Da Redação do VIOMUNDO
A Al Jazeera lançou no início de outubro o documentário Investigating war crimes in Gaza.
Foi feito por sua Unidade Investigativa (I-Unit, por suas iniciais em inglês), tendo por base milhares de vídeos e fotos que os soldados israelenses filmaram e postaram em suas redes sociais.
A Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal) legendou-o em português.
Aqui, está o vídeo original publicado pela Al Jazeera em seu canal.
A Al Jazeera News tratou do documentário na matéria abaixo, que mostra como a investigação foi conduzida e o que descobriu.
O que a investigação da Al Jazeera sobre os crimes de guerra israelenses em Gaza revelou?
A I-Unit investigou milhares de vídeos e fotos postados nas redes sociais por soldados israelenses
Quando entraram em Gaza em 27 de outubro de 2023, três semanas depois dos bombardeios aéreos que se seguiram ao ataque do Hamas a Israel, em 7 de outubro, os integrantes das tropas israelenses levaram seus iPhones.
“Vivemos em uma era de tecnologia, e isso foi descrito como o primeiro genocídio transmitido ao vivo na história”, disse a romancista palestina Susan Abulhawa à Unidade Investigativa (I-Unit, por suas iniciais em inglês) da Al Jazeera.
No ano seguinte, soldados israelenses postaram milhares de vídeos e fotos no Instagram, Facebook, TikTok e YouTube.
Esses vídeos e fotos integram a base do novo filme da I-Unit, que investiga crimes de guerra israelenses principalmente por meio das evidências fornecidas pelos próprios soldados israelenses.
É, de acordo com Rodney Dixon, um especialista em direito internacional que aparece no filme, “um tesouro que raramente se encontra… algo que acho deixará os promotores com água na boca”.
Como essa investigação foi conduzida?
Enquanto jornalistas no Ocidente tentavam retratar a guerra em Gaza como complexa e cheia de nuances, uma enxurrada de postagens de soldados israelenses nas redes sociais sugeria que eles a consideravam tudo menos isso.
A I-Unit decidiu investigar essas postagens.
A expectativa é que tivesse que investir recursos consideráveis em geolocalização – uso de mapas de satélite e outras fontes para identificar locais específicos – e software de reconhecimento facial para uma varredura na Internet a fim de reconhecer os soldados que apareciam nas fotos e nos vídeos.
O que se descobriu, no entanto, foi que, em sua maioria, os soldados publicaram material em seus próprios nomes em plataformas acessíveis ao público e, muitas vezes, forneceram detalhes de quando e onde os incidentes retratados ocorreram.
A I-Unit começou a coletar esses vídeos e fotos, compilando um banco de dados de mais de 2.500 contas em mídias sociais.
A I-Unit mostrou então as imagens de vídeo a uma série de especialistas militares e em direitos humanos, incluindo Rodney Dixon, Charlie Herbert, major-general aposentado do Exército Britânico, e Bill Van Esveld, diretor associado para o Oriente Médio e Norte da África da Human Rights Watch.
Também empregou equipes no local para filmar o depoimento de testemunhas e utilizou imagens de drones israelenses coletadas pela Al Jazeera Arabic.
O que a investigação descobriu?
O comportamento exibido nas fotos e nos vídeos varia de piadas grosseiras e soldados vasculhando gavetas de roupas íntimas femininas até o que parece ser o assassinato de civis desarmados.
Caberá aos promotores decidir sobre a culpa ou não dos soldados, mas tanto Dixon quanto Van Esveld disseram à Al Jazeera que vários dos incidentes documentados mereciam investigação por investigadores internacionais.
A maioria das fotos e vídeos se enquadrava em uma das três categorias: destruição arbitrária, maus-tratos a detidos e uso de escudos humanos.
Todas as três podem ser violações do Direito Internacional Humanitário (IHL, nas iniciais em inglês) e crimes de guerra, de acordo com o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.
Destruição arbitrária
Os vídeos frequentemente mostram soldados destruindo propriedades e posses. Outros mostram casas sendo incendiadas. A característica mais recorrente era a detonação de prédios.
“O fato de eles terem conseguido colocar explosivos nesses edifícios mostra muito claramente que não há nenhuma ameaça atual vinda desses prédios”, disse Herbert à Al Jazeera.
“Não há justificativa para destruir uma estrutura se o inimigo não estiver nela”, disse Van Esveld. “Você não pode sair por aí destruindo desnecessária e arbitrariamente … propriedade civil… É proibido”, ele acrescentou. “E se você fizer bastante isso, é um crime de guerra.”
Escudos humanos
A I-Unit entrevistou seis pessoas que testemunharam terem sido usadas como escudos humanos pelas tropas israelenses.
Abu Amer descreveu como, durante os confrontos entre soldados israelenses e combatentes palestinos, os soldados israelenses “nos pegaram, os homens, e nos colocaram perto da sacada. Eles colocaram suas armas acima de nossas cabeças e dispararam contra os jovens do outro lado.”
Ele diz que foi forçado a inspecionar prédios em busca de armadilhas e emboscadas, enquanto um soldado o monitorava de uma sacada com uma metralhadora. “Ele disse: ‘tente qualquer coisa e eu atiro em você’”.
As imagens coletadas pela Al Jazeera Arabic corroboram esse fato. Elas mostram um detento sendo forçado a inspecionar prédios vazios enquanto é monitorado por um drone.
Uma outra filmagem mostra detentos ensanguentados equipados com câmeras para que possam entrar em prédios que as tropas ainda não protegeram.
Uma foto tirada por um soldado israelense na cidade de Gaza em novembro – e publicada online – mostra dois detidos caminhando na frente de um tanque com um soldado atrás deles. Em uma entrevista, um dos homens descreveu mais tarde como eles foram coagidos e usados como escudos humanos.
No Hospital Nasser, em Khan Younis, em fevereiro, um jovem foi forçado a agir pelos israelenses como mensageiro, ordenando que os deslocados evacuassem o prédio. Em seguida, o homem foi morto a tiros por um atirador na frente de sua mãe.
Usar pessoas para executar tarefas militares é “em muitos aspectos a definição de usar pessoas como escudo humano”, explicou Dixon.
A I-Unit entrevistou a mãe da vítima e outra testemunha.
Há alguma unidade específica que aparece com destaque nas fotos e nos vídeos?
O Batalhão de Engenharia de Combate 8219 – também conhecido como Comando Gadhan – aparece com destaque em vídeos postados online.
Ele destruiu centenas de edifícios na cidade de Gaza e depois avançou para o sul da Faixa de Gaza, onde, entre 28 de dezembro e 9 de junho, destruiu completamente Khirbet Khuza’a, uma cidade de 13 mil habitantes próxima à cerca que separa Gaza de Israel.
“Nós… destruímos uma vila inteira como vingança pelo que fizeram ao Kibutz Nir Oz em 7/10”, escreveu o capitão Chai Roe Cohen, da Companhia C do batalhão 8219, em uma postagem no Instagram em 7 de janeiro. Nir Oz fica do outro lado da cerca de Khirbet Khuza’a e foi atacada em 7 de outubro; aproximadamente um quarto de seus moradores foram mortos ou feitos prisioneiros.
“A retórica de vingança que ouvimos de alguns soldados israelenses (…) é perturbadora. Atrocidades não justificam atrocidades”, Van Esveld disse à Al Jazeera.
O 8219 foi comandado durante suas operações em Gaza pelo tenente-coronel Meir Duvdevani.
“O Tribunal Penal Internacional irá (…) procurar aqueles que estão no topo da cadeia de comando … e as evidências vindas diretamente dos comandantes sobre as ordens que eles deram e a maneira como eles comandam e controlam as tropas seriam provas vitais”, disse Dixon.
A I-Unit também examinou um vídeo colocado online por um soldado chamado Shalom Gilbert, membro do 202º Batalhão de Paraquedistas. O vídeo mostra três homens desarmados sendo mortos por atiradores de elite.
“Só porque um civil está andando em uma área onde o combate está acontecendo não o torna um alvo justo… Se ele se envolver em hostilidades em um momento específico, sim, ele perde o status de civil. Eles podem ser alvos. Mas então você tem que mostrar as evidências de que eles estão representando uma ameaça a você… É potencialmente uma questão que o Tribunal Penal Internacional gostaria de analisar”, disse Dixon.
O 202 tinha uma equipe de atiradores de elite, conhecida como Unidade Fantasma, composta por 21 indivíduos.
Cumplicidade ocidental
Atualmente, o governo israelense está sendo investigado por genocídio no Tribunal Internacional de Justiça. Isso levanta a possibilidade de que qualquer país que tenha prestado assistência ao esforço de guerra de Israel também esteja sujeito a acusações.
Entre 2019 e 2023, 69% das importações de armas israelenses vieram dos Estados Unidos e 30% da Alemanha. Ambos continuaram a fornecer armamento durante todo o conflito, embora os suprimentos alemães tenham diminuído desde o início deste ano.
O filme apresenta reportagem do Declassified UK, que mostra o papel central desempenhado pela base britânica da RAF Akrotiri, na ilha de Chipre. Os britânicos têm feito voos de vigilância sobre Gaza desde o início de dezembro, supostamente para facilitar o resgate de prisioneiros israelenses.
No filme, Matt Kennard, do Declassified, argumentou que isso “não explica” os voos. Havia “apenas dois reféns britânicos em Gaza… Em março, havia até 1.000 horas de filmagem [de vigilância].”
PS do Viomundo: Jair de Souza também legendou o documentário da Al Jazeera em português.
A versão dele pode ser assistida aqui ou no Dailymotion.
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Publicado originalmente no portal do VioMundo