por Jorge Branco
Nos últimos 15 dias, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado Federal que investiga a gestão do governo federal para enfrentar a pandemia da covid-19 acrescentou novo e forte componente no debate político sobre a tragédia: evidências de corrupção na gestão do Ministério da Saúde, ao menos na gestão direta da campanha de vacinação.
Segundo as informações levantadas pela CPI, há evidências de que gestores responsáveis pela compra de vacinas contra a covid-19 teriam negociado propinas para efetivar a operação. Esse ato criminoso teria impactado diretamente na demora para iniciar a campanha de vacinação no Brasil, além de caracterizar mau uso do dinheiro público.
Os pesquisadores Pedro Hallal e Jurema Werneck comoveram o país ao revelar consistentes estudos comprovando que cerca de 400 mil mortes por covid-19 poderiam ter sido evitadas, caso o governo federal tivesse adquirido antes as vacinas e adotado mais medidas de prevenção da disseminação e transmissão do vírus.
Estas revelações, ampliadas na CPI, impactaram decisivamente a apreciação da população sobre o governo Bolsonaro e sobre ele próprio. Pesquisa de opinião do Datafolha, publicada pela Folha de São Paulo em 8 de julho, indica que a rejeição a Jair Bolsonaro chegou a 51% dos entrevistados. Segundo o mesmo Datafolha, o índice de rejeição era de 45% em 12 de maio de 2021 e de 32% em 13 de dezembro de 2020. Ambas as pesquisas, igualmente publicadas pela Folha de São Paulo.
Assim como vários analistas creditavam ao auxílio emergencial os índices menos desfavoráveis de Bolsonaro nas pesquisas de opinião do segundo semestre de 2020, está muito nítido que o crescimento da rejeição está relacionado às revelações produzidas pela CPI, sobre o atraso intencional da campanha de vacinação.
Três seriam as razões para tal atraso.
Primeiro, a ideologia negacionista, que espalhou contrainformação sobre a gravidade da pandemia, está na base da decisão de atrasar a vacinação e daria tempo para o governo Bolsonaro provar a eficácia de sua estratégia de “imunização de rebanho”. Linha que, em certa medida, revela macabramente adesão ao conceito de eugenia, base das políticas nazistas e fascistas de extermínio de populações consideradas inaptas e inferiores.
Segundo, a adesão do governo à defesa dos interesses de uma burguesia periférica, lúmpen, que considerou a pandemia uma grande oportunidade de ampliação de seus lucros e riqueza. Esse alinhamento resultou na construção retórica de uma contraposição entre proteção sanitária e manutenção do emprego e da renda. Tal política ampliou a desinformação e gerou um confronto na sociedade, onde as ideias de autoproteção e de adesão aos protocolos de saúde foram constantemente minadas e desconstituídas em favor de condutas irresponsáveis, que ampliaram a extensão do contágio e, por conseguinte, da letalidade.
Terceiro, a construção de dificuldades nos processos e atos administrativos para importação das vacinas e insumos com o objetivo de criar um ambiente favorável à corrupção, propina e ilegalidades de várias ordens.
Estes aspectos são já materializáveis no que diz respeito à gestão da saúde e à estratégia do governo Bolsonaro no enfrentamento à pandemia, porém já há evidências de que as mesmas práticas se espalham em todas as esferas e áreas do governo Bolsonaro. O aparelhamento das Forças Armadas e da Polícia Federal, a gravidade do desmonte da política ambiental e o papel do ministro recentemente demitido, a política econômica e outras estão notoriamente dirigidas pela mesma política negacionista, antipopular e ilegal do modo de gerir a saúde brasileira.
Ficam as perguntas! Somente pelo descalabro de mais de meio milhão de mortes, a maioria das quais evitáveis, se revelam as barbaridades do governo Bolsonaro? Os resultados econômicos, o desmatamento, o corte de investimentos nas universidades federais, a extinção de programas sociais, a redução no repasse de recursos ao SUS e a vergonhosa política exterior do governo, entre tantas, não seriam causas suficientes para uma reação da sociedade? As constantes ameaças golpistas contra a Constituição federal, a democracia e a lei, não seriam suficientes para gerar um processo de impedimento de tão desastroso governo?
Ecoa muito alto o silêncio de atores políticos que foram protagonistas do golpe de Lawfare no período de 2016 a 2018. A Procuradoria Geral da República, o Tribunal de Contas da União, outrora ativos e articulados inclusive internacionalmente, não cumpriram seu papel institucional. O que significa uma espécie de omissão ativa, considerando que a inatividade destes atores teve, na prática, o efeito de apoio ao desenvolvimento da destruição em curso no país.
publicado originalmente em: Brasil de Fato / RS