OS TESOUROS DE PICASSO, POR NORA PRADO
- Alexandre Costa
- 12 de ago. de 2021
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Nesta semana assisti ao documentário o Legado de Picasso sobre a vida e obra do maior artista plástico do século XX. A narrativa se constrói a partir da necessidade de fazer o inventário e catalogação de todo o acervo do artista, pelo filho Claude, junto à um marchand amigo de Pablo Picasso. A missão de reunir, classificar e avaliar toda a sua obra durou quase dez anos. Trabalho hercúleo feito com uma produção tão extensa quanto o talento e genialidade do mestre. Desenhos, pinturas, gravuras, esculturas, cerâmicas e tapeçarias constituem esse tesouro legado para a posteridade numa profusão de técnicas e estilos variados.
Pablo Picasso nasceu na cidade espanhola de Málaga e, desde cedo, mostrou desenvoltura e talento natural para o desenho e a pintura. Incentivado pelo pai, pintor de talento e produção medíocres, ele iniciou seus estudos nas artes e aos 14 anos ingressou na Escuela de Arte La Lonja com sucesso. Mais tarde foi aceito na prestigiada Real Academia de Belas- Artes de São Fernando, em Madri. Fascinado por Paris, Picasso termina morando na cidade luz onde se desenvolverá como artista inquieto e produtivo. Ao lado de seu amigo e companheiro, Georges Braque, inauguram o cubismo, movimento artístico de vanguarda entre tantas outras mudanças de paradigmas.
O filme narra a vida deste homem, formidável, através do reflexo que o romance com as suas mulheres produziu na sua obra. Numa espécie de diário íntimo, a obra do pintor se traduz de acordo com a sua vida. A fase azul, por exemplo, dura dois anos e responde a dor e a tristeza vivida por Picasso após a morte trágica do seu amigo Carlos Casagemas. A fase rosa, por sua vez, explicita a esperança e a alegria dos anos passados ao lado de sua companheira Fernande Olivier.
Insaciável e curioso pelo mundo e ávido por devorar a vida, Picasso deixou Fernande por Marcelle Humbert, conhecida como Eva Goel, a quem chamava de Ma Jolie. Foi sua segunda companheira e musa durante a sua época cubista, de 1911 a 1915. Eva faleceu precocemente aos trinta anos, vítima de tuberculose e câncer. Picasso ficou devastado com a perda da sua amada.
Durante o seu trabalho na cenografia e figurinos para o Balet Parade, de Diaghilev, em Roma, ele se apaixona pela jovem bailarina Olga Koklova com que se casaria mais tarde e com quem teria o seu primeiro filho, Paul. Nesse período Picasso já se tornara conhecido e o seu prestígio aumentava como artista. Pinta uma série de obras cujo tema principal são a maternidade e as crianças.
Em 1927 Picasso se apaixona por uma jovem de dezessete anos chamada Marie-Thérèse com quem se envolve paralelamente ao seu casamento com Olga. Mas a nova musa passa a ser representada nas telas precipitando o conflituoso triangulo amoroso. Em 1935 nasce Maya, fruto deste novo amor. Nesta época ele se dedica à cerâmica, escultura e gravura, produzindo sempre em ritmo alucinante, inovador e original.
Em 1936, apenas um ano depois do nascimento de Maya, Picasso se apaixonou por uma artista e fotógrafa iugoslava, Dora Maar. Os dois viveram juntos até 1944 e foi sua nova musa inspiradora. Dora fotografou a evolução e cada uma das etapas da pintura Guernica, obra prima do pintor. Um dos retratos dela, Dora Maar au chat, foi leiloado em 2006 pelo valor de 95,2 milhões de dólares, tornando-se uma das obras mais caras do mundo. Em 1943, Picasso conheceu uma jovem pintora, Françoise Gilot, com quem passou a dividir a vida, casa e o ateliê. Com ela tem mais dois filhos, Claude e Paloma. Depois de dez anos de vida em comum, cansada das aventuras extraconjugais do marido e das suas ex-mulheres, Françoise decide abandonar Picasso, tornando-se a primeira e única mulher a deixá-lo, causando revolta e indignação no incorrigível sedutor.
Numa vida povoada por paixões avassaladoras e cruéis, Picasso ainda terá fôlego de touro para viver ao lado da sua última mulher, Jaqueline Roque, que conheceu na cerâmica Madoura onde ela trabalhava e onde ele criava e pintava seus trabalhos em cerâmica. Tornaram-se amantes e casaram-se em 1961. Foi a sua segunda mulher, oficialmente declarada, depois que Olga morreu. Picasso também criou inúmeras obras inspirada nela, e só em um ano, produziu cerca de 70 retratos.
Já velho e cansado, Picasso morreu aos noventa e dois anos, na cama de manhã, depois de desenhar com crayon, como de costume. A relevância do seu legado para humanidade além da excepcional qualidade artística, apoiada num invejável domínio técnico e liberdade criativa, está também na gigantesca produção. É o artista que mais produziu ao longo da vida na história da arte, aliando rigor e disciplina à um prazer de trabalhar. Mais conhecido como desenhista e pintor, suas esculturas, gravuras e cerâmicas possuem o mesmo valor de originalidade, consistência e grandeza da sua pintura. O tempo fará justiça à essas obras colocando-as em igualdade de valor ao lado da sua pintura.
A riqueza e exuberância da sua obra singular e magnífica, seguem impressionando as novas gerações e influenciando artistas mundo afora. O estado francês tem na coleção do Museu do Louvre parte deste tesouro monumental e inigualável. Outra parte está no Museu Picasso e, outras obras, no Museu do Prado. Seu trabalho está exposto nos principais museus do mundo e em coleções particulares, mas ainda não conhecemos a totalidade da sua imensa e provocante obra.
Picasso segue fazendo história, e pelo avançado e inusitado modo de retratar o ser humano e o mundo, ainda não foi totalmente assimilado pela pós-modernidade. Mas é justamente esse o papel da arte, fazer avançar o espírito em direção à liberdade.
Neste ponto Picasso fez e experimentou tudo o que quis. Morreu em paz.
Porto Alegre, 11 de agosto de 2021.
(*) Nora Prado é atriz, poeta, professora de interpretação para Teatro e Cinema, atuou na Escola das Artes do Palco - SP.