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SER O QUE SE É, POR PAULO GAIGER (*)


O melhor, talvez, seja aplicar um gerúndio: ser o que se é sendo ou sendo o que se é. Assim, se pode pensar em movimento, em transformação, em (des)construção, em nada é pra sempre, em respeito, em direitos, em liberdade de ser o que se quiser ser. Sendo. Como tem gente que se incomoda com isso. E por quê? A felicidade e liberdade de outros perturbam? Eu cresci em ambientes homofóbicos e misóginos. Estas expressões não existiam em meu mundo de criança, de adolescente e da juventude. Sei que se achava uma anormalidade, um pecado, uma má influência, uma pouca vergonha. A maneira comum de ofender ou de zoar alguém era chamar de bicha, viado, mulherzinha. Vários dos pelotões de soldados que corriam no parque da Redenção, entre seus cantos entusiasmados de defesa da falopátria, enalteciam o desprezo às mulheres, achincalhavam os gays. No colégio era uma rotina a cobrança da masculinidade, quem é mais homem, quase o tempo todo. Se não... As famílias, mais do que tudo, revelavam apreensão e, de carona, ameaçavam com a condenação do filho ou da filha que rompesse os muros de aço do estreito corredor erguido e validado por uma sociedade religiosa, obtusa, doente e preconceituosa. E sem amor. Ou, nesse caso, um amor sujeitado a regras como exercício vigilante de cinismo. O cristianismo através, primeiramente, da igreja católica, impôs os alicerces no Brasil da forma de pensar, da conduta, dos valores, da exclusão de quem não era cristão, que perduram até hoje, alimentados pela multiplicação dos templos evangélicos, alguns até roubam o dinheiro da educação, mas o pastor ladrão segue em seu púlpito. O sexo livre, as mulheres, os gays e trans são condenados e ameaçados de castigo severos por um discurso atribuído a um fantasma todopoderoso que, dizem, reside acima das nuvens e das estrelas, na escuridão do cosmos, bem mais pra lá. Ou em lugar nenhum. O discurso fantasmal, na falta de argumentos, de noção de justiça e compreensão, é uma espécie de leão de chácara que ameaça punir o desviante. Temor e mais temor para que a gente baixe a cabeça e obedeça. Roubar o MEC, troçar de meninas estupradas, fuzilar trans e negros, apoiar um psicopata e genocida, tá ok, brother! O todopoderoso costuma andar distraído ao que parece. Ou não existe e é só um artifício usado para que alguns espertos sujeitem e massacrem populações inteiras. Em 2022, não é mais tolerável cantos racistas e homofóbicos nos estádios de futebol, tampouco que machos imbecis passem a mão em mulheres e gritem contra o aborto quando crianças são estupradas por outros machos imbecis. E é absolutamente ignóbil que machos imbecis, pastores, deputados e senadores, queiram legislar sobre o corpo das mulheres. Esta realidade que se reproduz, nesse momento adubada por um presidente imbecil, se torna incompreensível quando surge nos âmbitos escolares. Não é admissível que depois de treze anos frequentando salas de aula, estudantes saiam homofóbicos, racistas e misóginos. Não é tolerável que se defenda a família que educa filhas e filhos para discriminarem e marginalizarem mulheres, gays e trans. Não é aceitável que igrejas cristãs combatam os diferentes e semeiem o ódio. A repressão às mulheres, aos gays, ao corpo e ao sexo sempre foi a política de Estados totalitários, teocráticos e antidemocráticos para o pleno domínio e para fazerem o que quiserem. Enquadrar o corpo, encaixotar o ser são estratégias de poder tirânico para que ninguém possa ser sendo. Quando não se é, se é facilmente dominado e controlado. Se é induzido a marginalizar e exterminar a diferença que incomoda em nome da pátria ou de um deus. Inveja da felicidade de quem consegue ser sendo o que é. Liberdade!



(*) Paulo Gaiger é Artista professor do Centro de Artes – UFPel.

 
 
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