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A LOUCA DA CASA DE ROSA MONTERO, POR NORA PRADO (*)

Foto do escritor: Alexandre CostaAlexandre Costa

No meu aniversário ganhei de presente da minha amiga, Amanda Costa, um livro da escritora espanhola Rosa Montero, A Louca da Casa. Fiquei fascinada pela escrita fluente desta autora, que eu ainda não conhecia, e por quem me encantei desde as primeiras linhas. Rosa se debruça sobre o próprio ato criativo da escrita e de como os escritores engendram a sua arte através da história da literatura e do seu próprio processo criativo. Estão ali as suas reminiscências de infância e adolescência, o ingresso na faculdade de letras, sua trajetória jornalística e literária através dos seus romances.

Rosa investiga o misterioso e complexo processo da escrita e de onde surgem os temas, personagens e a linguagem escolhida pelos autores. Neste jogo, sem fim, ela mesma se oferece como matéria de exploração e nos brinda com uma brincadeira interessante. Ao longo do livro, Rosa narra a mesma história de três maneiras diferentes. Ao fim não há como saber o que da narrativa é realidade e o que é ficção, uma vez que as três se assemelham nos pontos principais, mas, a cada vez uma camada a mais é revelada pelos personagens e a trama, aumentando o grau de complexidade da ação e ambiguidade dos personagens. Como se a autora quisesse provar que, mais importante do que a realidade proposta, o que vale em literatura é o poder da imaginação e a capacidade de articulação de todos os elementos da história. O cenário, a atmosfera sugerida, clima, geografia, personalidade de cada figura, seus desejos e obstáculos, a trama em si e o desenrolar da história com seus altos e baixos até o desenlace final.


Rosa aproveita para analisar a dor e a delícia do ofício do escritor através de personalidades emblemáticas da literatura como Léon Tolstoi, Henri James, Vargas Llosa, Stephen Vizinczey, Vladimir Nabokov, Joseph Conrad, Rudyard Kipling, Garcia Marques, ítalo Calvino, Émile Zola, Voltaire e Goethe, entre outros. Entremeia dados da vida particular de alguns deles com a sua obra literária, muitas vezes retirando o verniz de glamour e integridade que a posteridade costuma preservar esses autores. Tudo no intuito de oferecer uma visão mais realista e menos fantasiosa do processo criativo e seus revezes que se apresentam, igualmente, para todos. Rosa mostra suas idiossincrasias e algumas dos seus colegas, neste vasto campo sui generis da literatura. O tanto que cada obra exige do seu autor até chegar ao ponto mágico e delicioso no qual cada personagem parece adquirir vida própria cabendo ao escritor apenas administrar essa independência.


A autora revela grande domínio e intimidade com a escrita demonstrando facilidade de expressão e profunda paixão pelo ofício o que torna a obra ainda melhor. Cada capítulo se abre como mais um farol nesta busca pelos meandros da invenção e da criação literária, dos acasos, do papel igualmente decisivo das fantasias e das desilusões pessoais, dos traumas, dores, medos e superações que, se bem assimiladas e cultivadas, resultam em matéria literária e fonte para desdobramentos possíveis. Transformação da dor e prazer em estética. A Louca da Casa sugere também a contribuição fundamental das zonas nebulosas e sem qualquer controle, dos insights e da subjetividade, do poder do inconsciente de cada artista na geração de novos caminhos e conteúdos para a sua criação, no caso, a fantasia literária. Ainda que muitos se apoiem na própria vida e em fatos, o gênio literário os dispõe com imensa liberdade e é capaz de alterar a rota dos acontecimentos ao sabor da conveniência poética melhor para a obra. O livro abarca uma grande quantidade de exemplos de como pode ser rico e diverso cada processo criativo. Há grandes doses de humor e alegria num percurso de quem se entregou de corpo e alma à tarefa de tecer o mundo e revelar novos horizontes através da palavra escrita. Leitura que se faz com prazer e surpresa a cada página e a revelação de que nunca saberemos, ao certo, todos os componentes envolvidos e o modo como esse mistério de transfiguração do real em ficção acontece.


Uma coisa é certa, há que se correr riscos e apostar no desconhecido, na ousadia de atravessar além da rebentação. Permitir que “a louca da casa” se manifeste e reine é fundamental. Rosa Montero é uma escritora para se ir atrás e ler tudo o que escreveu, pois se revela autêntica em beber a vida em grandes goles sem medo de se descobrir múltipla e infinita.


Porto Alegre, 23 de novembro de 2021.


(*) Nora Prado é atriz, poeta, professora de interpretação para Teatro e Cinema, atuou na Escola das Artes do Palco - SP.

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