ASSOCIAÇÃO DE EX-PRESOS E PERSEGUIDOS POLÍTICOS REFORÇA LUTA PELA JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS NO RS
- Alexandre Costa

- 25 de jun. de 2023
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O registro em cartório da nova direção da Associação dos Ex-Presos e Perseguidos Políticos do Rio Grande do Sul (AEPPP/RS), eleita em 15 de abril deste ano, culminou com a realização de um ato democrático, que teve a presença de lideranças da luta contra a ditadura e da defesa dos direitos humanos. A iniciativa está alinhada às posições do governo Lula e o anúncio feito no final de abril pelo ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Sílvio Almeida, em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos (CDH), requerida pelo presidente do colegiado, senador Paulo Paim (PT-RS).
Nos quatro anos em que Jair Bolsonaro (PL) foi presidente, o seu governo trabalhou pela extinção da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), órgão cuja função é investigar crimes praticados durante a ditadura militar. O órgão foi instituído em 1995 e era ligado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) e foi extinto 15 dias antes da posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A decisão de encerrar a comissão foi tomada em uma sessão extraordinária, convocada pelo presidente do órgão, o advogado Marco Vinicius Pereira de Carvalho, assessor da ex-ministra Damares Alves e defensor do regime militar. que investigou violações praticadas pela ditadura militar no país. Cabe lembrar que em 2021,
A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos foi criada em 1995 para localizar e identificar pessoas com paradeiro desconhecido durante a ditadura militar. Diferentemente dos processos de redemocratização da Argentina e do Uruguai, o Brasil teve a Comissão da Verdade instaurada mais de 30 anos depois de aprovada a Lei da Anistia, em 1979. No dia 18 de novembro de 2011, a então presidenta Dilma Rousseff (PT) promulgava a Lei 12.528, que instituiu a Comissão Nacional da Verdade (CNV) para investigar as violações de direitos praticadas pelo Estado entre 1946 e 1988, com foco nos 21 anos de ditadura militar.
Em 2014, a comissão divulgou relatório com 29 recomendações a serem adotadas pelo Estado brasileiro, como reparação às vítimas e responsabilização dos envolvidos, sem direito a anistia. Durante os trabalhos, de 2012 a 2014, a comissão identificou 434 mortos pela ditadura militar e 210 pessoas ainda desaparecidas. No total, 377 agentes do Estado foram apontados como responsáveis pelas violações de direitos humanos. Os retrocessos do período Bolsonaro em relação aos direitos humanos, incluindo também a Comissão da Verdade, podem ser traduzidos pelos números de militares ocupando cargos no seu governo. Um levantamento feito pelo Tribunal de Contas da União (TCU), divulgado em em 2021, identificou a presença de 6.157 militares em cargos civis.
AEPPP/RS E A RETOMADA DA JUSTIÇA
O registro da nova direção da AEPPP/RS representa a retomada da verdade no período da ditadura militar no Brasil. Liderados pelo atual presidente, Sérgio Bittencourt, que foi vítima de prisão e tortura, os presentes ao ato reafirmaram sua firme posição no sentido de buscar justiça aos que foram presos, torturados, perseguidos ou desaparecidos, bem como apoiar as demandas dos familiares que buscam justiça.
A entidade congrega presos ou perseguidos durante a ditadura militar brasileira de 1964-1985 e seus familiares, além de pessoas comprometidas com a defesa dos direitos humanos e do estado democrático de direito.
O registro foi feito no 2º Cartório de Títulos e Documentos Pessoas Jurídicas, em Porto Alegre nesta sexta-feira (23/06/2023) e contou com as presenças de diversos membros da diretoria e de convidados, entre esses a deputada estadual Luciana Genro (PSOL), o ex-deputado Raul Carrion, o ex-prefeito Raul Pont e representantes do senador Paulo Paim, deputada federal Fernanda Melcchiona e vereador Pedro Ruas e o presidente do Conselho Deliberativo da Associação Riograndense de Imprensa (ARI), Batista Filho.
O presidente Sérgio Bittencourt destacou que na agenda de eventos já estão definidas quatro datas nas quais serão realizadas atividades: 28 de agosto, dia da promulgação da Lei da Anistia; 11 de setembro 50 anos do golpe militar no Chile; 10 de dezembro 75 anos da declaração dos Direitos Humanos e 1º de abril, dia do Golpe Militar com a deposição do presidente João Goulart.
Ao final do breve ato, ainda no Cartório, cujo oficial de registro Valter Luís Cervo, disponibilizou um espaço, ficou acertada a realização de uma reunião já com dois temas definidos: a busca de soluções para problemas a que são submetidos os presos políticos anistiados no que tange ao recebimento dos salários/benefícios e a necessidade de se criar um espaço que sirva para a realização de eventos , de memória e justiça – que poderá ser o Memorial Luiz Carlos Prestes.
DELEGADOS TORTURADORES
Em janeiro deste ano, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) condenou os delegados aposentados Aparecido Laertes Calandra, David dos Santos Araújo e Dirceu Gravina a pagarem, cada um, R$ 1 milhão em indenização por danos morais coletivos sofridos pela sociedade brasileira em razão das torturas e mortes cometidas por eles durante a ditadura civil-militar. O dinheiro deve ser destinado ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, ligado ao Ministério da Justiça e da Segurança Pública.
A partir de uma denúncia do Ministério Público Federal (MPF), a Justiça reconhece que os três delegados, que atuavam no Destacamentos de Operação Interna e Centros de Operações e Defesa Interna (DOI-Codi), em São Paulo, participaram, direta ou indiretamente, da tortura e do assassinato de ao menos 25 pessoas. Dessas, 15 foram vítimas de Aparecido Calandra, conhecido como Capitão Ubirajara; seis, de David Araújo, que usava codinome de Capitão Lisboa; e outras seis, de Dirceu Gravina, que se identificava pelas letras JC, em alusão a Jesus Cristo. Dentre esses crimes, estão a execução do jornalista Vladimir Herzog, em 1975, e a tortura da ativista Amelinha Teles, junto com seus filhos pequenos, em 1972.
Subordinado ao Exército, o DOI-Codi se dividia em unidades regionais e era responsável por sequestros e violências contra as pessoas detidas pelo regime militar, atuando fora das leis da própria ditadura. Na época, era comandado pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que foi condenado por tortura, mas morreu em 2015 sem pagar pelos crimes.
PROCESSO DEMORADO
A decisão da juíza Diana Brunstein, da 7ª Vara Cível Federal de São Paulo, aconteceu após mais de uma década. O MPF entrou com a ação civil pública em 2010, mas o tribunal não aceitou os pedidos, alegando que alguns já teriam prescritos e que valia a aplicação da Lei de Anistia, de 1979, para afastar a responsabilidade civil e administrativa dos torturadores. Em 2020, porém, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que o TRF-3 processasse os delegados devido ao entendimento de que a Lei de Anistia não incide sobre causas de caráter civil e que “a reparação civil de atos de violação de direitos fundamentais cometidos no período militar não se sujeita à prescrição”.
A Procuradoria havia feito seis solicitações: que os delegados indenizassem o estado de São Paulo e a União pelos valores pagos com indenização às vítimas e familiares de vítimas; o cancelamento das aposentadorias; a perda da função pública e de qualquer cargo público que tivessem no estado de São Paulo; que o governo paulista disponibilizasse a relação de todos os servidores, com nomes e cargos, que atuaram no DOI-Codi; que a União e o governo paulista fizessem “pedido de desculpas formal a toda a população brasileira”, com a citação dos casos específicos da ação civil pública e divulgação em canais oficiais e em pelo menos dois jornais de grande circulação em São Paulo; que os delegados pagassem indenização de danos morais coletivos.
AINDA CABE RECURSO À DECISÃO
A decisão contra o trio de delegados é uma das primeiras e interpreta a Lei de Anistia considerando que crimes contra a humanidade não podem ser esquecidos. Ao contrário dos países da América Latina, como Argentina e Chile, que viveram longos períodos de ditaduras militares semelhantes, o Brasil demorou muito na busca por Justiça. A Constituição é de 1988, mas a primeira iniciativa, se não considerarmos a Lei da Anistia, de 1979, é só em 1995, com a criação da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos. A condenação dos delegados ainda cabe recurso, o que poderá ser usado por ambas as partes, visto que o Ministério Público Federal teve outros pedidos negados, como para os delegados terem a perda de cargos públicos (caso exista) e também ao pagamento a família das vítimas. CONFIRA O VÍDEO APÓS O REGISTRO NO CARTÓRIO







