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TEMPOS SOMBRIOS: A PANDEMIA E O NEGACIONISMO QUE SE OPÕE À CIÊNCIA E AMEAÇA A HUMANIDADE (PARTE 1)

Foto do escritor: Alexandre CostaAlexandre Costa

por Alexandre Costa (*)

O Esquina Democrática publica, a partir desta terça-feira (31/8), uma série de matérias sobre os TEMPOS SOMBRIOS que vivemos e o NEGACIONISMO, que além de fazer oposição à ciência, rejeitando conceitos básicos e incontestáveis, se multiplica nas mentes humanas com a mesma velocidade e de forma tão letal quanto a covid-19. O que talvez muita gente não saiba é que por trás da ignorância, das teorias e dos discursos conspiratórios, existem disputas ideológicas e religiosas e, principalmente, interesses envolvendo cifras econômicas gigantescas. Na primeira das quatro matérias procuramos mostrar a adesão dos famosos ao movimento contra a vacina, que cresce assustadoramente no mundo inteiro. Enquanto isso, no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro tem sido o principal porta-voz das ideias que desprezam a ciência. A falta de iniciativas do governo federal diante da evolução do vírus e do grande número de mortes levou o Senado a instaurar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que investiga a corrupção e a omissão por parte das autoridades governamentais. O cerco a Bolsonaro cresce a cada dia. Em abril deste ano, o presidente foi alvo de uma representação por crime contra a humanidade no Tribunal Penal Internacional (TPI), pela Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).


Boa leitura!


A epidemia de coronavírus começou na cidade de Wuhan, na China, em dezembro de 2019, e se espalhou rapidamente pelo mundo, causando a morte de aproximadamente 4,5 milhões de pessoas, cerca de 580 mil apenas no Brasil. Além do elevado número de óbitos e das sequelas causadas pela covid-19 e suas variantes, a humanidade se deparou com um outro tipo de vírus: o negacionismo que mata o que de mais humano existe em nós. Em um piscar de olhos, o mundo mergulhou na violência, no autoritarismo, na truculência e nas muitas e diferentes formas de intolerância. Não bastasse a quantidade de mortes em todo planeta, a covid-19 nos colocou diante do espelho e o que se vê é um mundo doente.


O negacionismo cresce e se multiplica pelo mundo. Das Américas à Europa, passando pela África, Ásia ou Oceania, o que se percebe é um número cada vez maior de adeptos. Entre os milhões de negacionistas espalhados pelo planeta, alguns são figuras públicas, como é o caso de Eric Clapton, cantor e guitarrista de 76 anos, um dos mais ferrenhos críticos das medidas de segurança para combater o coronavírus. Na segunda-feira (30/8), o britânico virou notícia no mundo inteiro, após lançar This Has Gotta Stop, uma canção que se opõe a vacinação em massa contra a Covid-19.

Na composição, Eric Clapton diz: “Isso tem que parar, já chega. Eu não aguento essa merda por muito mais tempo. Já foi longe demais”. O videoclipe conta com pessoas de olhos arregalados e manifestantes com cartazes escritos “liberdade” e “parem”. O vídeo também apresenta uma ilustração do grupo Jam for Freedom, que é contra os certificados de vacinas. Apesar de não mencionar diretamente a Covid-19, o single foi interpretado pela crítica como um novo ataque do músico às medidas sanitárias. Isso porque essa não é a primeira vez que o britânico se posiciona musicalmente contra as regras da pandemia. Em dezembro de 2020, o cantor participou da música em oposição ao lockdown Stand and Deliver, de Van Morrison. Sobre shows na Europa, Eric Clapton já se posicionou e disse que não se apresentará em nenhum local que exija o comprovante de vacinação.


Em junho do ano passado, o tenista número 1 do mundo, Novak Djokovic, e sua esposa Jelena testaram positivo para o novo coronavírus (covid-19). O anúncio foi feito pelo próprio atleta, por meio de nota oficial, em seu site. O sérvio, que era um dos organizadores do torneio amistoso Adria Tour, foi um dos tenistas infectado pela covid-19 e precisou se desculpar pela posição que defendia. Desde a abertura da primeira etapa, realizada em Belgrado (Sérvia), o evento foi bombardeada de críticas por não adotar protocolos de segurança sanitária. O Torneio permitiu a presença de público, sem a obrigatoriedade do uso de máscara. Além disso, os espectadores não eram orientados a cumprir o distanciamento mínimo. Também circularam, pelas redes sociais, imagens da festa de encerramento da primeira etapa, em Belgrado, que mostraram tenistas dançando em uma festa, sem qualquer medida de restrição para evitar o contágio.


A lista dos famosos que aderiram ao negacionismo não para de crescer. Rob Schneider, comediante conhecido por atuar em filmes como “Gente Grande” também ficou marcado por seu boicote à vacina contra Covid-19. “Apenas diga não… E continue dizendo não… Mais da metade da população dos EUA continua a dizer não a essa terapia genética experimental não aprovada! Meu corpo, minha escolha”, escreveu o ator no Twitter. Fernanda Venturini, ex-jogadora de vôlei fez muito sucesso nas quadras com a camisa da seleção brasileira, mas fora delas acabou ficando marcada por recentemente ter dito que tomou vacina apenas para poder viajar e que é contra o imunizante. “A gente veio pedalando para tomar a vacina. Eu sou contra a vacina, mas como eu quero viajar o mundo eu vou tomar. Vou tomar Pfizer que eu acho que é menos pior”, disse ela em um stories em junho. Após a repercussão negativa, ela até voltou atrás e disse que foi mal interpretada, mas não mudou seu posicionamento. Letitia Wright, jovem atriz de Pantera Negra, revelou sua postura anti-vacina, no seu Instagram. Ela compartilhou um vídeo de um homem que se autointitula profeta Tomi Arayomi, em que ele fala sobre fatos sem comprovação da pandemia da Covid-19. Depois da polêmica ela disse “minha intenção não era machucar ninguém, minha ÚNICA intenção de postar o vídeo foi levantar minhas preocupações com o que a vacina contém e o que estamos colocando em nossos corpos”. Jim Carrey, é um antigo defensor do movimento anti-vacina, se baseando na falsa teoria de que os imunizantes causam autismo. Um pouco menos chamativo do que em outros tempos, o ator não se posicionou sobre a vacina contra a Covid-19, mas em outras ocasiões se mostrou contrário a vacinação. “Um trilhão de dólares compram um monte de opiniões de especialistas. Será que vai comprá-lo? Vacinas livres de toxinas, um pedido razoável!”, disse o comediante no Instagram.


Em abril deste ano, a imprensa divulgou uma campanha com a participação de 53 famosos atores alemães, em vídeos com tom satírico no YouTube, ironizando as medidas restritivas do governo contra o coronavírus. A campanha, chamada "Alles dicht machen" ("Vamos fechar tudo", em tradução livre), rendeu inúmeras críticas, mas foi elogiada por políticos de extrema direita e de negacionistas no mundo inteiro. Com monólogos curtos, irônicos e com cinismo em relação às restrições da pandemia, os artistas sugeriam sarcasticamente que o confinamento deveria ser ainda mais duro. A opinião pública fez duras críticas à iniciativa, classificando a campanha de "cínica", "insensível aos que perderam parentes para o coronavírus". Na época, a Alemanha contabilizava mais de 80 mil mortos em decorrência da covid-19.

Porém, nada se compara à amarga realidade do Brasil. Diante de um cenário de luto e de tristeza, o presidente do país é um abnegado porta-voz das ideias que desprezam a ciência. O Brasil negacionista sucumbe à degradação dos valores e à ignorância, como revelam pesquisas que indicam um elevado percentual de brasileiros que ainda duvidam que o homem pisou na lua ou que acreditam que a terra é plana. Os indícios de que o negacionismo ingressou nas estruturas de poder, movido por interesses difusos, geram instabilidades políticas no país. A falta de iniciativas do governo federal diante da evolução do vírus e do grande número de mortes levou o Senado a instaurar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que investiga a corrupção e a omissão por parte das autoridades governamentais.


O senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid, anunciou recentemente que deve antecipar a entrega do relatório sobre os trabalhos da CPI, em função da sua prorrogação por mais 90 dias em julho. Com isso, o relatório da CPI da Covid pode ser entregue até a primeira semana de novembro, desde que receba o voto favorável da maioria dos seus membros. As conclusões da CPI e o relatório aprovado podem ser remetidos ao Ministério Público para o indiciamento de possíveis infratores. Calheiros afirmou que a CPI já obteve "provas indiscutíveis" da atuação do governo de Jair Bolsonaro na promoção da cloroquina e da imunização de rebanho.


O cerco ao presidente presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não está restrito ao Brasil. Em abril deste ano, o presidente foi alvo de uma representação por crime contra a humanidade no Tribunal Penal Internacional (TPI), pela Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD). A argumentação dos advogados é de que Bolsonaro coloca em risco a vida da população brasileira diante da pandemia causada pelo novo coronavírus. Por isso, eles solicitaram ao TPI que instaure um procedimento jurídico para investigar a conduta do presidente. “Por ação ou omissão, Bolsonaro coloca a vida da população em risco, cometendo crimes e merecendo a atuação do Tribunal Penal Internacional para a proteção da vida de milhares de pessoas”, dizem os juristas no documento protocolado pelos advogados Ricardo Franco Pinto e Charles Kurmay.


Na representação é apresentada uma lista de ações defendidas e realizadas pelo presidente da República. Entre elas, estão: pronunciamentos que incentivam o fim do isolamento social e a reabertura de serviços não essenciais, assim como a divulgação da campanha “O Brasil não pode parar”; visitas a comércio e a manifestações estimulando a população a participar de aglomerações; e a edição de um decreto que permite a abertura de igrejas e casas lotéricas durante a pandemia.

“Os crimes cometidos afetam gravemente a saúde física e mental da população brasileira, expondo-a a um vírus letal para vários segmentos e com capacidade de proliferação assustadora, como já demonstrado em diversos países. Os locais que negligenciaram a política de quarentena são onde o impacto da pandemia tem se revelado maior, como na Itália, Espanha e Estados Unidos”, ressalta. O TPI tem competência para julgar dentro do território brasileiro, uma vez que o Congresso Nacional aprovou sua inclusão no ordenamento jurídico do país. “A internacionalização da questão e um pronunciamento do TPI são urgentes e necessários. Não podemos admitir o que vem ocorrendo no Brasil, ou seja, a total impunidade de Jair Bolsonaro, que é o principal fator que aumenta de forma escalonada a prática de novos crimes”, finaliza a denúncia.

Cada vez mais organizado, o movimento promove boicotes à vacinação, contrariando a ciência que aponta a imunização como única forma de diminuir os efeitos da pandemia. Assim como Bolsonaro no Brasil, o ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, protagonizou uma série de ataques, durante o seu governo, à Organização Mundial da Saúde (OMS), que é a agência responsável pela elaboração de padrões internacionais na área de saúde pública agência. No início de julho de 2020, Trump deu início ao processo de retirada dos EUA da OMS. O ex-presidente se negava a ver do trabalho da agência, que dispõe de sete mil funcionários, distribuídos em 150 países e é responsável pela monitoração, avaliação, cooperação técnica e científica das políticas de saúde em todo o mundo.

Os negacionistas são os principais protagonistas da crise de confiança que afeta o mundo, seja em relação à ciência ou à política. Estudos indicam que o movimento é consequência do fenômeno da pós-verdade. Nestes tempos sombrios que vivemos, os fatos comprovados têm menos influência junto à opinião pública do que o bombardeio diário de fake News que se espalham e se multiplicam pelas redes sociais.


Além do desprezo ao uso de máscaras, do desrespeito ao isolamento social e da contrariedade em relação a medidas coletivas, os negacionistas não se sensibilizam com a morte e tampouco se solidarizam com os mais vulneráveis a ela, como os idosos ou pessoas com comorbidades. Indiferentes a dor alheia, estes grupos são uma ameaça e um risco permanente à imunização e, consequentemente, à vida e à sociedade.

O comportamento humano tem motivado estudos e pesquisas com objetivo de traçar um perfil das pessoas que integram o chamado grupo dos antivacina. Apesar dos resultados ainda serem preliminares, as informações permitem afirmar que, na maioria dos casos, os negacionaistas são pobres, têm pouco acesso à educação e estão mais susceptíveis às teorias conspiratórias.


Estas informações são importantes para identificar e compreender a postura individual e as ações coletivas protagonizadas pelos diversos movimentos e grupos que se opõem ao saber. Apesar de todo conteúdo disponível e dos inúmeros registros e comprovações de episódios consolidados no mundo do conhecimento, o movimento investe contra a teoria da evolução das espécies e promove o criacionismo; afirma que a terra é plana e que o homem nunca pisou na Lua; não acredita no aquecimento global; pensa que vacinar crianças pode causar autismo e que atualmente a vacinação está sendo usada para instalar microchips nas pessoas.


(*) Alexandre Costa é jornalista e responsável pelo www.esquinademocratica.com

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