por Claudia Schiedeck (*)
A grande discussão do momento está centrada na volta as aulas. Muitas das opiniões contra ou a favor se restringem a argumentos rasos, do tipo, preciso trabalhar e não tenho onde deixar meus filhos, ou então, a escola é o último lugar a retomar as atividades normais. Contudo, a decisão deveria se pautar por critérios mais técnicos do que emocionais. Não basta ficar “gritando” de um lado ou de outro. É preciso, inicialmente, que se analise com profundidade alguns pontos que me parecem fundamentais.
Durante todo o ano passado, as escolas permaneceram, em sua maioria, fechadas e com atendimento remoto. Não é a situação ideal, muito pelo contrário. Crianças em idade de alfabetização precisam estar em contato com professores, além da importância para a socialização com outras crianças. Muitas delas dependem das refeições feitas na escola, já que em casa a situação de vulnerabilidade social é muito grande. Essa é a realidade.
Assim, não há dúvidas de que o retorno das atividades escolares precisa ser realizado o mais rápido possível. Contudo, quando olhamos para as recomendações de organismos internacionais e nacionais, e nos deparamos com os protocolos necessários para que essa retomada ocorra de forma segura para as crianças e para seus familiares, percebemos o abismo entre o que está sendo feito e o que deveria estar sendo feito.
Em primeiro lugar, as recomendações sanitárias nos informam sobre uma reabertura escolar quando os números da pandemia estejam em redução contínua, apresentando menos transmissão comunitária do vírus. O que vemos hoje é assustador: governadores e prefeitos autorizando as escolas a reabrirem no auge de uma explosão de casos. Batemos recorde de mortes ontem no país. Muitas cidades no estado do RS apresentam aumento exponencial de contaminados e de utilização de leitos de UTI.
Em segundo lugar, a orientação é de que as autoridades governamentais organizem um plano de retorno e de boas práticas de biossegurança para que a retomada das atividades ocorra de forma o mais segura possível. Esse planejamento deve incluir: procedimentos cotidianos de higienização, facilitação de acesso a banheiros e locais para lavagens das mãos, utilização e fornecimento de máscaras para os que não as possuem, protocolos de isolamento para casos suspeitos (tais como locais para manutenção das pessoas até o encaminhamento para os hospitais ou clínicas médicas), realização de testagens periódicas, além claro de atendimento psicossocial para crianças e trabalhadores. Também deve ser previsto a questão da higienização e aglomeração em ônibus e nas portas das escolas. Essas ações de planejamento deveriam ser divulgadas amplamente para a comunidade escolar e a sociedade. Até o momento, não tive acesso a nenhuma preparação desse tipo. Nossos governantes apenas determinaram a volta as aulas, mas não apresentaram nenhum protocolo ou organização desse tipo.
E por aí caminham as contradições. Me refiro em especial nessa coluna às escolas públicas, tão carentes de infraestrutura física, recursos humanos e financeiros, que mal conseguem garantir condições para um ano letivo normal, que dirá um atípico. O retorno das atividades escolares nessas condições atingirá novamente a classe mais vulnerável da nossa sociedade. Aquela que pega ônibus superlotados para garantir que o negócio de seu patrão se mantenha em funcionamento, mesmo sob risco de contaminação. Aquela que não pode perder o emprego e que, portanto, se subordina ao patrão. Aquela que precisa de escola urgentemente, porque não consegue outro local para atendimento de seus filhos. As escolas privadas podem cumprir um planejamento adequado, o que não as exclui de apresentar surtos da epidemia. Já as escolas públicas e seus servidores estão dependentes do poder público, que tem demonstrado ser absolutamente suscetível às pressões dos mais aquinhoados.
Não sou contra a retomada das aulas. Mas confesso que estou horrorizada por elas estarem ocorrendo de qualquer forma. Sem planejamento, sem preocupação, sem contratação de mais pessoal para dar conta da limpeza, sem qualquer divulgação para a sociedade de que as atividades escolares serão feitas de acordo com o que a ciência preconiza. Não me basta a palavra. Quero ver o papel escrito. Quero ver como pensam nossas autoridades. Quero ver quantas vezes será feita a higienização das salas, quantos alunos, qual a distância entre as carteiras. Quero ler detalhadamente como nossas crianças e suas famílias estarão protegidas não só na escola, mas a partir dela. Em tempos de incompetência do executivo federal, estadual e municipal (basta ver Manaus), só a palavra não é suficiente.
A questão não se apresenta como pontos extremos do voltar ou não voltar, mas sim quando e como voltar. E isso não tem aparecido em debates mais sérios sobre o problema. Lamentavelmente.
P.s. Sugiro fortemente a leitura do Manual sobre Biossegurança para Reabertura das Escolas no Contexto da COVID-19, produzido pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fiocruz, disponível no link https://campusvirtual.fiocruz.br/portal/?q=noticia/60049
(*) Claudia Schiedeck é ex-reitora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS).
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