por Nora Prado (*)
Qualquer brasileiro ou brasileira que assistiu as carreatas da semana passada com os bolsonaristas pedindo pelo fim do lokdown em meio a maior alta de contágio, infecções, internações e mortes pela covid 19, deve ter ficado indignada como eu fiquei. Assistir aquele bando de ensandecidos gritando absurdos e promovendo aglomerações sem máscaras na frente do Palácio Piratini, aqui em Porto Alegre, foi grotesco e inadmissível.
Essa gente com a camiseta da seleção brasileira empunhando a bandeira brasileira como se fossem os paladinos da justiça é simplesmente patético. Eles se autoproclamam patriotas e defensores da pátria, mas na verdade são uns egoístas defendendo os seus privilégios sem a menor noção da gravidade sanitária que o Brasil e o mundo atravessam e sem empatia pelos trabalhadores. Esses mesmos que debocham do uso da máscara, se aglomeram em festas clandestinas e não cumprem a quarentena nem o distanciamento social à risca, ousam dar palpites infelizes sobre a condução da política no Estado do RS. Não caio de amores pelo governador Leite, mas devo admitir que ele está agindo com o rigor que a situação exige e impondo medidas restritivas para bloquear o avanço da doença, semelhante as medidas adotadas nos países europeus com um mínimo de respeito a vida e compaixão pelos seus cidadãos.
Quando vejo essa massa humana, numa espécie de anomalia, num surto terrorista gritando palavras de ordem e clamando pela abertura do mercado, me sinto como se estivéssemos num filme de terror com parte da população hipnotizada agindo como robôs sem o menor senso crítico nem empatia pelo próximo. Esse delírio coletivo é a expressão máxima da doença chamada negacionismo que atinge um número considerável de brasileiros. Essa mesma que também possui o presidente, seus ministros e assessores, grande parte dos militares e os seus apoiadores oficiais. Os negacionistas assim como os terraplanistas, comungam de uma mesma crença em dogmas ultrapassados, teorias da conspiração e o tratamento precoce pela cloroquina, entre outros absurdos.
Sua doença elegeu esse perverso que usurpa a presidência da república e assume publicamente a sua adoração pelo maior torturador dos tempos sórdidos da ditadura militar, o general Brilhante Ustra. Suas loas ao regime militar e ao AI 5 é outra aberração incentivada, pelo mesmo, que encontrou eco nestes grupos de gente ignorante e arrogante. Iguaizinhos ao Bolsonaro eles repetem palavras de ordem pedindo o retorno das forças armadas e o estado de exceção dos terríveis anos de chumbo. Covarde, como o chefe, espelham-se nesses exemplos medíocres e populistas para fazer valer a sua lógica reacionária e desumana sem qualquer contato com a realidade.
Seu, igualmente, tosco e incompetente ministro da Saúde pediu demissão e, infelizmente, a cardiologista Ludhmila Hajjar não pode aceitar o convite de Bolsonaro por divergir completamente dele no trato com a doença. Com uma atuação ética e responsável ela aprova o fechamento comercial, defende o isolamento social, recomenda a vacinação em massa e reconhece a ineficácia da cloroquina e invermectina no tratamento da doença. No lugar de Pazuello entrou mais uma marionete, Marcelo Queiroga, que seguirá a cartilha do sadismo imposta pelo chefe. Depois que declinou do convite, Ludhmila Ajjar foi alvo de perseguições pelas redes sociais com ameaças explícitas a ela e a sua família. Numa demonstração de ódio e violação dos princípios de civilidade as hienas amestradas seguem atacando quem ouse discordar de Bolsonaro promovendo um estado de opressão digno de polícia. Tanto que desde então a médica está usando escolta policial e carro blindado para se proteger da gentalha criminosa.
Por todas essas concluo que pior que o vírus é a falta de caráter e o senso de justiça. O deboche de uma doença horrenda que tem matado um brasileiro a cada trinta segundos no momento mais dramático desta cruel pandemia. A falta de discernimento que precisamos de um lockdown efetivo em todas as capitais como medida emergencial preventiva, assim como o uso de máscaras e higienização das mãos.
Certamente o vírus será debelado em algum momento, porém, o negacionismo estrutural brasileiro ainda me parece longe de ser erradicado uma vez que a falta de investimentos em educação e ciência demonstram o desrespeito desse governo pela cidadania do povo brasileiro. Mantê-lo na ignorância e na fé religiosa duvidosa das igrejas evangélicas e sob uma tutela populista é o que deseja esta corja infame que ora se arvora no poder.
O estrago produzido por eles em menos de dois anos já é suficiente para um trabalho imenso que a oposição terá pela frente. Erradicar os seus efeitos colaterais será uma tarefa para todos que desejam ver o Brasil livre dessa doutrina genocida num dos piores momentos da história nacional.
A vacina para essa aberração comportamental está na educação de qualidade para todos e de uma vida cultural rica para alimentar espíritos famintos por sentido e direção.
Porto Alegre, 17 de março de 2021.
(*) Nora Prado é atriz, poeta, professora de interpretação para Teatro e Cinema, atuou na Escola das Artes do Palco - SP.