os moradores de Criciúma foi tratado com ironia, deboche, risos e frases que chocaram os ouvintes da Gaúcha. Coimbra afirmou que os bandidos foram organizados e tiveram método, e, mais do que isso, eles tiveram “respeito pelo cidadão”. O jornalista narrou a ação dos criminosos: “Perguntaram ao funcionário do banco: ‘quanto tu ganha?’. O cara disse dois ou três mil.... tá vendo só, por isso que estamos assaltando. Não estamos tirando dinheiro de ninguém, é dinheiro do banco ”. David interpretou a fala do assaltante como “ideológica, existia uma filosofia no assalto deles”, opinou. O jornalista ainda disse que: “eles fazem isso aí só para pegar a instituição, é aquele dinheiro que eles querem, não é algo contra o cidadão”. Kelly Mattos completou a fala do colega, lembrando o filme “O Assalto ao Trem Pagador”, e completou com a seguinte frase: “O crime não é roubar banco. É fundar banco”.
POSIÇÃO DA RBS
A respeito de manifestação feita pelo comunicador David Coimbra, no programa Timeline da última quarta-feira (2), sobre o assalto em Criciúma (SC), o Grupo RBS informa que não houve intenção de minimizar a gravidade da ação criminosa e de ofender as empresas, os cidadãos e os policiais que foram feridos. O comunicador se retratou no ar nessa quinta-feira (3). A RBS pede desculpas pelo ocorrido e afirma seu respeito às instituições financeiras e às forças policiais, assim como a todas as pessoas atingidas pelo lamentável episódio. A linha editorial da RBS nos assuntos de segurança busca auxiliar cidadãos e empresas a se protegerem e valoriza as forças policiais na defesa da lei e da sociedade. A empresa tem como princípio estar aberta às críticas e aos questionamentos de todos, para ouvir suas percepções sobre todo e qualquer tema e estabelecer uma relação constante de diálogo e respeito. Essa atitude será reforçada nos próximos dias com diversos setores da sociedade com o propósito de aperfeiçoar o seu jornalismo responsável e independente.
POLÊMICA
Além de perder patrocinadores, o caso envolvendo a Rádio Gaúcha e os jornalistas David Coimbra e Kelly Matos passou a ser tema de discussões intermináveis nas redes sociais e em conversas presenciais. Não demorou muito para o caso assumir contornos de polêmica, uma espécie de grenalização de temas, que acabam sendo tratados a partir da posição política ou ideológica de cada um.
Não há como negar que o fato é grave e que os jornalistas erraram nas suas manifestações sobre o assalto de Criciúma e tudo que envolve um tema tão delicado. Também é preciso dizer que a extrema direita fez um uso inadequado do episódio, ao atribuir as manifestações de David e Kelly como posicionamentos de esquerda. A acusação serve muito mais como um ataque ideológico, tosco e mal intencionado do que qualquer outra coisa. Esta atitude, aliás, também deveria ser rechaçada publicamente.
REFLEXÃO O tropeço de David e Kelly abre espaço para algumas reflexões importantes sobre o jornalismo e também no que se refere à ideologização de casos semelhantes a este. Antes de tudo é preciso ressaltar que o jornalismo está ou deveria estar a serviço do interesse público. Por isso, os profissionais da imprensa devem compreender que defender os colegas da RBS, de forma coorporativa, não ajuda nem a eles mesmos, tampouco o próprio jornalismo. Tratar como um caso de censura a atitude dos patrocinadores que romperam contrato com a emissora em função do episódio também me parece um erro de interpretação. A censura é uma forma de suprimir direitos, de calar e coagir quaisquer manifestações, o que, evidentemente, não se aplica a este caso.
Questionar a posição ideológica dos anunciantes para justificar a decisão dos mesmos em relação à quebra do contrato de publicidade nos remete à logica de pesos e medidas diferentes para casos semelhantes. Sem dúvida, esta é uma visão restrita e extremamente prejudicial ao conjunto da sociedade, pois nos leva a desconsiderar episódios muito semelhantes, como por exemplo a demissão de Rodrigo Constantino, que banalizou um crime de estupro, durante programa na Jovem Pan; ou do apresentador William Waack, demitido da Rede Globo após vazar um áudio em que demonstrou o seu racismo, por meio da expressão "coisa de preto".
As manifestações de David e de Kelly são mais brandas do que nos casos de Constantino ou de Waak. Os erros cometidos por jornalistas, baseados em comentários ou opiniões, não podem, de forma alguma, ser aplaudidos ou rechaçados a partir das posições e dos valores ideológicos de cada um ou de grupos políticos.
Talvez, este seja um ângulo a ser melhor analisado por todos nós, neste episódio sobre os comentários irresponsáveis de dois jornalistas.