Reportagem assinada pelos jornalistas Pedro Nakamura e Sílvia Lisboa publicada na quinta-feira (13/8) no site do Grupo Matinal de Jornalismo revelam que o Instituto Renascer recebeu recursos da Fundação de Assistência Social (Fasc) por serviço realizado, sem ter assinado contrato.
Documentos do convênio entre a Fundação de Assistência Social (Fasc) e o Instituto Renascer, publicados no site da prefeitura em 6 de agosto, mostram que as irregularidades da contratação vão além do fato de terem envolvido pai e filho, conforme revelou o Matinal em 22 de julho. Há repasses feitos por serviços prestados antes da assinatura do contrato, datas e valores que não fecham, cláusulas genéricas e falta de transparência na prestação de contas.
Há três semanas, o Matinal revelou que a Fasc tem um convênio para gestão do albergue Felipe Diel com o Instituto Renascer, presidido por Thiago Flores, filho do então secretário de Desenvolvimento Social, Itacir Flores. A revelação provocou a saída de Itacir do cargo, que se tornou junto com o filho e a Fasc alvo de uma investigação do Ministério Público e do Ministério Público de Contas. O contrato, feito com dispensa de licitação, porém, segue vigente. Mas a documentação que embasou a parceria entre Fasc e Renascer não estava acessível até semana passada no site da prefeitura – o que era, em si, irregular.
A principal irregularidade identificada nos documentos diz respeito aos pagamentos feitos ao Renascer. Na nota à imprensa, a Fasc explica que pagou uma parcela única de R$ 58,8 mil, que “se refere ao custeio da instalação, em março, e início parcial do serviço”. E acrescenta: “Cabe destacar que os pagamentos são proporcionais aos serviços entregues.”
Em março, porém, não havia ainda contrato – o termo de colaboração foi assinado em 15 de abril. Segundo a Fasc, o valor de R$ 58 mil seria referente a 14 dias de prestação de serviços de acolhimento da população de rua “após a assinatura de colaboração”. Quando se deu o pagamento, conforme consulta ao Tribunal de Contas do Estado, haviam passado apenas cinco dias desde a formalização da parceria (20 de abril). Ou seja o pagamento foi, de fato, feito depois do contrato, mas refere-se a um serviço anterior a ele – conforme a própria Fasc informa na nota em que cita o mês de março como o período de realização do trabalho.
“Se não está assinado significa que não existe. Não pode pagar pelo que não existe. Isto deixa claro que havia um acerto entre as partes. Não tem justificativa para isso”, afirma o administrador Carlos Martins, voluntário de uma organização não governamental de controle social, que analisou os documentos de convênio a pedido do Matinal.
Há ainda divergências entre os valores. O termo de colaboração menciona na cláusula terceira que o valor a ser repassado mensalmente ao Renascer é de R$ 202 mil, “independentemente da quantidade de beneficiários constantes no Instrumento de Aferição”. Mas conforme o próprio termo, a Fasc repassou R$ 58 mil para “instalação e início da execução do serviço de acolhimento da população em situação de rua, pelo prazo de 14 dias”. A soma, porém, não alcança os R$ 202 mil. Se o valor pago por 14 dias fosse estendido a 30, o total devido ao Renascer deveria ser R$ 126 mil e não R$ 202 mil. Não há, portanto, a proporcionalidade que a Fasc menciona na nota enviada à imprensa. Tampouco se entende por que o valor proporcional foi inferior ao pago mensalmente quando a própria Fasc alega que pagou uma verba de custeio para instalação.
O Conselho Municipal de Assistência Social, formado da comunidade e por servidores da Fasc, cobrou respostas sobre como foi definido esse valor de “custo de instalação” de R$ 58 mil, uma vez que o albergue já existe e já estava em funcionamento. Ainda não houve resposta ao Conselho, que não participou do processo de contratação do Renascer. “O conselho não foi consultado em nenhum momento sobre essa parceria. Quando tomamos consciência dela através da denúncia do Matinal, a partir daí nos debruçamos, solicitamos os documentos para a Fasc, e a comissão de fiscalização, que eu integro, fez uma série de questionamentos. O processo não foi transparente”, diz Jucemara Beltrame, representante do Fórum Municipal dos Trabalhadores no Conselho Municipal de Assistência Social de Porto Alegre.
A Irmandade Nossa Senhora dos Navegantes, que geria o espaço antes do Renascer, recebia R$ 96 mil mensais para 145 vagas – as vagas, posteriormente, foram reduzidas em função da pandemia, mas o valor seguiu inalterado. Proporcionalmente, o valor pago ao Renascer é R$ 13,2 mil a mais do que a Irmandade receberia por um período equivalente a 14 dias, sem haver explicações claras para o aumento nem sobre os serviços prestados. A própria Fasc, em nota à imprensa, afirma que a organização assumiu o Felipe Diel apenas em 24 de março, mas conta a data de assinatura, 23, como dia de serviço – ou seja, registra um pagamento de R$ 4,2 mil por um dia em que não houve trabalhos no albergue. Além disso, na época não se sabia sequer a quantidade de vagas a serem ofertadas. Inicialmente, a Fasc prometeu 175 vagas; depois, reduziu a estimativa para 100. Por fim, após a regularização das documentações, o Renascer passou a ofertar apenas as 80 vagas que mantém hoje.
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