Eleito deputado federal constituinte pelo PMDB do Rio Grande do Sul em novembro de 1986, Hermes Zaneti é autor do livro “O Complô”, no qual afirma que a dívida pública brasileira é, em grande parte, uma farsa e precisa ser revista e auditada, pois consome quase metade do orçamento nacional. Na sua avaliação, o Brasil virou uma nação escrava a serviço do rentismo, pois o país conseguiu inverter a razão de existir do sistema financeiro: ao invés de dar suporte ao sistema produtivo, ocorre o inverso.
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Uma CPI para a dívida pública do Estado do Rio Grande do Sul com a União é imprescindível! No dia 21 de setembro de 1 996, festejando a data magna de 20 de setembro, o jornal Zero Hora, exibindo Antônio Britto e Pedro Malan, Governador e Ministro da Fazenda à época, respectivamente, estampou na capa a manchete: Rio Grande liquida a dívida.
Passados já 22 anos desde então, podemos cravar nova manchete: A dívida liquida o Rio Grande.
Vamos aos fatos.
Decorrente desse entendimento e na sequência, em 1.998 foi assinado pelo mesmo Governador e pelo mesmo Ministro, um acordo segundo o qual, no prazo de 30 anos, o Estado pagaria a conta de R$ 9.4 bilhões em prestações limitadas a 13% da receita líquida.
Ocorre que já foram pagos R$ 37,1 bilhões e, segundo a União, o Estado estaria devendo, em 2021, a bagatela de R$ 73,7 bilhões, esticando o prazo de pagamento para 50 anos. Para esses cálculos, a União foi buscar nos índices da FGV a atualização dos valores acrescidos de juros - juros que pelo acordo Britto/ Malan eram de mercado, é importante ressaltar, algo inconcebível em se tratando de uma negociação entre a União e um ente federado. Como se pode ver, uma dívida impagável que inviabiliza o presente e o futuro do Estado.
Agora, meio que às escondidas, o governo quer assinar um Regime de Recuperação Fiscal (RRF) que obriga a retomada do pagamento das prestações suspensas por decisão do STF com a obrigação de o Estado desistir de ação que questiona a dívida. Ora, quem faria uma exigência dessas não temesse perder a ação? Esse acordo prevê, inclusive o pagamento dos valores do período em que o pagamento ficou suspenso. Se estivéssemos pagando essas prestações estaríamos desembolsando atualmente R# 3,4 bilhões ao ano.
Segundo o decisivo negociante dessa dívida, ex- governador Eduardo Leite, a retomada implica no pagamento de R$ 700 milhões ao ano e assim sucessivamente mais R$ 700 milhões a cada ano sendo R$ 1,400 bilhões no segundo ano, R$ 2,100 bilhões no terceiro ano e assim, sucessivamente, sem limites ou travas em relação ao percentual do orçamento a ser comprometido. Uma barbaridade!
Quem vai pagar essa conta? O povo gaúcho, é claro! Especialmente o povo mais pobre considerando que nosso sistema tributário é regressivo. Priva-se o povo de recursos para educação, saúde, segurança, habitação, transporte, qualidade de vida enfim, para pagar uma conta já paga. Isto sem mencionar que Leite jacta-se de ter posto as contas e salários em dia, sem mencionar o fato de que isto só foi possível porque durante seu mandato o pagamento da divida com a União esteve suspenso por decisão do STF.
Segundo projeto de lei 561/2015, elaborado por João Pedro Casarotto e assinado em minha casa pelos então três Senadores pelo Rio Grande do Sul, Ana Amélia Lemos, Lasier Martins e Paulo Paim, e que tramita no Senado Federal, essa conta foi quitada em maio de 2013, considerando-se a correção da dívida pelo IPCA, índice oficial de atualização do valor. E mais, dado o que já havia sido pago, a União naquela data, devia ao Estado R$ 5,5 bilhões.
O mais elementar direito na democracia é o direito à informação, ainda mais quando se trata de o devedor, quando chamado a pagar a conta, ter direito às informações sobre a conta que lhe é cobrada.
Tendo em conta as questões até aqui levantadas, cito dois fatos objetivos e de enorme relevância a serem apurados e revelados à sociedade gaúcha: 1) os termos do acordo negociado precisam ser publicizados para que todos saibamos o que está sendo negociado. É inadmissível que um acordo que vigorará até 2048 não seja de conhecimento público e, 2) qual o custo da dívida assumida pela União lá em 1998? Isso demonstrará que a União vem lucrando enormemente sobre os entes federados.
Só o imediato trancamento da tramitação do projeto de lei que atende as exigências da União para a assinatura do RRF e a efetivação de uma CPI - como está em andamento no Rio de Janeiro após a tragédia que significou para aquele Estado a adesão ao RRF - pode trazer à luz a verdade sobre o que deve o Estado à União e SE deve.
É preciso dizer em alto e bom som: BASTA e, parafraseando Cícero para Catilina: ( usquequo tanden abutere patientia nostra) até quando União abusarás de nossa paciência!
Hermes Zaneti
Deputado Federal Constituinte de 1.988.