
Aquele belo sul da Bahia, da Ponta de Corumbaú, passando pelo Rio dos Frades, perto do que hoje chamamos Trancoso, cidade de condomínios fechados, de famosos, ricos e pobreza, indo até Cabrália, foi o trecho litorâneo por onde as nove naus e as três caravelas de Cabral singraram, lançaram âncoras e trocaram os primeiros contatos com os Tupiniquins: um sombreiro para você, um cocar de penas para mim, deve ter dito Nicolau Coelho, o primeiro português da esquadra a aproximar-se dos índios, embora sem descer do bote. Não muitos anos depois, a relação parece que se dava assim: tuas terras, tuas mulheres e tua força de trabalho para mim; minha gripe, o tronco e o disparo de minhas armas de fogo para ti. No dia da chegada de Cabral, os Tupiniquins eram cerca de 85 mil. Desde o ano 1000 D.C., habitavam o litoral bahiano e capixaba em busca da Terra sem Males. Passados apenas setenta anos da primeira troca de presentes, estavam praticamente extintos. O Monte Pascoal, felizmente, ainda está lá porque nenhuma mineradora obteve licença para explorá-lo. Pode ser visto de muitos lugares, embora não seja imponente como poderia se imaginar. Afinal, se os olhos dos marinheiros avistaram o monte a dezenas de quilômetros da costa, por que, em tempos hipermodernos, mal conseguimos ver o que nos acontece debaixo das ventas? As embarcações carregavam marinheiros, frades e degredados. Ao contrário do que se acredita, Portugal não enviou criminosos para o Brasil. Os degredados, em grande parte, eram pessoas que o Santo Ofício punia por heresia, insuficiência cristã, cripto-judaísmo, bigamia, feitiçaria e desobediência às regras católicas. Um dos castigos: o desterro. Os picaretas de verdade, os ladrões do tesouro, os membros da corte, os tiranos e torturadores, os próprios inquisidores nunca foram punidos. O Brasil parece que não anda e não aprende! Cabral já sabia da existência do Brasil pelos mapas e lendas. Era uma ilha misteriosa que se afastava do horizonte. Hy Brazil teria sido descoberta por um monge irlandês perto do ano de 565, mas não é precisa a informação. A palavra Brazil provém do celta bress, que deságua no to bless inglês. Hy Brazil seria a terra abençoada, cantada por Jorge Ben Jor séculos depois. Os índios dizimados que buscavam a Terra sem Males provavelmente não concordarão. Pero Vaz de Caminha registrou a viagem e as primeiras pegadas portuguesas. Talvez não tenha escrito tudo o que viu e nem tenha perdido tempo, tinta e papel com previsões. Mas podemos conjecturar: “Oi, Manuel, tudo bem aí na corte? A travessia foi de boa. Perdemos uma nau que o mar comeu. Infelizmente, não conseguimos gravar a tragédia. Foi da hora. Chegamos no Hy Brazil no 22 de abril e encontramos homens e mulheres nus e cobertos de tinta. Tranquilos, em paz e ingênuos. Falam outra língua, não têm religião e têm costumes estranhos. Mas os frades irão convertê-los ao cristianismo, na marra, e aí será bem fácil de explorar e enganar. Vamos trazer negros da África para serem escravos e trabalharem por nós. Se houver abolição, coisa de esquerdopata. faremos de tudo para que permaneçam pobres e marginalizados. Sem mimimi. As lindas matas vamos devastar, deixaremos a Mata Atlântica com menos de 12% de sua extensão. Concordo com vossa alteza que temos que cobrar altos impostos sem precisar dar retorno à população. A vida tem que ser injusta e quem não estiver contente, que vá ao templo se confortar ou deixe a colônia. Daremos incentivos às grandes empresas, inclusive às mineradoras de Mariana e Brumadinho. Uma vez Flamengo, Flamengo até morrer, assim cantaremos a negligência e a impunidade, meu rei. As mulheres que se preparem: viver aqui, será um inferno. Resgataremos os valores da inquisição. Nem irei escrever sobre o baita lucro dos bancos nos tempos de crise. Quem não estiver contente, que vá para Cuba. Fico por aqui porque tenho que procurar o meu piloto. Amanhã, deposito na tua conta, ok.”
(*) Nota de um sobrevivente: leia os livros do Eduardo Bueno, da Coleção Terra Brasilis.
