Há uma história que está acontecendo entre os soldados russos e ucranianos que vem passando despercebida pela imprensa. Essa é a primeira guerra que os pais dos soldados ficam sabendo praticamente no mesmo instante quando o seu filho foi ferido, desapareceu, morreu ou caiu prisioneiro do inimigo. Dei-me por conta disso na sexta-feira (18/03), quando assisti a uma transmissão online do presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, 44 anos, no qual ele perguntou para as famílias dos soldados russos: “Vocês ligaram para os seus filhos para saber o que aconteceu com eles?”. Não foi a primeira vez que Zelensky tocou nesse assunto. Tem falado muitas vezes. Todas elas de uma maneira como se fosse um pai falando para outro pai. No campo das mensagens nas redes sociais, o presidente da Ucrânia está dando um banho no presidente russo, Vladimir Putin, 69 anos. O confronto entre Rússia e Ucrânia é uma guerra tradicional, travada entre dois países. Desde a Primeira Guerra Mundial (1914 a 1918), o longo tempo que a notícia levava para percorrer o caminho entre o campo de batalha e a família do soldado deu origem a toda uma cultura de filmes, livros, peças de teatro e muitos trabalhos científicos. Vou citar um filme: O Resgate do Soldado Ryan, que tem como cenário a Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945).
A história contada no filme é sobre quatro irmãos americanos que estão lutando na Europa. Três deles são mortos e um quarto, James Ryan (interpretado pelo ator Matt Damon), é considerado desaparecido durante o desembargue das tropas aliadas na Normandia (junho de 1944). Para evitar que a mãe dos irmãos receba quatro cartas informando o destino dos seus filhos, o capitão John Miller (interpretado por Tom Hanks) recebe a missão de resgatar James Ryan e enviá-lo para casa com vida. O filme, dirigido por Steven Spielberg, conta todo o roteiro de como as famílias eram informadas do destino dos seus filhos nos campos de batalha. Da Segunda Guerra até o surgimento e a popularização dos smartphones, há pouco mais de uma década, o roteiro da notícia sobre o destino do soldado percorria um longo caminho até a sua família. Em uma guerra mais recente, a do Vietnã (1955 a 1975), as famílias americanas só foram se dar conta do tamanho do problema quando os caixões dos seus filhos começaram a aparecer nos noticiários das TVs. Na invasão pelos Estados Unidos do Afeganistão (2001) e do Iraque (2003), os aparelhos celulares usados pelos soldados não tinham os recursos técnicos dos atuais. Mas a presença deles no campo de batalha já deu um empurrão forte na comunicação entre as tropas e suas famílias.
Nos dias atuais, a tecnologia disponível nos celulares mudou tudo. O fato de Zelensky ter sido um profissional no show business o ajudou a perceber essa mudança e a usá-la contra os russos. Não importa que Putin tenha aumentado a censura à imprensa, detonado as redes sociais e usado outros meios para dificultar o acesso dos russos aos fatos sobre o conflito. Por que não importa? Simples. Toda aquela região é formada pelos 15 países que faziam parte da extinta União Soviética (1922 a 1991). Durante esses 69 anos, as populações desses estados se misturaram de tal maneira que nos dias atuais eles têm parentes em todos os lugares. Simplificando: é como se fossem uma grande família. Sempre tem alguém em algum lugar que é parente e pode passar para frente uma informação. Putin tem mais soldados, equipamentos e recursos que Zelensky. Mas está perdendo a guerra na opinião pública mundial. Cada pronunciamento do presidente ucraniano turbina a antipatia contra o presidente russo. Na sexta-feira (18/03), Putin falou para um público calculado em 100 mil pessoas em um estádio de futebol em Moscou. Vi e escutei atentamente o conteúdo do discurso dele. Ele não falou para a opinião pública mundial. Contou uma versão maluca do que está acontecendo na frente de batalha. Como se não existissem internet, celulares e outras plataformas que transmitem em tempo real a guerra na Ucrânia. O fato é o seguinte. A transmissão online do que acontece na frente de batalha tornou Putin um dos personagens mais detestados pela opinião pública mundial.
Arrematando a nossa conversa. Ainda é cedo para se saber e ter uma ideia exata o que mudará com o fato das famílias poderem saber com mais rapidez e exatidão o destino dos seus filhos na guerra. A única coisa que podemos afirmar, com um bom grau de certeza, é que toda vez que as novas tecnológicas chegaram, elas trouxeram mudanças no comportamento da sociedade. Não seria diferente dessa vez. Portanto, é bom nós jornalistas ficarmos atentos para essa questão. Lembro que logo no início da minha carreira de repórter, em 1979, existia a tradição nas redações dos grandes jornais do Brasil de fazerem matérias com os sobreviventes da Força Expedicionária Brasileira (FEB) que haviam participado da Segunda Guerra Mundial lutando ao lado dos Aliados contra as tropas da então Alemanha nazista. Gostava de conversar com os veteranos. Principalmente aqueles que eram da infantaria. Naquela época, o infante era o combatente que tinha a missão de lutar corpo a corpo com o inimigo na disputa pelo território. Eles sempre tinham uma história interessante para contar. Naquela guerra, o infante era usado para desalojar o inimigo do terreno. Não era fácil. Nós dias atuais, as guerras são travadas à distância. E a letalidade das bombas evoluiu tanto que dificilmente alguma coisa sobrevive nos locais onde caem. Em todas as guerras que já aconteceram até hoje no mundo a comunicação foi usada como uma arma. A guerra da Ucrânia marca o início da “guerra online”. Uma nova era.
(*) Carlos Wagner é jornalista, repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, em São Paulo. Atualmente, Carlos Wagner é responsável pelo site Histórias Mal Contadas.