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OCO, POR PAULO GAIGER (*)


Tem gente que ainda acredita em Deus e, provavelmente, acreditava na Fada do Dente, no Curupira, no Coelhinho da Páscoa e no Papai Noel. De nenhuma das entidades se pode provar que inexiste ou, pior, que existe. O Deus único, diferentemente da Fadinha, do Curupira, do Coelhinho e do Noel, faz parte de nossas vidas desde o nascimento. Não porque nasce conosco ou tenha qualquer responsabilidade, mas porque desde a tenra idade, pais, parentes e madrinhas incutem na gente todas as horas de todos os dias, o olho de um Deus vigilante, quase como um leão de chácara vitalício, um Deus que dá e tira, um Deus amor, mas de um amor enviesado que é dívida e adoração. Uma entidade ególatra e perversa. Como canta o Chico Buarque: “Ao nosso Senhor, pergunte se ele produziu nas trevas o esplendor, se tudo foi criado, o macho, a fêmea, o bicho, a flor, criado pra adorar o criador”. Enquanto as demais fantasias são inocentes e só aparecem quando perdemos os dentinhos de leite, quando nos leem histórias, na noite de natal e na páscoa. Concorrência desleal. Também se crê na influência das conjunções das estrelas e planetas, dos números, de alguns animais, das figuras geométricas, de figuras mitológicas, das encruzilhadas, das vidas passadas... Tá tudo bem! Afinal, quando não faz mal a quem crê e a quem não crê, que mais dá? Alguém, antes de me cancelar, poderá gritar: Deus existe, criou o céu e a terra, o amendoim, a perereca e o zorrilho! Te esconjuro por duvidares de sua existência! Tá tudo bem, diria minha amiga Lovane. Mas para nosso espanto, algumas igrejas condenam a vacina contra o covid-19 em nome desse Deus. O caso é que um oco ou ignorância ou infância reside nas brechas ou nas motivações da fé. Por que alguém, bípede, com córtex cerebral, alguma cultura e linguagem, algum passado e, quem sabe, projetos, acredita nos poderes celestiais e descrê da vacina? E pior, não se deixa aplicar a vacina do covid-19. Por quê? Ó, céus! Por que alguém difama a própria vacina e a ciência que a produziu, arma ou dissemina notícias falsas e não quer que crianças sejam vacinadas? Por que alguém massacra um jovem Congolês? Por que alguém ofende um homem negro no estádio do Xavante? Por que acossam e estupram mulheres todas as horas de todos os dias? Deus? Curupira? Oco? A ciência e a medicina estão aí, concretamente, quando você sofre de enxaqueca, não supera um trauma, tem uma diarreia, sofre uma lesão no futebol, não tem filtro social ou é estúpido. Não acreditar na ciência é tolice de quem segue alimentando a ignorância como norte e forma de decidir: confia nas mentiras e calúnias contadas nas redes sociais todas as horas de todos os dias, nas imbecilidades do presidente, no guru do gabinete do ódio. E atribui a Deus o que é sua responsabilidade. Ninguém nasce imbecil. Se torna imbecil colocando fé nas mentiras, adorando Olavo de Carvalho e a família que ocupa atualmente a presidência da República. Os pais que não levam seus filhos para se vacinarem deveriam responder criminalmente. E nem Deus, nem nenhuma das outras fantasias têm qualquer coisa a ver com isso. É o oco, a ignorância ou a maldade deliberada. E não está nada bem!


(*) Paulo Gaiger é artista professor do Centro de Artes – UFPel

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