Matéria do Sul21, assinada por Bettina Gehm (bettinagehm@sul21.com.br), conta a história inusitada da arte como forma de expressão que começou com a pintura de um muro em uma evidente manifestação crítica à gestão do atual prefeito Sebastião Melo (MDB) e terminou na Delegacia de Polícia. A "guerra de tinta" remonta a batalha pelo direito à livre expressão da arte diante da recorrente e ultrajante truculência da Guarda Municipal ao abordar, algemar e conduzir o grafiteiro Filipe Harp até o Palácio da Polícia. Segue abaixo a íntegra da excelente matéria publicada pelo Sul21, no dia 8 de agosto.
Em 8 de julho, o grafiteiro Filipe Harp deu início a uma pintura no muro da Praça Argentina, Centro Histórico da Capital. Impossível não reconhecer quem ela retrata: o prefeito Sebastião Melo, só do nariz para cima, se afogando numa água marrom. “Representa todo o descaso com as pessoas afetadas pela enchente, principalmente do bairro Sarandi, que já é comum alagar”, explica o autor da obra-protesto, intitulada Chimelo.
Menos de um mês depois, em 31 de julho, a pintura já havia sido coberta por uma tinta azul. No dia seguinte, a frase “Melo chinelão” apareceu pichada no mesmo muro. A pichação também foi apagada mas, no início desta semana, a frase “Da memória ninguém apaga” foi escrita no mesmo local.
Harp não informa quem está por trás das novas pichações, e ninguém se responsabiliza pelo apagamento delas. A Prefeitura, através da Secretaria Municipal de Serviços Urbanos, afirma que a área é adotada pela Santa Casa. O hospital, por sua vez, afirma em nota: “Não foi a Santa Casa quem pintou o referido espaço, em nenhuma das ocasiões”.
Foto: Arquivo pessoal
“Quem está pintando em cima das manifestações, eu também adoraria saber. Mas ninguém ainda conseguiu responder quem está apagando”, diz o grafiteiro.
Antes da pintura Chimelo, havia outra obra de Harp no muro. Como é possível ver pela ferramenta Google Street View, a pintura retratando árvores e pássaros estava ali pelo menos desde 2022. “Teve pichações em cima, e em seguida eu já pintei o Chimelo ali”, diz o artista.
Linha do tempo: muro da Praça Argentina. Fotos: Reprodução/Google Streew View
Nas redes sociais, Harp publicou um vídeo que mostra o processo de realização da pintura e escreveu: “Que este grafite inspire todos nós a exigir mais de nossos líderes, a lutar por um futuro onde a vida humana seja realmente valorizada. Não esqueceremos. Não perdoaremos. A arte é nossa arma, e a justiça, nosso objetivo”.
Abordagem durante outra pintura
Harp diz que, semanas depois da pintura de Melo, foi abordado pela Guarda Municipal. “Eu estava pintando, domingo à tarde, por volta das 17h. Me abordaram perguntando se eu tinha autorização e, quando eu disse que não, foram totalmente agressivos. Me algemaram e me encaminharam para o Palácio da Polícia”, relata o artista, que teve os materiais apreendidos na ocasião. “Estou respondendo por isso. Agora, quem decide é a juíza”.
O grafiteiro conta que dois agentes da Guarda, que estavam de moto, iniciaram a abordagem e chamaram um carro com mais três policiais. “Eu estava sozinho, cheio de material. O trabalho já esboçado, nitidamente dava pra ver que não era uma pichação. Mesmo assim, foram todo o caminho rindo e me chamando de pixador. A fala de um deles foi: ‘caiu a tua casa’, como se estivesse ganhando um prêmio ao me prender”, relembra. O grafiteiro trabalha com arte de rua desde 2008.