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OLHOS E LÍNGUAS PARA DESTROÇAR, POR PAULO GAIGER (*)


Roger Machado, técnico do Grêmio, em entrevista para a imprensa francesa e com forte repercussão no mundo todo, especialmente onde se devoram manchetes sobre futebol, disse que a violência e o racismo, cada vez mais comuns nos estádios e nas ruas, de certo modo, estão protegidos e são encorajados desde a voz do presidente do país, sabidamente um homem ignorante, racista, homofóbico e misógino. Mas foi o néscio eleito pela contagem dos votos das urnas eletrônicas que ele tanto combate. Roger tem razão e muita coragem para se expor em um âmbito tomado pela masculinidade tóxica, estreita e, às vezes, com muitos pilas na conta bancária. Entre alguns diretores do Grêmio houve mal-estar. Vergonhoso, absolutamente vergonhoso o clube que não apoiou publicamente seu treinador. Se alguém se dispôs a ler os comentários de leitores em ZH a respeito da entrevista, deve ter entrado, como eu, em profunda tristeza ao constatar o estágio de regresso a um tempo desconhecido de obscuridade, burrice e estupidez. Um mundinho pitbull que apoia o néscio e sua família. Isso, de certo modo, explica um tipo de conduta e ausência de pensamento: o alvará para matar e invadir terras indígenas que vem do gabinete presidencial sem que ele precise assinar papel algum; a multiplicação das queimadas ilegais que vem a galope porque conta com a anuência e galhofa da família bandoleira e de militares saudosos dos tempos em que podiam fazer a maldade que lhes desse na telha, como prender ilegalmente, torturar, corromper, censurar, sem precisar dar nenhuma satisfação. Fuzil apontado pra cara do descontente. É nesse ventre podre da ignomínia nacional que está sendo gestado o golpe em nossa trêmula democracia, aquele que virá assegurar a plenitude de todas as injustiças, o bacanal de militares, corruptos e empresários ricos (talvez por isso a compra apressada de próteses penianas e viagras), a fé como escudo à indignação, a censura à imprensa e aos livros, a la Putin, a propaganda oficial sempre mentirosa, a la Maduro. Essa denúncia e tragédia prováveis tinham que ser abordadas diariamente por todos os meios de comunicação, de Roger ao plano terrorista do golpe, já que o judiciário e o congresso se parecem a uns palermas ou a camelôs de Brasis. Imprensa livre, sempre. Mas, às vezes, a censura ou a escolha em dar importância ou não a algum acontecimento vem de dentro das redações. Os escândalos, desrespeitos e arengas do presidente capitão da república são tratados com parcimônia. O Bolsonaro racista e vilão é tratado como um tiozão que, sorry, muitas vezes, mete os pés pelas mãos. E faz piadas idiotas, xinga mulheres jornalistas, ameaça o STF, corteja o empresariado mais podre do país. Que tiozão, né! E o pitbull se reconhece na linguagem de seu presidente e pula de faceiro com cada pedaço de carne de índio, negro ou trans assassinado. Provavelmente lhe apeteceria destroçar os olhos e a língua do Roger, os olhos e a língua da Anitta, os olhos e a língua do Caetano. Então, quando leio notícias sobre a violência das torcidas, como a ocorrida após o jogo entre Cruzeiro e Grêmio, quando vilões apedrejaram um dos ônibus da torcida tricolor, fico espantado duas vezes: a violência sem sentido e a anuência dos clubes e da CBF. Quando lembro da violência de parte da torcida de Inter contra o ônibus dos jogadores do Grêmio, ainda no campeonato regional, fico espantado muitas vezes: a babaquice das direções dos dois clubes, a necedade da FGF, a alienação dos jogadores. Em ambos os casos, e são tantos mais, os clubes, os quais as torcidas violentas representam, deveriam ser rigorosamente punidos com a perda dos pontos ou com a exclusão do campeonato. Os jogadores deveriam se negar a entrar em campo. Bandido bom não é bandido morto? E quem acolhe o bandido em sua casa ou clube? E quem faz vista grossa? Fica tudo por isso mesmo, um ou outro é afastado dos jogos e nada mais. Os indígenas estão sendo massacrados, os negros estão sendo massacrados, as trans estão sendo massacradas, jornalistas estão sendo ameaçadas por quadrilheiros gêmeos das torcidas racistas e violentas do futebol. Isso é possível e cresce como macega em razão da impunidade, da anuência e da galhofa das direções, da FGF, da CBF e da família bandoleira. O golpe vai referendar a estupidez. O pitbull está solto. Paulo Gaiger é Artista professor do Centro de Artes – UFPel.

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