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Batatas fritas e Coca cola, por Paulo Gaiger*


Nossos rebentos não nascem preconceituosos, nem racistas, nem misóginos, nem homofóbicos. Aprendem todas essas maldades com os pais, com o tiozão do churrasco dos fins de semana, na escola, no templo ou na igreja, talvez com o irmão mais velho que já tem a cabeça feita e se orgulha de ser o mais novo babaca da família. Crianças nascem em devir, viram cambalhotas, brincam, curioseiam, se movimentam, arriscam, gargalham, aprontam, criam, até que os adultos da casa vão cortando seus movimentos, censurando suas descobertas, taxando de feio e errado, bonito e certo meninas e meninos. Engessam e matam pouco a pouco a novidade, aniquilando a flor, contaminando o oxigênio, salgando a terra, impedindo o inusitado. Assim como não nascem com preconceitos, crianças não pedem batatas fritas e Coca cola, nem salgadinhos, nem massas e bolachas recheadas, nem biscoitos açucarados, nem McDonald’s. São os pais que apresentam as piores fontes de alimentação aos filhos. Assim como engessaram a infância e cercearão a adolescência, batatas fritas, Coca cola e celular formam o prato moderno e nada saudável oferecido diariamente para crianças e pré-adolescentes por pais sem noção ou negociadores: péssima alimentação em troca de minutos de aparente paz e hipertrofia real de células adiposas. Crianças muito acima do peso recomendável é uma realidade brasileira. Aqui no texto não há gordofobia, é uma questão de saúde, pois a criançada, sem escolha, é empanturrada de comida ruim, viciada em açucares, farinhas e gorduras. Açucares causam dependência, isso se sabe desde sempre. Os pais são os responsáveis. “É que minha filha gosta, só come isso, batata frita, Coca cola e massa”, o pai mentiroso vai dizer para a psicóloga. Os avós embarcam na mesma nau para agradar os netos. Couve, espinafre, acelga, brócolis, rúcula, vagem, grão de bico, feijão, lentilha, arroz integral, batata doce, aipim, para citar alguns alimentos saudáveis, são de outro planeta. Arghhh! Comemos mal e, muitas vezes, demais. Em um buffet livre, tem gente que enche o prato mil vezes, batatas fritas e um litrão de Coca cola, afinal, está pagando e tem que aproveitar. Tristeza e frustração também se combatem com doses de comida ruim? O excesso compensa a falta de sentido na vida? O que dizem as terapeutas? Os açucares preenchem os vazios do afeto e das responsabilidades: mimos demasiados são a versão pós-moderna do autoritarismo e da insensatez, fazem muito mal à constituição e formação de crianças e adolescentes. Batatas fritas e Coca cola como representação da péssima alimentação de quase todos os dias, são a versão de uma relação de amor apequenada, amputada, doentia ou inexistente. Ou os pais crescem com medo dos filhos recém-nascidos?


*Paulo Gaiger é artista, cronista, professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), autor de A METÁFORA DAS FLORES (Ed.Viseu).

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