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PESADELOS NO CAFÉ, POR PAULO GAIGER (*)


Augusto José, depois do “chega, babaca” de sua, agora, ex-esposa e do leve abalo na autoimagem, foi para o Tinder atrás de mulheres que reconhecessem suas qualidades. Tinha uma exportadora, terras, um Volvo novinho em folha. Era um partidaço. Em outro bairro, Bianca foi para o Tinder, tipo assim, cansei de homens chatos, a ver se tenho melhor sorte no site de encontros. Mas bolsominion, de jeito nenhum! O Cupido do amor fez o seu papel: um e outro deram match, escreveram ois. Ele se empenhou em frases para agradar: sou sincero, gosto do Caetano, aquele que canta Ronda... não, não, Sampa. Cupido não julga, dá o start e, depois, cai fora. Que se virem! Trocaram os WhatsApp e combinaram o encontro na cafeteria que Bianca sugeriu. Augusto José ainda se perguntou, por que não direto no motel? Não é tudo que uma mulher quer? Oi, sou o Augusto José; Oi, Augusto, sou a...; Augusto José é meu nome, entendes; Tá bem, Augusto José, eu sou a Bianca. Senta aí. Vamos pedir um café; Na verdade, meu nome é Augusto José Silveira da Silveira. Meu pai era Silveira e minha mãe também era Silveira. Por isso ficou Augusto José Silveira da Silveira. Sonoro. Gosto do meu nome e é como lembro de minha mãe, entendes; Aham...; Minha mãe foi tudo para mim, entendes, foi, não, é ainda. Me deixou faz uns dez anos. É duro suportar. Se tu...; Bianca; Isso, se tu, Bianca, conhecesse a minha mãe, irias concordar comigo: não teve e não terá nunca mãe igual à minha; Augusto José, vamos pedir um café...; Sabe... fui injustiçado, o fim de um casamento ruim, sabe, minha ex era uma toupeira...; Oiê, acho melhor...; Sorry, ãh...; Bianca; Sorry, Bianca, eu gosto de ler. Acho os livros muito bons pra cabeça, entendes; Aham...; Não lembro do último livro que li, mas sei que era muito bom, mexeu comigo, entendes? Me tornou mais humilde, mais sensível, do bem. Sou contra a violência, a corrupção, essa ladroeira...; Augusto José, eu vou pedir um café. Queres também? Ok. Bianca chama o garçom e pede dois cafés. Augusto José coloca as chaves do Volvo sobre a mesa. O garçom traz os cafés. Obrigada; Não precisa agradecer, é a obrigação dele, ele é pago para isso, entendes; Olha, eu sempre agradeço...; Mas não precisa. O cara deve escutar só música chata, tipo MPB... tipo daquele comunistinha velho? Veloso, isso Caetano Veloso; Tu só podes estar zoando; Como eu te falei, ãh...; Bianca; Sim, Bianca, como falei, eu sou sensível, calmo, muito calmo, mas se pisam no meu calo, sai de perto! Meu pai é assim também. Calmo, mas se pisam no calo dele, vira um monstro, tipo Hulk, entendes? Eu já prefiro o Capitão Bozo...; Que merda é essa...; Cada um tem seu gosto, Hulk, Capitão Bozo; Nossa...; Posso falar de mim, Bianca, oh, acertei teu nome, uma mulher requintada. Só de te imaginar no meu Volvo, fico... Nem vais precisar trabalhar, porque pra mim, homem é homem, mulher é mulher. É como fala o nosso presidente, entendes? Aonde tu vais? Senta aí! Ei, ei... Cacete, a vagabunda nem bebeu o café! (*) Paulo Gaiger é artista professor do Centro de Artes - UFPel

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