TRAGÉDIAS BRASILEIRAS, POR NORA PRADO (*)
- Alexandre Costa
- 29 de mai. de 2022
- 3 min de leitura

A semana que passou foi pródiga em tragédias no Rio de Janeiro, Sergipe e Pernambuco. Os deslizamentos de terra, por conta das chuvas torrenciais, têm vitimado populações de famílias que moravam nas encostas das favelas das periferias pernambucanas matando dezenas de pessoas e desabrigando outras centenas. A crise climática tem feito estragos consideráveis desde o ano passado, mostrando que isso é apenas o começo de um problema gravíssimo que se multiplicará, assustadoramente, caso as autoridades brasileiras e mundiais não repensarem a forma de economia abusiva e não sustentável praticada em nome dos lucros astronômicos de pequenos grupos empresariais. Por outro lado, a desigualdade social, a falta de políticas públicas para educação, cultura e saúde denunciam um modelo decadente e temerário que o Brasil opera há séculos, com pequenos períodos de tentativas contrárias ao modelo casa grande & senzala, praticado desde a invasão portuguesa, popularmente chamada de “descobrimento”.
As raízes do nosso colonialismo são profundas e têm mostrado as chagas do racismo estrutural que, infelizmente, nos constitui enquanto sociedade. Prova disso é a mais nova chacina ocorrida na Vila Cruzeiro, favela carioca, onde a polícia matou, covardemente, 26 pobres. Jovens, na maioria pretos e sem ficha policial ou nada que justificasse essa barbárie, foram brutalmente eliminados a tiros e facadas em mais uma ação policial que escancara a perseguição preconceituosa e racista da polícia brasileira. Mais, revela a normatização do abuso de poder, propagado pelo dirigente maior, o presidente da república, com sua apologia às armas, sua truculência comportamental e seu desprezo pelos afrodescendentes de uma forma geral.
Coroando esta sequência atroz de desgraças, tivemos a morte, chocante, de Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos, numa desastrada e cruel abordagem pela polícia rodoviária de Ubaúba, no litoral de Sergipe. Retirado da motocicleta que dirigia, pois estava sem capacete, os dois policiais o trataram de modo ofensivo e abusivo, mesmo sendo avisado, por conhecidos da vítima, de que o homem tinha problemas mentais. Mesmo, o próprio tirando do bolso a receita médica, a cartela de comprimidos e mostrando aos policiais. Genivaldo foi arrastado, tombado ao chão, foi imobilizado com spray de pimenta, suas mãos e os braços foram amarrados e ele foi jogado dentro do porta-malas da viatura policial. Aos olhos abismados de transeuntes atônitos com a perversa abordagem contra Genivaldo, o máximo que se atreveram a fazer foi filmar o ocorrido. E nem isso foi capaz de constranger os agentes em seu abuso de poder. Como Genivaldo reagia, gritando e esperneando à tamanha afronta, os policiais jogaram gás lacrimogênio dentro do porta-malas e trancaram a porta. Genivaldo morreu asfixiado depois de ser torturado por dois assassinos paramentados de agentes policiais. A corporação, ainda em nota, tentou justificar a ação, minimizando a conduta dos policiais, simplesmente patético. Diante da comoção nacional e do repúdio de diversas entidades ao caso, foi aberto um inquérito policial para esclarecer as circunstâncias da prisão e morte de Genivaldo.
Quem não se escandaliza com a escalada de violência praticada no país, desde que Bolsonaro subiu ao poder, é porque se identifica com o escárnio e o cinismo no qual estamos atolados, é porque considera fuzil e revólveres mais importante que educação de qualidade para todos, é porque sua conivência com a milícia e suas práticas instaladas no governo lhe garantem rir e debochar de mulheres, negros, gays e quaisquer pessoas que defendam a democracia e o estado democrático e de direito.
Percebo, apreensiva, que quem se atrever a votar nessa aberração demonstra, além de analfabetismo político, atraso e pobreza de espírito, falta de caráter ou doença emocional. Pois não é possível se considerar a favor da vida e amar ao próximo exaltando um genocida, não é possível louvar a Deus, apoiando um psicopata.
Porto Alegre, 29 de maio de 2022.
(*) Nora Prado é atriz, poeta, professora de interpretação para Teatro e Cinema, atuou na Escola das Artes do Palco - SP.