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REFLEXÕES DE UMA CPI: AS DIFERENÇAS ENTRE NISE E LUANA

por Claudia Schiedeck (*)

Minha vida de aposentada anda com a agenda cheia, apesar do tédio que esse desgoverno me dá. Tudo muito igual: as estratégias, as tosquices, as grosserias, as ideias de jerico (como se costumava dizer na minha infância).


A única coisa mais interessante que surgiu, e que monopoliza minha atenção, é a tal da CPI. É quase um Big Brother, só que com testes de esperteza e sagacidade, nos quais só alguns são capazes de passar (senadores e convocados). Virou meio que um vício nesse mar de tragédias brasileiras.


Confesso que percebi os inquisidores pouco preparados para os primeiros depoimentos. Otto Alencar, Rogério Carvalho, Alessandro Vieira foram exceções. E as mulheres senadoras também mandaram muito bem. O resto me parece saber nada do assunto. Nem falo do vexame que é ter um Heinze discutir temas médicos como se fosse PhD em infectologia. É de uma pobreza vocabular e de pensamento que constrange qualquer gaúcho que tenha meio neurônio.


Dos melhores depoimentos, destaco dois: Barra Torres, da Anvisa e Luana Araújo, que depôs ontem. Dos piores, tenho dois também: Fábio Wajngarten e Nise Yamaguchi. Quero me deter em dois deles: o de Nise e o de Luana.


Nise Yamaguchi chegou na CPI com empáfia, se achando a última bolachinha do pacote. Aliás, típico dos medíocres catalogados na categoria dos doutores do WhatsApp. Não vou me ater as suas falhas, pois foram muito bem explicadas por todos. Otto Alencar demoliu com ela. Deixou-a sem pai nem mãe, parecia um cusco caído do caminhão da mudança. O que mais me espantou foi a reação em defesa dessa senhora, colocando o senador no banco dos réus, como se ele fosse o culpado pelos argumentos absolutamente equivocados e contrários aos preceitos médicos. O próprio SIMERS, um antro de reacionarismo no estado, se levantou contra o ‘tratamento dado’ à médica. A transformaram em uma vítima, o que ela claramente não é. Nise tira qualquer um do sério. Ela é exatamente igual ao Heinze, com a diferença de que possui vocabulário médico e, portanto, engana e manipula sua audiência. Como diz meu marido, essa senhora desperta na gente os instintos mais primitivos. Imagino como Otto Alencar se sentiu quando ouviu o monte de bobagens faladas por ela ou quando ela sequer sabia o que responder. Meu espanto se deu com as pessoas dizendo que foi um ataque misógino. Para mim pura hipocrisia. Não fosse o questionamento mais duro e ríspido do senador, Nise teria passado para a história como “a” especialista.


Então, chega a Dra. Luana Araújo (essa sim, merece o título de Dra.) no dia seguinte. Clara, precisa, dando uma aula sobre ciência. Desmontando todos os senadores fajutos que defendem o tal ‘tratamento precoce’ e os colocando no seu último lugar desse trem desgovernado. Posicionando-se bem, utilizando falas de efeito e cumprindo seu papel de médica e cientista, ela deu um show. Poucas vezes vibrei tanto com alguém na CPI. Dra. Luana soube se impor para todos, independente de lado. E o que vejo em algumas reações? Críticas a ela, vinda principalmente da esquerda dessa vez. O mesmo discurso: porque ela foi golpista, porque ela votou no Bozo. Afinal, ela não pode ser assim tão brilhante, uma vez seus posts na internet mostram que ela era contra o governo do PT. Algumas pessoas dizem que ela só falou por que foi dispensada. Eu discordo. É o contrário: ela só foi dispensada porque falou o que pensava (há um ano). Ou seja, nós ajudamos a inverter a lógica e ela se tornou ré.


Fico então me perguntando: o que nós efetivamente queremos? O depoimento da Dra. Luana foi demolidor para o governo Bozo. Demonstrou que ele escolhe as pessoas pelo compromisso ideológico negacionista que elas têm; que ele não dá autonomia para seus ministros da saúde e essa é uma das razões para termos mais de 465 mil mortos; que as pessoas que pretendem fazer o que tem que ser feito são rifadas do seu governo. O que de melhor poderia ter acontecido?


Não tenho ilusões políticas sobre a Dra. Luana Araújo. Mas respeito sua coragem, admiro sua firmeza na defesa da ciência. Babei pelo seu conhecimento e pela didática com que o expôs (quem dera todos os professores conseguissem se comunicar dessa forma). E amei seu depoimento destruidor de falsas verdades.


Acredito que o mundo não se divide entre os bons da esquerda e os maus da direita. Existem tonalidades entre esses extremos e existem pessoas que não pensam como nós, mas nem por isso devem ser execradas. Não podemos repetir o jogo bolsonarista de odiar as pessoas pelo lado político que elas ocupam. É nas diferenças que podemos construir um mundo melhor, mas só se nos permitirmos olhar para o outro e aprender com ele. E isso vale para os dois lados. Cabe a nós estabelecer essa ponte e permitir que outros a cruzem.


(*) Claudia Schiedeck é ex-reitora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS).

 
 
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